sábado, 31 de dezembro de 2011

As tartarugas também crescem


As tartarugas também crescem. Li há dias no jornal que é preocupante a situação das tartarugas que são compradas como mascotes de poucos centímetros e que acabam abandonadas porque os donos descobriam entretanto que a carapaçazinha se transformara numa carapaçazona de 50cm para a qual já não á aquário que chegue.
Isto pôs-me a pensar nessa ingénua crença humana de que as coisas perfeitas vão continuar perfeitas para sempre. Em boa verdade o que temos aqui são duas crenças, qual delas a mais ingénua. Primeiro, a de que existem coisas perfeitas. Segundo, a de que essas supostas perfeições se manterão ad eternum. Uma vez que sobre a primeira já divaguei que chegue para encher um manual de instruções vou debruçar-me sobre a segunda.
Não sei se fruto de um perpétua infantilidade ou de uma idiotice profunda, o certo é que o ser humano tende a acreditar piamente que para certos efeitos o tempo deixa de correr. Há quem compre um telefone porque é a última geração de telefones (como se estivessem à beira da extinção) sem pensar que dali a um dia e meio já vão ser o equivalente ao pai do mais novo telefone no terreno, e passado outro meio dia passará para a categoria de avô. Há quem arranje um namorado daqueles de capa de revista, com six pack à frente, rabiosque empinado atrás, 2 metros de homem cor de mel, sem sequer lhe passar pela cabeça que dali a uma década o Rodolfo Valentino vai estar meio careca e de dublo queixo.
Ora, quando isto acontece, e as pessoas se apercebem que a sua obra perfeita deixou de ser perfeita e acabou ultrapassada por perfeições mais perfeitas, a tendência é procurar um substituto.
Assim, os donos das tartarugas compram outra tartaruga ainda mais bebé, e se porventura descobrirem que os piolhos já se tornaram também mascotes eis que esta parece uma boa solução, porque os piolhos, porque muito que cresçam, nunca chegam aos tais 50cm, sob pena de termos seres mutantes a devorar a raça humana.
O dono do gadget deita para o lixo aquele velhinho telefone que de repente se tornou tão lento e tão desprovido de estilo, ou então ofereço-o a uma tia-avó da época da outra senhora, e que gosta de coisas da época da outra senhora. E logo se dirige a uma Appelstore em busca de um telefone que lhe indique a previsão meteorológica para todos os continentes, onde possa ver televisão e saber da bolsa e, se possível, lhe faça massagens nos ombros.
A dona do coração do to tal tipo alto e de muitíssimo bom aspecto, caracóis de anjo e sorriso de diabo, começa a sentir-se, primeiro incomodada e depois enojada, com os quilos a mais do dito, com as rugas que lhe começam a surgir no canto dos olhos, com a pança que o faz tombar para a frente. De repente ele já não parece tão alto, nem tão sedutor, nem sequer tão inteligente. A senhora começa a olhar pelo canto do olho para o rapazinho que todas as 6.º feiras encontra no ginásio, e pensa no bom que seria dormir aninhada nele em vez de ser obrigada a chegar-se para o cantinho da cama só para que o seu pé não toque no pé daquele homem de meia-idade que tem lá em casa.
Esta fixação com a perfeição, com último grito da moda, com os sapatos mais in, a amiga mais cool, o carro mais potente, a bebida mais diurética, é talvez qualquer coisa de intrínseco à espécie humana. Certamente haverá até alguma explicação freudiana para isso. Mas eu, que não sou Freud nenhum, não deixo de pasmar de cada vez que me deparo com esta ilusão naif do mais alto, do mais forte, do mais veloz e do mais bonito. Quantas vezes não foi também esta a minha ilusão….
Uma tola crença na infinidade, na intemporalidade, na utopia. Que não tem razão de ser se pensarmos que as tartarugas também crescem.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O país está a afundar. Mulheres e crianças primeiro


É oficial. O país está a afundar. Tal qual um transatlântico (mas daqueles pobrezinhos) embate num iceberg, também Portugalzinho embateu numa coisa, uma coisa que nem sabemos bem de onde nos chegou, nem como nem quando, mas que resulta de anos e anos de má gestão, corrupção, ganância, e todas as coisas más que infelizmente o povo português também tem.
Não foi coisa de um Governo. Sobretudo, não foi coisa do actual Governo, que mal teve tempo de aquecer o rabo nos assentos do poder. Mas nem sequer do anterior, que por deprimente e vergonhoso que tenha sido não consegue sozinho levar 10 milhões à ruina. Nem só do anterior. Nem apenas do outro antes. Foi sim uma amálgama de muitos governos, de muitos Primeiros, de muitos ministros, de muitos Ruis Pedros Soares, de muitos Paulos Penedos, de muita gente pequenina que por aí anda e na qual nós, grande parte de nós, foi suficientemente estúpido para votar e suficientemente fraco para não meter atrás das grades.
Mas vou desconsiderar por momentos de onde veio a crise para em vez disso ponderar para onde vai ela, e com ela todos nós. Ou seja, como é gerida e enfrentada.
Ora, para além de muitas tecnicidades económicas, políticas e financeiras para as quais não me sinto acreditada para comentar - até porque em todos os jornais e telejornais aparece gente mais sabedora do que eu a lançar a sua posta de pescada, desde economistas a politicólogos, passando pela oposição que, como sempre, discorda - a nota que eu retive do pensamento do nosso Primeiro é que a solução está em fazer as malinhas e sair.
De modo que vendam as casas (claro que não as podem vender porque como os actuais empréstimos bancários não há quem as compre) ou arrendem-nas (ou talvez não, já que na melhor das hipóteses o regime do arrendamento ainda vos vai ter que fazer esperar por 5 meses de rendas em atraso antes que os oportunistas que vivem disso sejam forçados a sair da vossa casinha e ir enganar outro), empacotem os bens (os que restaram) e ala que se faz tarde.
Ora, não é a primeira vez que o nosso Primeiro sugere a emigração como solução de todos os males. Os seus defensores mais acérrimos dizem-me que tal proposta demonstra lucidez e honestidade, o que faz dele um grande Homem. Vai daí, eu que até sou de direita, decidi transformar-me em politicóloga de bancada (pelos vistos hoje qualquer um o pode ser) e fazer alguns considerandos.
Considerando sobre a lucidez: a sagacidade política do nosso primeiro desperta-me dúvidas várias porque a verdade é que se todos montarmos arraiais do outro lado do mundo quem é que fica aqui na Parvolândia a pagar impostos e a sustentar a dívida? Mais, se todos formos embora quem resta para reconstruir o país? Os velhos e os mancos? É que não se espere que nos lançamos na aventura de construir uma nova vida fora daqui para cair no esforço inglório de depois de conseguirmos uma casa decente, um carro simpático e um emprego bem pago deixamos tudo isto pelo chamamento da Pátria. O país vai ficar mais pobre de recursos humanos, de bons cérebros, de mão-de-obra altamente qualificada que sairá para não mais regressar.
Considerando sobre a honestidade: também me foi dito que todos sabemos que esta é a única saída, e que o Primeiro seria mentiroso se nos desse falsas esperanças. Bem, não seria a primeira vez que apregoaria as tais falsas esperanças. Afinal, não foi propriamente honesto quando hasteou a bandeira do limite do sacrifício para ganhar eleições, mas agora que se sentou o trono esqueceu o tal limite. É claro que não lhe é permitido, muito menos exigido, que minta. Mas é-lhe permitido, e mesmo exigido, que nos incentive, que nos anime. Sim, o Primeiro-ministro tem que ser um treinador. Não pode ser a velha amarga e pessimista que incentiva a desistir e a baixar os braços. Tem que ser o Mourinho deste jogo.
Outro argumento muito caro a quem lhe perdoa estes infelizes discursos apela a uma ideia que sempre tenho defendido: o Estado deve ser menos, deve deixar de intervir na economia e remeter para os privados a resolução de muitas questões, cabendo-lhe apenas ser o regulamentador e fiscalizador. Para ser congruente com esta ideia de economia liberal diríamos que nós, os que temos empregos, não temos qualquer obrigação de sustentar os outros, os que não têm empregos. Logo, aqueles que o não têm arranjem-nos, aqui ou ali, ou mesmo acolá. Mas porquê é que eles não têm e eu tenho? Serei eu porventura mais inteligente, mais competente ou mais diligente que todos aqueles que neste momento não têm salário? Provavelmente serei mais inteligente, competente e diligente do que muitos deles, mas não de todos. Seria de muita presunção minha pensar que isto que tenho se deve unicamente ao meu mérito e que todos os outros são um bando de idiotas e preguiçosos. Há muito de sorte, de infelicidade e de cunha na divisão empregado/desempragado, de modo que onde eles estão agora posso estar eu amanhã. Tão-pouco percebo que o Estado se demita da função de olhar por aqueles que neste momento não têm nada, como se este fosse um problema da sociedade civil, mas depois nos peça a nós, a tal sociedade civil, que paguemos a dívida que ele, o Estado, angariou. Porque a dívida não é do meu vizinho de baixo, desempregado, com 3 filhos e sem seguro de saúde. A dívida é do senhor Estado. E se o senhor Estado não ajuda o meu vizinho, pois eu não quero ajudar o senhor Estado. Não quero pagar impostos como se vivesse na Dinamarca e ver os meus compatriotas a viver como num país de 3.º mundo.
Dito isto devo dizer que a ideia de sair daqui a mim me seduz muito. Já se sabe que eu sou um saltimbanco genético, sempre à espera do próximo voo. Mas eu sou uma privilegiada. Não tenho filhos nem outras amarras neste país para além dos meus papás, que de mim já não esperam muito neste campo. Sou mão-de-obra altamente qualificada, de modo que não me seria terrivelmente complicado encontrar emprego. Falo várias línguas. Vivi vários anos fora. Não tenho encargos económicos que aqui fiquem pendentes. Posso sair quando me der na realíssima gana. Apenas me prende um emprego que me satisfaz plenamente, a consciência de que vivo uma vida que é, apesar de tudo, bastante confortável, e os ditos papás. Mas se eu tivessem filhos, uma casa para pagar, familiares idosos ou doentes que dependessem de mim, a escolaridade básica, e um enorme temor pelo desconhecido que nunca pensei sequer em conhecer… que faria? Será que me seria exigível sair daqui nestas condições?
Este nosso Titanic está a afundar e como de costume não há botes suficientes. Em boa verdade creio que aqueles de nós que sabem nadar se devem atirar ao mar bravio e fazer pela vida num outro barco qualquer. Mas eu posso dizer isto porque não votaram em mim para Primeiro. Porque se tivessem votado teria mais cuidado antes de vos pedir que se atirassem borda fora.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Fica bem. Mas não bem assim.


Embora sejamos todos pessoas diferentes, ainda assim creio que é possível traçar um itinerário emocional pelo qual todos passemos exactamente nos mesmos momentos. Algumas de nós podemos suprimir ou um outro estádio, trocar-lhes a ordem (primeiro a revolta e depois a saudade, ou vice-versa) ou sentir as coisas ou bocadinho mais acima ou um bocadinho mais abaixo. Mas de um modo geral o percurso é este:
- “Não acredito que isto aconteceu!” – a surpresa. Porque mesmo já se sabe que vai acontecer… é sempre uma surpresa quando acontece.
- “Como é que este filho da puta se atreve a fazer-me isto?” – a revolta. O desespero mistura-se com a raiva, e mesmo com o ódio e a repulsa. Presentes são destruídos e inexplicavelmente muita coisa aprece partida lá em casa.
- “A culpa foi minha. Não fui suficientemente boa” – a autodestruição. A minimização da pessoa fantástica que somos e a sobrevalorização de um tipo que nos partiu o coração.
- “Não acredito que isto me aconteceu a mim” – a auto-comiseração. Dias em casa a chorar, 5kg a menos. O mundo, tal como o conhecemos, acabou ali.
Mas eis que a Fénix renasce das cinzas. Pode ser um convite para jantar, o ombro de uma amiga, um novo projecto profissional, ou até um vestido que experimentámos e nos fica especialmente bem. Os mortos não voltam à vida, mas as pessoas de coração despedaçado sim.
Partindo do pressuposto que somos pessoas mentalmente equilibradas e que os eles e as elas, apesar de não se terem portado no seu melhor, são ainda assim pessoas medianamente decentes, eventualmente acabamos a desejar-lhes uma boa vida. Não lhe queremos mal, que morra infeliz, doente e sozinho, na miséria, com dor de dentes e diarreia. Não. Afinal, aquela pessoa fez parte da nossa vida, fez-nos feliz durante esse período, de modo que lhe desejamos prosperidade, amor e saúde.
Mas… não tanta felicidade quanto a que nos calhe a nós. Apesar de tudo temos que ser nós os mais bonitos, os mais magros, os mais bem-sucedidos, os que temos os filhos mas bonitos, os mais desejados. Especialmente, temos que ser nós os mais amados.
Racionalmente sabemos que sua felicidade actual não significa necessariamente uma infelicidade passada ao nosso lado. Muito menos que tal se deva a alguma coisa que o presente someone tem e que nós, o past someone, não tínhamos. Mas aquilo que o cérebro sabe muitas vezes não chega para nos apaziguar, e continuamos a atormentar-mo-nos com a ideia de que não fomos o suficientemente. Simplesmente, não fomos o suficiente.
Isto já nada a ver com as réstias de sentimento que permanecem – porque permanecem sempre, ainda que de forma diferente do quando éramos um “nós” – nem com supostas paixões que permaneçam. É antes uma espécie de tola competição para ver quem sobrevive melhor, quem encontra o maior amor, quem sai por cima. Como se nestas coisas de amores e desamores houvesse vencedores e vencidos.
Será que isto nos torna pessoas mesquinhas e pequeninas? Talvez. Mas somos humanos, e os seres humanos são, entre outras coisas, mesquinhos e pequeninos. Além disso, os nossos desejos não são despojados de alguma grandeza. Não lhe desejamos mal, não nutrimos ressentimento, não o caluniamos, recordamos os momentos juntos com carinhos. Mas se há coisa de que não conseguimos abrir mão é do sentimento que nós somos melhores e merecemos melhor.
De modo que estou em crer que a verdadeira epifania… talvez não seja exactamente isso, de modo que vou reformular: a verdadeira afirmação de nós mesmos como a pessoa que desejaríamos ser acontecerá no dia em que desejemos a esse alguém o mesmo, ou mais até, do que aquilo que queremos para nós.

sábado, 17 de dezembro de 2011

QUANDO O AMOR SE MEDE AOS QUILÓMETROS


As relações humanas são complicadas. Quando entre os meus ventrículos e os dele se intrometem centenas, por vezes milhares, de quilómetros, esta complicação torna-se um verdadeiro enigma de física quântica. Como é que se mantém a chama de uma relação à distância?
Convenhamos que a questão não é nova. Os nossos avós e os nossos pais já se depararam com estes dilemas, com a pequena agravante de existirem muitas vezes guerras pelo meio. Já nem falo dos nossos mais longínquos antepassados, que deixaram donzelas debruçadas de janelas de torres para ir por aí matar dragões (ou mouros, o que estivesse mais a jeito).
Claro que hoje em dia a questão está simplificada pela existência de comboios rápidos, viagens aéreas a preços low-cost, telefones, internet e Pc’s com webcam. Se assim é, porque é que eu não conheço nenhuma relação à distância que tenha desembocado num final feliz?
Comecemos pelas minhas, que já sou perita no assunto. O primeiro amor da minha vida era polaco, lindo e alto, espirituoso e… morador em Varsóvia. Durou 5 meses. E assim se inaugurou um longo rol de relações internacionais, desde brasileiros a angolanos, passando por um libanês. Todos os finais foram dramáticos e dolorosos. I should have known better…
Quando o amor se mede à distância, entre continentes ou entre países, ou mesmo entre cidades, temos que nos convencer, antes de mais nada, que estamos sozinhos. Tudo aquilo que os outros fazem a dois, nós teremos que fazer a um.
Nos jantares românticos somos nós e o sofá, eventualmente deixando que a televisão se junte quando estamos numa onda de ménage.
As noites frias, à falta de quem nos aqueça os pés na cama, são suportadas à custa de sacos de água quentes, soterradas em cobertores e lençóis térmicos.
Fins de semana na praia? Enfim, se formos sozinhas não corremos o risco de nos deitarem areia para cima, e lá se haverá de descobrir uma forma de espalhar bronzeador na parte traseira.
Saídas de sábado à noite? Temos a hipótese de saídas com as meninas, e lá vamos nós com a famosa seta luminosa a pairar sob as nossas cabeças, anunciando à rapaziada que o mulherio anda à solta, o que é particularmente embaraçoso quando as amiguinhas andam em busca de companhia masculina, porque então se torna difícil explicar aos candidatos a “companhia” que elas têm de facto luz verde na testa mas que a nossa está vermelha…como as casas de banho do comboio quando estão ocupadas. Saídas com casalinhos? Cortem-me já os pulsos. Resta aquele núcleo indefinido de meninos que oscilam entre os conhecidos e os quero-ser-mais-que amigo. O desejável é evitar os convites que daí venham. Mas a verdade é que passar as noites em casa à espera de um telefonema ou um beijinho na net pode arruinar a nossa sanidade mental. Por isso lá vem o dia em que cedemos, e aceitamos o tal simpático (e completamente inocente e despretensioso) convite para jantar, que na maior parte dos casos termina connosco a bater a porta do carro e uma voz masculina a gritar lá de dentro: “Mas ele nunca iria saber…”
Sim, é difícil manter um amor que se mede em quilómetros. Força de vontade, perseverança, firmeza, lealdade, honestidade, capacidade de aguentar infinitas horas de solidão, paciência, esperança em dias melhores, tudo isso se espera de nós. Falo, em suma, de super-mulheres. E de super-homens, porque acredito que tudo isto se aplica a eles também. Vale a pena? Não sei ao certo. Acredito que sim. Tenho fé que sim. Não sendo eu católica, e tendo que ter fé em alguma coisa, que seja na vitória do amor (já estão a vomitar? É que eu estou quase).
Até porque nada bate aquele momento em que entramos no comboio, a contar cada segundo que falta, com o coração a bater, tirando o espelhinho da mala de minuto a minuto para ver se estamos bem, na ânsia de transformar todos aqueles quilómetros em centímetros de distância.

domingo, 11 de dezembro de 2011

A minha traição é melhor do que a tua


“Mas como é que ela sabe?”
“Ele disse-lhe. Foi ele que lhe disse na cara”.
“A sério?”
“Sim. Disse-lhe que não estava preparado para nada sério. O que procurava era uma amiga… uma amiga colorida”
“E como é que ela reagiu?”
“Ela já desconfiava. Afinal, que se há-de esperar de um homem que tem escrito no Facebook que quer conhecer mulheres?”
“E como reagiu ela?”
“Não reagiu mal. Respondeu-lhe que ele tinha que decidir o que queria porque ela tinha outra pessoa”.
“Mas tem?”
“Achas? Não tem nada. Disse-lhe isto para o espicaçar. E parece que ele ficou transtornado. Perguntou-se se era mesmo verdade, que não estava nada à espera disso… Enfim, ela disse-lhe que tinha outra pessoa na vida dela e que assim iria continuar, a não ser que ele quisesse outro tipo de relação”.
Nesse momento tive que sair do autocarro e não consegui saber mais nada desta relação desengonçada (só para rimar). Mas mal pisei a calçada com o meu sapatinho (não me recordo exactamente de qual, mas certamente era fantástico) pus-me a pensar o quanto as relações tinham evoluído nos últimos anos.
Tempos houve em que as pessoas mentiam para encobrir amantes e casos extra-relacionais. Hoje em dias as pessoas mentem para criar amantes e casos extra-relacionais.
Ora, quando é que ser infiel se tornou um requisito para uma relação bem-sucedida? Quando é que a promiscuidade se tornou um atributo bem cotada na bolsa de valores das relações amorosas?
Subitamente damos por nós a inventar jantares para os quais não fomos convidadas, telefonemas que não fizemos e quecas que nem pensamos em dar, só para ser mais… Mais quê? Mais interessantes? Mais apetecíveis? Mais sedutoras? Basicamente, um “melhor partido”. É como se não o facto de não flirtamos (ou sexamos, diria mesmo) com outras pessoas para além daquela com quem mantemos uma relação (mais ou menos) estável nos tornasse, de alguma forma, aborrecidas e pouco interessantes. Um coirão. As miúdas que ninguém quer. É certo que bem pode suceder que isso aconteça porque, simplesmente, não estamos interessados noutra pessoa. Mas isso seria um atestado de estupidez e de falta de sex appeal…não?
Hoje em dia, mais do que ter pessoas interessadas em nós para nos encher o ego, é preciso demonstrar publicamente que existem pessoas interessadas. Mesmo que não existam. É indiferente. Ao contrário da mulher de César não basta sê-lo, há que parecê-lo.
De modo que se não existem, inventem-nas. Criem contactos com números inexistentes e atribuam-lhe um nome que pareça terrivelmente interessante e sexualmente potente. Enviem a si próprias rosas vermelhas com um cartão escaldante, para serem recebidas na frente de muita gente mas, especialmente, na frente da “pessoa”. Recusem convites alegando hipotéticos jantares, saídas, fins-de-semana, ou qualquer coisa que vos torne mais apetecíveis. A imaginação não tem fim. E a loucura também não….
Porque é de loucura que falamos quando acreditamos que alguém vai gostar mais de nós porque se sente atraiçoado e magoado. Infelizmente, não é uma loucura da nossa cabeça, mas deste mundo em que vivemos, onde se implantou a ideia de que as pessoas mais interessantes são aquelas mais assediadas e – eis agora o grande salto filosófico – as que mais cedem aos assédios.
As pessoas já não se juntam para serem fiéis uma à outra, mas para se atraiçoarem mutuamente. Depois do tempo dos galanteios chegou o tempo das mágoas e das traições. De modo que já não há motivo para esconder facadinhas matrimoniais. Revelem-nas abertamente ao mundo. E se porventura não vos apetecer estar com mais ninguém… inventem-nas. A este estado chegámos!
Nunca pensei dizer isto, mas tenho saudades do antigamente….
Tenho saudades o tempo em que teria que inventar a suposta homossexualidade de algum cavalheiro bem-parecido com quem fosse apanhada a beber em copo. Agora a saída mais airosa para mim é debitar os vários encontros românticos que eu e o tal cavalheiro já tivemos. Caso contrário sou uma falhada. Ou, pior que isso, uma monogâmica.
De modo que se alguém perguntar onde estive nos últimos dez minutos façam o favor de não contar que os passei aqui sozinha, sentada no sofá a escrever. Peço-vos encarecidamente que espalhem aos quatro ventos que tive um jantar à luz das velas com um tipo alto, forte e espadaúdo que me convidou a ir passar com ele um fim-de-semana em Paris.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O cuecão


Ah, o cuecão. Essa instituição centenar, que acompanhou as nossas trisavós, bisavós, avós, mães e, com algum horror meu, constato que algumas de nós. Ora, eu já tive oportunidade de manifestar a minha mais veemente repulsa por roupa interior que funcione como turn off, mas como este meu bom povo teima em não me dar ouvidos sinto-me coagida a tecer mais algumas considerações sobre o tema.
Eu sou, essencialmente, uma observadora. Posso passar horas a observar pessoas e a ouvir as suas conversas. Há quem me chame coscuvilheira, mas eu prefiro observadora.
Pois bem, estava eu a observar a família que tomava o seu brunch junto a mim, composta pela santíssima trindade de pai, mãe e filho, quando subitamente a mãe se se levanta da cadeira e eu vi. Basicamente o mundo inteiro viu. O famigerado cuecão.
Quero frisar que não falo de uma daquelas mães matrafonas de 50 e tal anos. Falo de uma mãe quiçá (ao tempo que queria utilizar esta!) mais jovem do que eu, ou se preferirem, menos velha do que eu. Ou seja, uma matrafona novinha. Mas desleixada.
Bem sei que não tenho propriamente legitimidade para criticar a forma como se cuidam as mulheres que têm filhos. Adivinho que as prioridades hão-de ser outras, e que entre pintar os lábios ou mudar de fraldas cheias de cocós estas últimas levem a dianteira. Mas a verdade é que eu estou mal habituada. É que fui parida por uma mãe que sempre foi gira, super-gira, e que ainda hoje é uma giraça. E estou rodeada de amigas que depois de ter os seus rebentos continuam a competir comigo (e dar-me grandes abadas, diga-se já) no capo da giracidade. De modo que estou habituada a mães giras. Compreendo que haja coisas difíceis de combater. O corpo mudou, o tempo para o ginásio escasseia, e por muito se corra a lei da gravidade, os pneuzinhos e as estrias são inimigos invencíveis. Mas podem continuar a ir ao cabeleireiro de vez em quanto, a cobrir a raiz (que isto de usar raiz à mostra do mundo só ficaria bem a uma Shakira loira de raiz escura… e nem mesmo a ela, convenhamos), a usar roupa apropriada para o corpo, a passar um blush ou um rimmel. Caramba, a basiquice do básico.
De modo que não se compreende que uma mamã jovem, e com um marido/companheiro/namorado/amigo colorido medianamente bem-parecido se atreva a usar um modelo de calças que levam a pensar que quem usa ali a fralda é ela e não filho. Muito menos se compreende que se atreva a sair à rua nestes preparos. E muito menos ainda que as calças que escorregam pelo rabo abaixo deixem antever o tristemente célebre cuecão, assim me dando a mim uma terrorífica imagem que me acompanhará em todas as noites de insónia.
Miúda, vê se te compões. Passa na Women’ Secret e compra uma cuequinha nova. Não tem que ser minúscula. Pode até ter cintura subida, ou mesmo uns boxers femininos. Nem toda a gente se sente confortável com um fiozinho a roçar-lhe o rabiosque. Mas, pelo amor da Santa, nada de usar cuecas que parecem ter sido usadas pela avó, tecido e mais tecido em camadas a imitar uma fralda, elásticos a ceder por todos os lados e muitas vezes um ou outro buraco a perfurar qualquer réstia de dignidade que sobeje à mulher com cuecão. Ah, and by the way, aquela cor de casquinha de ovo pode ficar bem na parede da sala, mas em cueca gigante não. Nem essa nem outra.
Não quero exagerar demais o meu tom surpreso ao ver a mãe de família atrelada ao seu cuecão. Não foi de todo a primeira vez que fui submetida a tamanha tortura visual. Quem muda de roupa em balneários públicos já por diversas vezes terá sido vítima de uma tal traumatizante experiência. Eu, pela minha parte, tenho a minha cota de cuecões, soutiens que deixas as ninas quase a bater nos joelhos e outras pérolas que tais. O cuecão ganha de longe este campeonato de mau-gosto. Ver a coleguinha de cacifo a baixa as calças e colocar perante os meus olhos limpos e puros o cuecão é uma visão que me agonia o almoço e me deixa três pensamentos. Primero, o turn off que aquele pobre companheiro sexual não sofre de cada vez que ela se digna a não ter dor de cabeça. O equivalente masculino seria uma de nós ver o tipo a despedir-se deixando antever um slip leopardo. So, I rest my case… Segundo, a humilhação que sinto como membro da espécie feminina perante tal cena lamentável. Terceiro, não deixo de reconhecer o seu importante efeito anticoncepcional (é que depois disto não há homem que consiga estar, digamos, à altura) e nesta época de crise qualquer método alternativo que permita poupar nos métodos contraceptivos comprados na farmácia é uma solução pensável.
Depois disto não me venham a dizer que usar roupa interior bonita e sexy é desejo de mulher oprimida, que é objecto sexual e todas essas coisas que algumas feministas gostam de apregoar para justificar o buço que lhes adorna a cara. Cuecão não é coisa de mulher emancipada. É antes coisa de mulher desleixada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E no 7.º dia Deus criou o iPhone


No início era o verbo. Perdão, era o iPhone.
Esqueçam tudo o que já ouviram acerca da Criação. Os montes e os vales, as avezinhas, Adão e Eva, tudo. Basicamente, a história inteira resume-se ao iPhone.
Eu nem sou dada a gadgets. Rectifico: eu não sou nada dada a gadgets. É com humilhação que reconheço que nunca fiz qualquer tipo de ligação dos aparelhómetros na minha casa. E faço perguntas tão imensamente tontas aos técnicos destas coisas que acabo sempre a conversa fazendo-os prometer que não relatam a ninguém as perguntas que lhes fiz. Basicamente, sou aquilo a que se chama uma ignorante informática, que nunca faz outra coisa com o BlackBerry senão mesmo chamar por telefone. Ah, e ainda não estou certa de saber a diferença entre um Gigabyte e um Megabyte.
Por todos estes motivos eu seria a última pessoa do mundo a converter-me à Iphonia. Chegue até a revirar os olhos um par de vezes perante os relatos extasiados dos iPhonautas, embora confesse ter baixado um pouco a guarda no dia em que um amigo me mostrou a aplicação do ratinho que ronroneia quando lhe mexem na pancinha. Mas depois do encanto momentâneo perante tal maravilha da técnica da Apple, passado um par de horas ali estava eu, firme e hirta na minha convicção de pessoa que só usa o telemóvel para ligar. E ligar a números previamente registados manualmente pelas minhas próprias mãozinhas (já o fato de ter uma agenda telefónica aparece no meu caso como um grande incremente tecnológico).
Mas o meu ateísmo teve pavio curto, e bastou que me acenassem com uma maquineta destas 50 euros mais barata e lá vou eu, a abanar a caudinha para pegar no meu primeiro iPhone.
Qual a sensação? De absorção. Mas ao contrário.
Aqueles primeiros minutos oscilaram entre o êxtase e o sentido de ridículo. Na verdade não sabia de devia dar pulos de alegria com o meu novo amiguinho aos pulinhos na bolsa, ou se me devia esconder por baixo das minhas frágeis convicção de quem se vende por um iPhone.
Agora já sei o que fazer. Vou sentar-me aqui a instalar tantas aplicações quantas estes bichinho aguente.
Tenho o bendito há um par de dias e já nem sei como sobrevivi 3 décadas e meia sem ele. Como raio pude eu algum dia escolher um restaurante que não me tenha sido indicado pelo Appetite? E como pude andar de metro sem saber o horário de cada linha? E saber onde estava sem o meu GPS de localização?
Como poderia eu alguma vez desempenhar bem o meu trabalho quando havia um ou outro minuto em que não estava contactável? Agora, ai que maravilha, posso ler cada e-mail profissional logo que cai na minha caixa de correio e deixo de ter desculpas tontas para não responde imediatamente. Acabaram-se as invocações de que estava de férias ou no hospital. Até a meio do soninho posso agora acordar só para me certificar que o mundo continua de pé mesmo sem a minha vigilância constante.
Mas, o mais importante de tudo, é que o iPhone, como qualquer engenhoca que se preze, colmata qualquer tipo de carência afectiva que uma babe possa ter. Porque nunca há-de aparecer tipo algum que diga que nos ama com tanta sinceridade e com tanto carinho como um entrunfe que faz eco das nossas auto-declarações de amor. Nem que se delicie tanto com os nossos mimos como um gatinho bom que ronronea quando lhe tocamos na barriga pelo touchscreen.
Acabaram as noites sozinhas em casa. A partir de agora vou ter um rectângulozinho com um canto de revistas que nunca pensei em ler, cheio de informações uteis e inúteis e que a todo o momento me mantém ligada a todas as redes sociais existentes no mundo, inclusivamente sites de amizade do Cazaquistão.
Assim, esta noite vou adormecer bem agarradinha ao meu iPhone, e estou certa que ele me vai dar um abracinho também.

sábado, 26 de novembro de 2011

Importa-se de me beijar selvaticamente, mas como amiga?



Ele ligava-lhe religiosamente às 2h da manhã. Religiosamente, não no sentido de que ele lhe ligava todas as noites, mas sim no sentido de que nunca ligava antes dessa hora. E depois desse telefonema não havia muito mais a fazer senão aquilo que as pessoas, em regra, fazem a essa hora. Ele chegava invariavelmente bêbado, com cheiro de outros perfumes e pouca vontade de conversar. As sugestões dela para irem um dia jantar, passear pelas ruas, almoçar à beira-mar, foram sistematicamente ignoradas. Talvez porque qualquer um desses projectos implicasse uma conversa, e se havia coisa que eles não faziam era conversar. Já tinha até dado por ele ao telefone, a discutir assuntos vários - mesmo o que o almoço nesse dia - com uma voz do outro lado da linha, mas nunca conversaram sobre nenhum desses tópicos, ou sobre qualquer outro, diga-se já.
Ele olhou para ela, com um misto de tristeza e lástima, e confidenciou-lhe que só gostava dela como amiga. E ela sentiu-se como um tipo gordo, barbudo, meio-careca, de pêlos no peito e início de cancro na próstata. Porque quando um homem gosta de uma mulher como amiga é isso que ele vê nela: um tipo gordo, barbudo, meio-careca, de pêlos no peito e início de cancro na próstata. E enquanto ele se desculpava (como se houvesse motivo para desculpas) e explicava mil e uma coisas que não têm explicação, ela só pensava que certamente ele teria que ter fantasiado com outra mulher qualquer para conseguir ter com ela qualquer dos encontros mais íntimos que tiveram.
Que queremos nós afinal? Que eles nos amem como sex toys ou nos amem como amigas? Nenhumas destas hipótese ou ambas as duas?
Este dilema existencial demonstra bem o quão difícil que é ser mulher. Porque para um homem esta questão nem se coloca. Basicamente, nunca conheci um tipo que se lamentasse por ser amado pelos seus glúteos ou pelos seus bíceps. Bem sei que este reparo vai ser causador de uma avalanche de comentários a apelidar-me de coisas diversas por ignorar a imensidão dos espécimes masculinos. Reconheço que raciocino com estereótipos, mas a verdade é que a mim nunca nenhum homem me pediu para o apreciar como pessoa pensante, entenda-se, como amigo. É certo que tenho amigos de quem gosto muito, e que em nada os incomoda que eu goste muito deles assim, mas tenho para mim que não se importariam tão-pouco que os gostasse de uma outra forma, mais carnal digamos. Também é certo que já me foi pedido que fossemos “só amigos”, mas como a um tal pedido se seguiu alguma troca de fluidos despoletada pelo próprio considero o requerimento apresentado muito pouco fundamentado.
Bottom line: o destino de um homem é ser boy toy. E eles abraçam esse destino, aceitando-o como uma feliz sina.
Mas dou por mim a pensar que, afinal, não estamos tão distantes assim. Não negando o valor que assumem nas nossas vidas aqueles amigos tremendamente gays, ou tremendamente apaixonados pela respectiva cara-metade, ou aqueles outros a quem somos sexualmente tão indiferentes quanto uma barata, a verdade é que mesmo face a todos estes alimentamos a esperança de ouvir um elogio esteticamente fundado, que mais não seja um “estás mais magra, não estás?”
Ah, como é bom ser apreciada pelas bater das pestanas, pelo humedecer dos lábios e pelo lóbulo da orelha.
O que eu quero é ser amada como um Einstein e como uma Barbie. É usar óculos de fundo de garrafa na cara e meias de liga nas pernas. E ser apreciada pelas duas coisas. Não sei se me deixa mais piursa o tipo que não me olha para o rabo enquanto me pavoneio na frente dele ou o tipo que me olha para o rabo enquanto lhe tento explicar uma complicada teoria.

Por causa de tanta esquisitice minha bem se compreende que não tenha filas de tipos aqui a tocar-me à campainha.
Triiiiimmmmmm!
Sorry…. Campainha.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

E assim acontece


Aqueles de vós que nasceram aproximadamente na mesma época que eu habituaram-se a terminar muitas das vossas conversas com o mítico “E assim acontece”.
Talvez por isso muitos se tenham acomodado à idade que a vida é uma coisa que acontece. Não uma realidade que se decide, se constrói, se faz, mas um amontoado de acontecimentos que vão tendo lugar mais ou menos à revelia do nosso poder de decisão.
Para quê fazer planos? As coisas nunca acontecem como as planeámos.
Para quê tomar comprometer-nos? Depois não podemos cumprir o que ficara decidido, e ainda temos que acarretar com as consequências negativas das decisões que tomámos.
Para quê tomar decisões? Sobre quem decide recai sobre a responsabilidade por ter decidido e acaba por ser chamado a prestar contas… como fazem as pessoas crescidas.
Face a isto, mais vale sentarmo-nos no sofá, ligar a televisão e beber uma bjecas, e deixar que a vida nos vá acontecendo. Assim não nos comprometemos com nada, não somos responsabilizados por decisão alguma que tenhamos tornado, e a vida torna-se bastante mais simples de viver.
Pois é. Não sei é se a estamos a vivê-la ou se deixamos que ela nos viva a nós, como assistentes passivos de um filmes no qual não somos actores, mas público. Ora, não pode existir nada pior do que deixar de sentir as rédeas da vida nas nossas mãos.
Sou frequentemente acusada de intempestiva, precipitada, impaciente. É verdade. Mea culpa. Prefiro tomar uma má decisão (e sabe Deus, Alá ou o que seja, que já tenho a minha quota de decisões erradas e mesmo muito erradas) do que não tomar nenhuma. É-me absolutamente insuportável pensar que a minha vida está a decorrer ali ao meu lado sem que possa participar activamente nela. De modo que digo com orgulho, muito orgulho mesmo, que nenhum dos enormes desaires que foi acontecendo ao longo dos anos se deveu um azar, a um infortúnio, a uma infeliz coincidência. Toda e qualquer asneira que fiz resultou de - péssimas, bem sei – decisões minhas. O reverso da medalha é que não tenho nada nem ninguém a quem culpar. Nem sequer as forças cósmicas, únicas às quais poderia assacar qualquer responsabilidade, afastada que está a existência divina da minha existência terrena.
Dito isto, penso que se compreenda minha impaciência, e alguma censura, face a quem é incapaz de decidir. Bem sei que provavelmente deveria ser mais compreensiva, mesmo paternalista. Quem sabe se não deveria até dar à mão à palmatória e dar por concluído que a sensatez é mais amiga da reflexão do que a precipitação, e que provavelmente esses pobres coitados que pensam e repensar antes de expirar e inspirar tomam decisões bem mais felizes para as suas vidinhas.
Mas eu saltito na cadeira quando a pessoa do outro lado da mesa não se decide se quer o salmão ou o pato. Não resisto a um comentário mordaz face a amigas que experimentam todos os sapatos e não final ficam na dúvida. E, sobretudo, não aguento gente incapaz de assumir um compromisso porque, pura e simplesmente… não sabe se o quer.
Não é o que não o queiram. Caso contrário já teriam saltado do romance há muitas luas atrás. Não é que o queiram. Caso contrário já se teriam ajoelhado e feito o pedido pelo menos na semana passada. É que não sabem. E com isto nem nos agarram de forma suficientemente forte para sejamos incapazes de partir nem tão-pouco nos deixam ir. Assim vivemos numa espécie de limbo existencial. Um purgatório amoroso para aqueles que tiveram a desgraça de se apaixonar com graça por um acontecedor (entenda-se, alguém que deixa as coisas acontecer).
E assim acontece. E quando não acontece deveria ter acontecido. Caso contrário, nunca mais acontecerá.

sábado, 20 de agosto de 2011

Não sou eu, és tu


Não és tu sou eu. Quantas vezes já utilizámos esta deixa? Algures perdida entre a educação, a gentileza – e, porque não confessá-lo, algum paternalismo – vêm-nos imediatamente à boca logo que percebemos que cometemos um grande disparate. É curioso como podemos ser brilhantes naquilo que fazemos para ganhar dinheiro e desastrosos naquilo que fazemos para ganhar amor. Por isso, de quando em vez (adorooooo!!!!!!!) começamos uma coisa que nunca deveríamos ter começado, e criamos - em nós e em alguém – a expectativa de um final feliz que nunca vai acontecer. Quando nos apercebemos do final infeliz que nos espera (e não será que muitas vezes sabemos isso desde o início?), o nosso instinto de sobrevivência, cimentado ao longo de anos de desaires (sim, somos desastres amorosos ambulantes) convoca uma reunião de emergência, e depois de uma introdução amigável lá solta o tal “não és tu, sou eu”.
É quase uma regra de educação e cortesia nas relações de gente de boa formação: aquele que termina a relação assume a culpa da coisa. Bem sabemos que a culpa não morre solteira (para isso já bastou eu), e que nestas coisas de amores e desamores se há duas partes há duas culpas, ainda que em diferente grau e intensidade. Mas apesar das suas fraquezas e incongruências todos o dizemos quando estamos do lado de cá e todos esperamos que seja dito quando estamos do lado de lá.
Imaginemos agora que se inverte o diálogo, que entramos numa 5.ª dimensão, que o mundo se vira ao contrário, e que no momento de terminar uma relação alguém diz: “Não sou eu. És tu.” Não, não me enganei. Ouviram/leram/perceberam bem. “Não sou eu, és tu”.
Esta tirada elegante e cavalheiresca suscita-me tantas reflexões que nem sei bem por onde começar.
Antes de mais, se a relação vai terminar não o deveríamos fazer de modo a não deixar no outro mais mágoa e ressentimento do que aquele que qualquer desfecho causa, sobretudo quando não fomos nós a decretá-lo mas sim a outra parte?
Depois, será a culpa verdadeiramente do outro? Será que ao longo dos anos, meses ou semanas que partilhámos juntos a culpa foi sempre do outro? É que o mero facto da história terminar assim só por si demonstra que estamos perante um alguém tão mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso que nunca a culpa poderia deixar de ser (também) dele/dela. Certamente que se tratará de uma óptima pessoa, cheia de virtudes e qualidades, mas este singelo comportamento deixa antever o tal ser … como direi…Ah, já sei: mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso.
Quando as relações terminam deixam-nos sempre um vazio, um sentimento de perda. Isto vale para aquelas que nos fizeram muito felizes mas também para aquelas outras que nos fizeram muito infelizes. É um dado inexplicável da ciência, porém, mesmo o término de uma relação abusiva deixa em nós a sensação de que nos tiraram a última Coca-Cola do deserto. É preciso que passe tempo, que a ferida sare, que uma amiga (pouco sensata, mas com a distância de quem está de fora) nos diga: “Não perdeste nada nada baby. Livraste-te de boa”. E não digo isto para a animar, como quem dá uma palmadinha nas costas e tenta ver o lado menos mau de uma desgraça monumental. Digo porque verdadeiramente foi uma benesse das forças cósmicas que a alminha tenha decidido terminar a coisa, pois já se vê que nós, hipnotizadas como andávamos com o suposto charme da peça, não víamos um palmo à frente dos olhitos míopes de quem está apaixonado. Foi um golpe de sorte. Uma felicidade. Pois quem se imagina a partilhar a vida e os sonhos com alguém que nos apontasse o dedo à ocorrência de qualquer infortúnio ou desaire? É assim que se comportam as pessoas bem formadas? As pessoas mágicas? As pessoas apaixonáveis (entenda-se, por quem nos podemos apaixonar)?
“Não sou eu, és tu”. Sim, tens razão, sou eu. A culpa é por mim por te ter achado especial um dia.
(O textinho de hoje é para uma amiga especial que continua sem perceber o especial que é)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vera Lúcia Lda., sociedade unipessoal, apresenta falência


Os saldos estão finalmente a terminar. E digo finalmente porque a empresa que se aloja dentro do meu corpo, gerida pelo Tico e pelo Teco, está prestes a apresentar falência. Esta lastimosa situação não se deve a má gestão, não senhora, mas sim a uma conjuntura altamente prejudicial: preços baixos aliados a bens de consumo, absolutamente necessários e absolutamente apetecíveis. Atire a primeira pedra quem nunca esgotou o plafond do cartão de crédito numa tarde de compras!
É certo que para fechar as portas dos meus armários tenho que depositar todo o meu peso do corpo (e quando digo todo, note-se que, falo de um peso pluma… que me caia já um raio em cima se estou a faltar à verdade) na porta, rezando para que não me caia em cima do nariz um vestido ou, pior ainda, um casaco de pêlo bem grosso, que sempre seria capaz de endireitar o arrebitamento do nariz.
Além do mais, o argumento da minha mãe de que eu só tenho um corpo (“e para que precisas tu de tanta roupa? Quantos corpos tens? Bla, bla, bla…) cai por terra quando nos lembramos de que o ano tem 365 dias, de modo que o meu único corpo precisa de ser coberto (nem que seja minimamente) durante dias, e dias, e dias, e dias…já sem contar com as vezes em que tenho que mudar de roupa várias vezes por dia.
E devo ainda acrescentar, em minha defesa, que muitos dos trapos pendurados nos cabides me custaram tanto quanto um almoço no MacDonals. Nasci com o dom de encontrar pechinchas no meio da maior confusão e abençoada com a paciência necessária para fazer peregrinações por dezenas de lojas até encontrar a peça ideal, ao preço ideal. Que isto de auferir um salário com poucos dígitos não permite grande margem de manobra e apela ao espírito criativo. Se para pagar a Gucci teria que me endividar até ao ponto de ser forçada a vender os óvulos, então, a Zara e Mango chegam muito bem. E em dias de celebração (a publicação de um artigo, o elogio de um professor, uma palestra bem-sucedida) sempre podemos celebrar com um pequeno luxo. De modo que a questão está em encontrar mais factores de celebração. Nesta altura do campeonato até a perda de um kilo já me chega para um festejo na casa das peles.
Tudo começou com a mudança para Lisboa. Apesar de não o ter planeado, a verdade é que no caminho de casa para o escritório sou forçada a passar em frente a autênticos antros de perdição para a minha conta bancária. Ora, como não posso mudar nem de casa nem de emprego tenho que viver com isso. Ainda resisti heroicamente durante os primeiros dias, mas na segunda semana decidi hastear a bandeira branca e pedir a rendição às forças demoníacos do consumismo e da vaidade. Que hei-de dizer? Sou uma mulher fácil. Basta que me acenem com uma pequena malinha da Guess e corro mais que o Obikwelo.
Depois veio a viagem a Nova York. Viagem em trabalho, note-se. Mas, novamente de forma totalmente não planeada, eis que chegamos à Grande Maçã em plena época de promoções. Já ouviram falar na Black Friday? Pois é bebé, eu e as meninas em NY no dia do crash dos preços. Quem iria perder a oportunidade de uma botas compradas na 5th Avenue, com 50% de desconto. E o burro sou eu?
Quando já tinha encerrado o plano das despesas sazonais, eis senão quando passo, inteiramente por acaso, numa certa e determinada rua, onde entro, inteiramente por acaso, numa certa e determinada loja e, de novo inteiramente por acaso, me perco no corredor de sapatos (ainda diz a outra que não há coincidências…), e meto os olhos no par de sapatos mais estonteante que alguma vez vira. Pensei logo que se aqueles sapatos fossem férteis queria ter filhos com eles. E pronto, tive que os trazer comigo para casa.
Não sou tonta ao ponto de achar que vivo mais feliz rodeada de tantos enfeites. Mas reconheço que sou suficientemente fútil para, naqueles dias em que acordo com uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça, me sentir melhorzinha ao vestir o casaquinho justo de pele e o chape feito à mão, que por acaso encontrei numa rua de Bruxelas. Ao puxar o fecho para cima e ajustar as flores do chapéu na minha cabeça sinto-me a princesa mais importante do guarda-vestidos.
Reconheço que cheguei a gastar um salário mínimo numa peça de roupa. Mas, caramba, que culpa tenho eu do salário mínimo ser tão baixo?

domingo, 14 de agosto de 2011

Acho que sou como um cão


Às vezes acho que sou um gato. Um gato que vai à caça, de forma lânguida e sorrateira, e depois de brincar com a sua presa tempo suficiente a abandona num canto da sala para se ir espreguiçar no sofá.
Ás vezes acho que sou uma formiguinha, incansavelmente trabalhando férias, feriados e fins-de-semana, rodeada de cigarras a gozar la dolce vita enquanto eu me perco nos meus labirintos subterrâneos.
Às vezes acho que sou um cão. Não um daqueles caniches nervosos e irritantes, nem tão-pouco um majestoso rottweiler. Um vira-lata. Um rafeiro abandonado a quem deste guarida um dia. Durmo aos teus pés. Espero pela tua comida. Abano a cauda ao farejar um mimo. E não vou embora. Nunca me vou embora porque esta é a única casa que conheço.
Os cães vadios andam por aí sem eira nem beira. Dormem no vão das escadas, mordem quando lhes tentamos tocar e todos pensam que são cães raivosos e cheios de doenças. Mas se um dia se apegam a alguém por ali ficam. E por ali esperam.
Sempre achei os cães dotados de uma majestosa lealdade. Há quem prefira os gatos apontando-lhes maior personalidade e independência. Mas na verdade há pouco de glamoroso na deslealdade e na preguiça. Ser sexy é ser fiel. Ficar.
E eu fico. Às vezes nem sei bem porquê. Não é porque não tenho para onde ir porque tenho. Não é porque não saiba o que fazer, porque sei.
Creio que fico porque espero que um dia repares em mim. É bem provável que esse dia nunca chegue. Não penses que essa hipótese está arredada das minhas suposições. Mas nesta cabeça meio-tonta, meio-louca e meio-vazia há espaço para tantas suposições que bem posso esperar também que um dia repares em mim.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fustigue-me, não tenho filhos


Eu sou daquelas que fica de olhos arregalados a olhar para bebés, que mantém longas conversas com putos de 4 anos e que se delicia com qualquer botinha de lã. Já sabem que eu sou uma bomba relógio em potência, pronta para explodir resmas de bebezinhos rechonchudos.
Mas por muito que me delicie com as criancinhas já não me delicio com os pais das ditas, nem com outros adultos competentes que as acompanhem. In other words, eu posso lamber a ponta dos dedos depois de comer um bolo mas não tenho que lamber o pasteleiro.
Cenário 1: fila do pão, longa e pachorrenta, como são as filas do pão num sábado de verão pela manhã quando parece que mais ninguém tem pressa de ir para a praia senão eu. Mas o azar é que o senhor à minha frente temuma criancinha ao colo. Vai daí a senhora do pão parou o atendimento para fazer gracinhas à criaturinha. E o papá, embevecido como todos os papás, agiu como se o seu rebento fosse assim… a 10 576.ª maravilha do mundo. De modo que ali ficámos um bom par de minutos, eu já a saltitar na havaiana, o puto com toneladas de ranhoca a sair-lhe pelo nariz enquanto o pai e a senhora do pão o adoravam como se ele fosse o deus menino. Ora, eu não sou propriamente um rei Herodes, gosto até mais de crianças do que o comum mortal. Mas há momentos para gostar e estar ali a goooooooosssstttttaaarrrr, e outros para uma festinha na cabeça e ala que se faz tarde;
Cenário dois: os amigos que nos visitam com os respectivos rebentos. Que são lindos, sim senhor. Muito espertos, pois então. Como não íamos nós gostar deles se são filhos daqueles amigos que carregamos cá dentro como bocadinhos de nós. Pois é, mas quando as criaturas desatam a correm pela casa, com as mãozinhas pegajosas de milhentos caramelos e porcarias que tal (e mais vá-se lá saber o quê) a tocar em tudo o que é cortinado e sofá, aí, já repenso os longos anos de amizade que tivemos… Cada um é livre de impor as regras na sua casa. Há gente que em nome da veia criativa dos homenzinhos e mulherezinhas do futuro lhes deixam desenhar nas paredes, partir molduras, enfim, pintar a manta. Mas quando vêm à minha toca, aqui, eu sou a rainha da macaca preta. E como não tenho filhos paridos por mim o meu grau de tolerância face a birras e guinchos é menor que o dos papás. É que eles não são carne da minha carne nem sangue do meu sangue. E, convenhamos, há coisas que só se toleram a quem transportámos dentro de nós durante 9 meses, de modo que não podemos esperar que o resto mundo ache uma graça que a criatura faça xixi no meio da sala;
Cenário três: noite linda, gente bonita, musica ambiente, um bom vinho… e no canto o puto que não pára do berrar. Uma pessoa trabalha e trabalha muito. Pois a única noite em que sai… à noite tem um daqueles gritos estridentes a entrar-lhe pelo tubo de Eustáquio. E os papás sem outra reacção que não orgulho, ali pasmados a olhar para o infante como se fosse uma bela ária a sair-lha da boca. É certo que as pessoas com filhos têm tanto direito de desfrutar da noite como eu tenho. Não podem é estragar-nos a noite a todos. Por conseguinte, das duas uma: ou arranjam uma babá, ou quando a criança começa a ter ataques de fúrias abandonam o edífico, just like Elvis.
Sublinho: a culpa não é das criancinhas. Mais digo: deixai vir a mim as criancinhas. Não deixai é vir os paizinhos.
Não há vacas sagradas. O que vale por dizer que se for preciso apontar o dedo a um puto, aponta-se. Quem disse que as crianças são o melhor do mundo nitidamente não conheceu algumas delas. E não me estou só a referir aos pequenos assassinos dos filmes do terror.
Eu não sou a pior pessoa do mundo por nem sempre ter paciência para crianças. Até gosto de bebés muito para além da fase de blastocisto. E se não os tenho não se deve a nenhum decisão pré-ordenada, nem a egoísmos ou outras prioridades, mas sim ao facto de o mundo andar escasso de príncipes encantados dispostos a procriar.
Mas mesmo que não quisesse ter filhos isso não me transformava numa cabra egoísta. Apenas numa pessoa que não queria ter filhos.
Por isso é sempre com algum espanto que noto os olhares indignados quando eu explico que (ainda) não tenho filhos, os olhares de lado quando olho para o lado perante uma mudança de fralda, o tom acusatório quando reviro os olhos às birras. Pronto. Fustiguem-me… não tenho filhos!
PS- quando daqui a uns anos eu andar com uma criancinha agarrada do pescoço, a mostrá-la ao mundo como se ela fosse um misto de Gisele Bündche e de Marie Curie, mostrem-me este texto por favor. É que eu vou ser a pior mamã do mundo: a mais tolerante, mais transigente, mais boba, mais aduladora dos feitos do seu rebento, mais chata a impor ao mundo as gracinhas da criaturinha. Ora, eu não quero ficar embevecida com qualquer cocó da criatura como se nunca antes dela uma criancinha tivesse defecado. Portanto, nessa altura, fustiguem-me também.

sábado, 6 de agosto de 2011

R-E-S-P-E-I-T-O


O mundo ensandeceu. E sei isto porque hoje em dia toda a gente se acha no direito de fazer a aberração mais aberrante que lhe passe pela moleirinha, ainda que caindo em comportamentos grosseiros, ordinários e profundamente desanimadores face à nossa esperança na espécie humana.
Há dias arrastava-me eu pela rua, calçada fora ao fim de um dia de trabalho, falando ao telemóvel para encurtar a distância que me separava do meu sofá, e eis que passa por uma criatura que – pasme-se – passa a sua nojenta mão pelo meu (não nojento) rabiosque. Gostava muito de escrever estas linhas relatando o murro que lhe dei no nariz ou a forma como lhe desfiz os tintins. Mas não, não o posso dizer. Porque o que fiz foi ficar especada ali no meio da calçada, a gritar impropérios ao telefone, como se a alma do outro lado da linha tivesse culpa alguma na minha desgraça semi-porno. Não fui a correr atrás dele, e o tipo também não correu porque demais sabia ele que estava seguro. Eu nunca o iria interpelar, agarrar-lhe no braço, pedir-lhe contas. Esta gentinha que anda por aí a conspurcar a nossa existência sabe que está segura porque passaram a vida a fazer maravilhosas habilidades destas e toda a gente teve demasiado receio ou pudor para os chamar à razão. Ou pura e simplesmente, não se importou. A verdade é que se eu galgasse metros atrás dele e o puxasse pelo braço o mais certo era acabar também eu por sair magoada da história. E, obviamente muitíssimo mal vista pelos meus pares. É que as meninas, ou as senhoras que não sã assim tão meninas, não entram em escândalos, não armam briga, engolem e calam (so to say…). As meninas devem ignorar estes incidentes. Não lhes dar demasiada importância, porque não a merecem. Não criar confusões que as tornem “faladas”. Por isso as meninas engolem em seco muitos sapos. Eu, naquele final do dia, engoli um bem grande. Tão grande que senti necessidade de o contar aqui. Porque sei que a todas vos passou o mesmo. Aquela besta - sem desprimor para as bestas, que algumas até são animais de bem - já o deve ter feito a milhares de mulheres, e se o continua a fazer é porque até hoje nenhuma o presenteou com a tão merecida estalada. Nem eu, reconheço-o. De modo que ele vai continuar feliz na sua vidinha patética de quem não consegue tocar em mulheres de outra forma que não seja sorrateiramente, de forma ardilosa e cobarde. E nem sei se o poderemos censurar. É que nós – nós comunidade e nós mulheres - toleramos estes comportamentos à luz da doutrina do “não me vou rebaixar ao nível deste fulano”. Mas porque nenhum de nós algum dia achou que deveria arregaçar as mangas e fazer alguma coisa, porque os paizinhos da criatura não cumpriram como deve ser o seu inestimável trabalho educacional durante os primeiros anos de vida, agora temos aqui um patético tarado a rastejar entre nós.
Ora eu estou farta. Estou farta de piropos que me querem comer tudo menos a unha dos pés. De convites desapropriados de gentinha desapropriada. De insinuações, más-criações, grosserias.
Eu também tenho dias maus nos quais me apetece descarregar em alguém, seja a pessoa à minha frente na fila no autocarro seja o empregado do bar. Mas respondo sempre com um “obrigada” e um “se faz favor”.
Eu também vejo homens as quais me apetecia passar a mão pelo rabiosque (que me desculpa e minha meia laranja, mas certamente que ele pensa o mesmo face aos rabiosque de muitas meninas) mas não invado a sua esfera de privacidade pessoal.
Eu também comento com as meninas piropos mais ou menos elegantes acerca dos cavalheiros que passam na praia. Mas não me sai pela goela nenhuma proposta menos decente (aliás, nenhuma proposta de todo me sai) em pleno areal, que faça incidir sobre o espécime os olhares do povinho que esteja por aqueles lados.
Ora, eu não sou especialmente bem-educada, respeitadora, graciosa, inteligente ou bem–formada (enfim, por acaso até sou mas agora para o meu argumento convém que não seja) a ponto de apenas eu saber que estas coisas não se fazem. Todos o sabemos. Quase todos o cumprimos. Então, porque raio vamos tolerar que A ou B não o façam? Porque tiveram uma infância difícil? Porque são alminhas torturadas? Porque se divorciaram agora? Porque os paizinhos se divorciaram quando tinha 5 anos e além disso atiraram-lhe o peixinho dourado pela sanita?
Meus amigos, vivemos numa sociedade e como tal não somos livres de passar a mão naquilo que não é nosso, de gritar supostos piropos que não foram pedidos, de responder de forma torta a uma reacção negativa ao nosso incontestável (ou muito contestável) charme.
Desculpem lá, mas estas são regras da casa. Vamos cumpri-las e faze-las cumprir. É tudo uma questão de respeito. Pelos outros, mas por nós próprios também.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Luckily I’m in love for my best friend


Há muitos e bons motivos para se ter uma meia laranja.
Começo desde logo por sublinhar o difícil que é partilhar a vida com alguém. Sobretudo para aqueles que nós que durante grande parte da vida adulta partilharam os dias e as noites consigo mesmo. Ter alguém que de repente ocupa o nosso espaço, ignora os nossos amigos e nos “empurra” para grupos desconhecidos, ou mesmo que simplesmente se atreve a respirar o mesmo ar que nós, tudo isso pode causar um tsunami na pacata vida um solitário empedernido.
Veja-se: não seria bom poder ficar a trabalhar até mais tarde, sem remorsos, preocupações com jantares, ou telefonemas a cobrar atrasos?
Não.
Não seria.
Não é.
Não há liberdade ou desprendimento neste mundo que suplante o que é ter alguém para quem fazer o jantar (ou, no meu caso de cozinheira frustrada, que nos faz o jantar a nós). Alguém que nos liga a perguntar onde estamos. Alguém que nos cobra, nos pergunta, nos procura. Alguém que se preocupa.
Mas esse alguém não pode ser um mero alguém. O mundo está cheio de gajos, “de um tipo qualquer”, de seres humanos vá lá. Desculpa Ben Harper, but there are not so many special people in the world.
Esse alguém tem que ser o nosso melhor amigo.
Isso significa que não está lá só para as partes boas, para as comemorações, para aqueles dias em que tudo corre bem, para os anos em que formos bonitos, atléticos e saudáveis. Está lá também nas partes más. Nos dias escuros. Nos dias em que não temos emprego, nem dinheiro, nem vontade de sair da cama. Nos dias em deixamos de ter boas ideias e passamos simplesmente a idiotas. Porque, basicamente, é isso que os amigos fazem.
É claro que tem que haver mais do que a pura fraternal amizade. Caso contrário partilharíamos todos as nossas vidas com os coleguinhas da 3.º classe. Tem que haver química, faísca, sei lá, aquela coisa que nos arrepia quando tocamos alguém.
Certamente todos já sentimos solavancos físicos com certos géneros humanos, usualmente altos e bem-parecidos, com sorriso trocista e ar ligeiramente pecaminoso (para os cavalheiros a versão seria uma fulana cheia de curvas, rabiosque empinado e beicinho). A nossa parte física - animal diria mesmo – já levou muitas veze a melhor sobre a parte racional. Mas não pode levar a melhor sobre o que o nosso coração nos diz. E o coração gosta de quem nos trata bem, logo, nos faz feliz. O musculozinho cor-de-rosa não gosta de tipos deliciosos à superfície mas repugnantes no fundinho do fundo. Os nossos olhos podem gostar muito do que vêm, mas de que nos serve alguém que quando mais precisamos não está, não sabe estar, nem se importa com isso?
Para alguns de nós a vida será sempre um dilema entre uma paixão avassaladora e um amigo que nos segura na mão e nos canta ao telefone quando estamos tristes. Mas para outros de nós (…) não há escolhas a fazer. Uns porque uns se apaixonam pelo melhor amigo. Outros porque a paixão se tornou no tal melhor amigo.
Hw lucky am I?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Os “ismos”


Os ismos são… como dizer… a pain in the ass.
São humilhantes, malévolos, perigosos, mesquinhos ou, pura e simplesmente, chatos. Basicamente porque os “ismos” exprimem o acto de levar determinada convicção às suas últimas consequências. E as convicções, as ideias, as doutrinas, por mais benéficas que sejam na sua razoabilidade, quase todas se tornam uma aberração quando tocam os extremos. E assim temos o extremismo.
Confesso que não tenho pachorra para comunismos nem fascismos, até porque a história já nos ensinou que nem a esquerda mais radical nem a direita mais ferrenha estão aptas para comandar os destinos do mundo. Bem sei que as ilusões utópicas del Che nos encheram a muitos os sonhos dos 15 anos, mas basta que nos passe pela cabeça emigrar para a Coreia do Norte para que não haja festa do Avante que salve o comunismo. Quanto ao fascismo, enfim, aqui nem sequer encontro uma parte menos terrível capaz de nos encher sonhos ou ilusões. Não posso ter saudades dos tempos salazaristas porque não os conheci, mas face àquilo que li e ouvi, face aos pequeninos Hitlers e Mussolinis deste mundinho, o fascismo não me desperta nem a mais breve das paixões. Mais ainda: o massacre de uma besta (que os doidinhos estão nos manicómios e pelo menos há uma aqui deste lado do PC, mas quem mata são as bestas), onde o fascismo se aliou ao racismo, ao nazismo e a uma espécie de catolicismo onde poucos católicos se revêem, faz-nos pensar que o terrorismo é um acto de imensa cobardia, praticado por miseráveis infelizes, que precisam de matar e causar dor para poder ser um bocadinho felizes. Há que lastimá-los, porque odiá-los será dar-lhes importância a mais.
O racismo é próprio de gentinha com complexo de inferioridade, que gosta de apontar o dedo a quem é mais escuro ou mais claro, usa turbante ou kimono, porque morre de medo de descobrir que não é melhor do que os outros, mas que bem pode suceder que esses outros sejam bem melhores do que ele.
Nem o socialismo colhe a minha simpatia. É sabido que sou predominantemente de direita (não haverá por aí um direitismo ao qual criticar?), e - com custo o digo, porque gostava de não ter de o dizer - apesar de tudo o capitalismo sempre atrai o consumismo que há em mim, igualmente perigoso, pelo menos quando a conta bancária não advém de um desses novo-riquismos que tanto circulam por aí.
O machismo irrita-me sobejamente, até porque em regra anda associado a um sexismo no qual não me revejo. Mas não pensem que o feminismo tem melhor sorte. De feminista só mesmo a ideia que quero ser tratada exactamente da mesma forma tendo eu pipi ou pilinha. Mas não me venham com supostas opressões, nem assédios onde não existem, nem teorias da conspiração, que eu já dei para esse peditório e fiquei convencida que o referido “ismo” também não é a minha praia (vai daí, lembrei-me agora de um “ismo” de que gosto, o nudismo).
O paludismo dá dor de cabeça e faz vomitar. O vaginismo (parece que) dói. O estrabismo força-me a usar óculos. O daltonismo faz com que um homem bonito nos vá buscar para jantar com uma meia vermelha e outra cor-de-rosa. O alcoolismo faz-nos vomitar os sapatos e dizer coisas tontas (e livrem-se de pegar o carro com este “ismo”). O altruísmo faz-nos sentir a todos nós, que não fomos possuídos por ele, criaturas mesquinhas. O racionalismo esquece os prazeres do coração. O vandalismo irrita-me porque eu, se quero partir coisas, atiro pratos no chão da sala ao invés de destruir o que não me pertence. O tabagismo torna os beijos na boca em beijinhos numa beata de 5 dias.
Em suma, enquanto não inventarem um sapatismo, ou um chicolatismo ou um praismo, mantenho-me na minha: os “ismos” são, essencialmente, uma treta.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O regresso da menina do sapatinho de cristal


Era para ser uma ausência de dias. Depois passou a semanas. E finalmente passaram-se meses. A Cinderela desapareceu tão misteriosamente quanto aparecera. E eu sentia a falta dela.
Mas o melhor de tudo foi sentir como tanta gente lhe sentira também a falta, quase num sentir conjunto, como um coro de saudade ou um cardume de sentimentos.
Descobri a Cinderela há um par de anos atrás, quando um garboso e aparente cavaleiro andante me partiu o coração. E perdida naquele vazio que só os corações partidos conhecem senti necessidade de gritar bem alto tudo o que ia cá dentro. Foi assim que apareceu o primeiro post, escrito num blog que nem meu era, onde amigas gentis e compassivas (além do mais, fãs de sapatinhos) me permitiram expressar os medos e as frustrações de quem ainda não tinha encontrado o lugar no mundo.
O primeiro texto publicado trouxe-me uma paz que há muito não sentia. O desabafo escondido entre vírgulas e palavras suavizou-me a amargura daqueles primeiros tempos. Mas o que me trouxe de regresso ao mundo dos vivos foram sobretudo as vozes que apareceram do outro lado do ecrã. O feed-back. Os mails. Os comentários. Nem todos foram compassivos ou sequer cordiais. Mas mesmo os comentários críticos e mordazes me deram serenidade e me fizeram sentir ouvida. Afinal, não é necessário meter uma bomba num edifico público nem matar um rol de gente para que o mundo nos ouça. Basta escrever palavras e enfiar a mensagem numa garrafa por esse mar da internet. Garanto-vos: alguém vos há-de ouvir.
Ao longo destes anos foram-se juntando a mim dezenas de cinderelianos que me escreveram os mais incríveis mails, nem todos eles publicados, em função de algum pudor, não para comigo (quem se expõe publicamente não pode ter pudores desses) mas para com aqueles que me contavam os cantos mais recantados das suas almas.
E a partir desses mails muitas histórias foram contadas. Lamento desiludir-vos, mas nem todos os relatos da vida desta Cinderela são histórias da sua própria vida. Muitos são relatos ouvidos no metro, no vestiário do ginásio ou na fila do check in. Episódios ocorridos com a prima da tia da avó da amiga de uma amiga. Excertos de vidas de tanta gente maravilhosa que todos os dias faz da minha vida uma coisa um bocadinho mais maravilhosa. Linhas tiradas desses mails que recebo, e que mantenho secretos, quase como se fossem contados em confissão.
E creio que a ideia final é esta: não estamos sozinhos no mundo. As nossas amarguras são partilhadas por outros tantos, deste e daquele lado do Atlântico. As minhas alegrias, tristezas, inseguranças, são afinal as de todos. Se algum de nós pensa que é so fucking special tire daí a ideia: somos todos especiais, à nossa maneira e feitio, mas todos afinal tão iguais naquilo que nos vai na alma.
É certo que esta Cinderela reúne algumas particularidades que escapam ao comum mortal: é desgraciosa e desgraçada, mas sempre cheia de graça; anda mais perdida e desraizada do que os demais, mas talvez porque tenha raízes a mais; tudo o que possível de acontecer a um ser humano lhe acontece a ela, dando azo a relatos que oscilam entre o drama e a comédia. Um misto de Barbie e de nerd, que tropeça em público com a mesma elegância com luta por um par de sapatos em pela época de saldos. Mas, what a hell, can a girl be just a simple girl?
Estes últimos meses foram passados entre aeroportos e aviões, teses e exames, comboios e noites de 4 horas de sono. A cruzada ainda não chegou ao fim. Mas a minha sanidade mental obrigou-me a ir buscar a Cinderelazinha escondida dentro do sapatinho, como último recurso para me manter à tona nestes dias turbulentos.
Agradeço-vos do fundo do meus aurículos e dos meus ventrículos o facto de não se terem esquecido de mim. Porque no fundo todos queremos ser imortais, ainda que seja num pequeno e desconhecido blog da internet.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A conta por favor. Quero pagar o jantar e a miúda


Será que quando aceitamos um convite para jantar no contexto de um suposto date, é suposto que esse suposto cavalheiro pague as despesas da noite? Não as supostas, mas efectivas, entenda-se.
Esta tem sido uma discussão reincidente entre mim e o meu grupo de amigos e amigas.
Ora, para não variar, a doutrina divide-se.
Um amigo meu chamou-me retrógrada, feminista de meia haste, e outros epítetos que tal. E eu dou-lhe meia razão. Não nos epítetos, claro está, mas na justificação subjacente. O argumento dele é que não se pode exigir só a igualdade que nos convém e rejeitar a outra. E eu assino por baixo.
Demorámos muitos anos para ter os mesmos empregos, os mesmos salários, a mesma liberdade sexual. Não podemos deitar tudo a perder por causa da conta de um jantar. E a isto ainda acrescento outra linha argumentativa: será que quando o tipo paga o jantar pensa que também nos está a pagar a nós? Será que os 50 ou 60 euros de entradas, vinho, prato e sobremesa, são uma espécie de fundo de garantia de naquela noite não vai para casa de mãos a abanar… so to say?
Admito que este é um receio que já me tem passado pela cabeça no momento em que o empregado aparece com a máquina multibanco. Se eu o deixar pagar corro o risco de na sua cabeça este meu comportamento funcionar como promessa de uma noite bem passada, mas num sentido diferente daquele que eu tenho em vista?
Porém, escrevi demasiado sobre a igualdade de género para me dar ao luxo de poder fazer afirmações mais provocatórias. E por isso vou fazer uma dessas agora, que mais não seja para animar as hostes: não me choca nada, pelo contrário até acho desejável, que a igualdade de género não impere em todos os domínios da vida.
E assim entramos de rompante na teoria do outro sector doutrinal a este respeito: de facto, no âmbito de um date, o homem deve pagar.
A sedução é um jogo estranho, de gato e rato por assim dizer. Nesse estranho jogo espero – uma legítima expectativa – que vou ser seduzida. E eu, tão liberal em tantas outras coisas, acabo por ser tremendamente conservadora nestas, e gosto de sair com cavalheiros que me vão buscar a casa, me abrem a porta do carro, me deixam caminhar do lado do passeio, pagam a conta e me ajudam a vestir o casaco no final.
Feministas deste mundo, desculpai se vos desiludo, mas eu acho que lutámos para isto mesmo: para cada uma de nós poder viver a vida como bem entende. E no meu manual de instruções aparece esta regra: homem que esteja interessado em mim tem que me mimar.
Não tem dinheiro? Não me importo de comer um McChicken.
Não está para estas coisas? Há muitas mulheres por aí.
No final dá o dinheiro por mal empregue porque vai sozinho para casa? Isto não é uma troca de serviços, é uma demonstração de gentileza.
Claro está que se a noite correr bem e continuarmos a peregrinação dos jantares, e daí transitarmos para os fins-de-semana e para as férias, não estou à espera que a alminha continue a suportar financeiramente o romance. Em bom rigor, depois daquela primeira, noite já não espero nada. Depois depende da conta bancária de cada um e da sua forma de estar na vida. Faço até muito gosto em pagar muitos cafés, muitos jantares, muitas viagens. Após o tiro de partida devemo-nos ir revezando nesta corrida sob pena de um se tornar um peso morto para o outro. Mas… as impressões é que contam certo?
Escuso de dizer que esta regra não se aplica a amigos. Porque esses já nos estão no coração, já não precisam de nos impressionar, de nos ganhar. Por isso podem dar-se ao luxo de nos pedir boleia sempre que queiram, de viver dos jantares e das farras que lhes pagamos, até de vomitar na nossa frente. No fundo, quase se denota aqui uma injustiça: é que os amigos já têm de forma gratuita aquilo que os potenciais namorados demoram muito tempo a ter. Por outro lado, talvez não seja tão injusto assim porque os potenciais namorados terão coisas de nós que os meros amigos nem sequer suspeitam. De modo que vislumbro aqui um equilibro quase cósmico.
E agora a pergunta fatal: repeti o date com algum quase-cavalheiro que tenha ficado aquém da expectativa?
Não. Dou por mais bem empregue o meu dinheiro se pegar num amigo meu e o convidar para jantar.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Mil e uma razões para não me casar contigo


Guys, o príncipe William lixou-vos e bem. Basicamente, estragou-vos toda e qualquer desculpa possível para adiar um casamento que se apresenta como mais que anunciado.
Senão, raciocinem comigo: se o herdeiro à coroa britânica, instituição de larga tradição tem um rasgo de paixão, e depois de uma atribulada relação de anos decide sentar a seu lado uma plebeia, não será que se esvaziam assim todas as eventuais desculpas que alguém pode dar para não se casar?
Comemos por concordar que a vida do príncipe herdeiro deve ser – ou melhor, é – desgraçada. Não lhe invejo a riqueza, as mordomias ou os privilégios. Uma vida em que qualquer suspiro é ouvido na outra parte do mundo, em que não pode coçar os tintins sem que o resto do planeta saiba imediatamente, não pode escolher o profissão, nem onde morar nem com quem casar, essa não seria vida para mim.
Pois bem. Se um tipo que vive debaixo de tais constrições manda tudo às urtigas para se casar com uma mulher que ama, mesmo não tendo título nem dote, que dizer dos mil milhões de desculpas que todos os dias se ouvem para fugir à aliança no dedo?
Amo-te, mas não tenho um emprego estável.
Amo-te, mas não preciso de melhorar a minha situação económica.
Amo-te, mas tenho que me divorciar primeiro.
Amo-te, mas os meus filhos não aceitariam que eu me casasse.
Amo-te, mas um dia destes posso ter que ir trabalhar para o outro lado mundo.
Amo-te, mas não sei consigo dormir todas as noites acompanhado.
Amo-te, mas acho que não consigo prescindir de todas as outras mulheres que andam por aí.
Face ao exemplo do príncipe, todos aqueles que queimaram dias, meses, anos, a protelar um casamento não têm agora outro remédio senão reconhecer: Não te amo. Não me caso contigo porque não te amo. Só por isso. Fiz-te perder estes anos todos porque tinha medo de ficar sozinho e não encontrei ninguém por quem me apaixonasse. Não porque te ame a ti.
Não existe obrigação alguma de casar. Não é um papel que vai fazer a diferença na relação. Ou melhor, se alguma diferença faz será para pior certamente, porque a pressão do “até que a morte nos separe” pode matar muitas histórias de amor. Rectifico. Pode matar muitas pseudo-histórias de amor. Porque aquelas que são de verdade resistem a muita coisa: doenças, vulcões, tornados e, obviamente, vínculos matrimonias.
As pessoas são livres de nunca se casarem. Se essa for uma escolha a dois, livre e esclarecida, nada a apontar. Podem não se querer casar por miríades de razões, e todas elas certamente legítimas, sob pena de nos erguermos em juiz das razões de um e de outro. Mas têm que invocar que razões são essas. Não podem é esconder-se atrás de falsas desculpas para esconder aquela que é, em última instância, a razão suprema: não gosto de ti o suficiente para assumir um compromisso que nos una até que a morte nos separe ou até que um advogado me consigo um bom acordo de divórcio.
O príncipe tinha todas as razões e mais algumas para não casar com a Kate, mas ponderou que nunca delas era suficiente para a perder. Porquê? Porque gostava dela. E supostamente quando as pessoas gostam uma da outra comprometem-se para vida.
Este post não é uma apologia ao casamento. Longe disso. O abrupto número de divórcios a que se assiste hoje em dia (e que nem preciso de ir procurar em qualquer estatística do INE, basta-me olhar para aqueles que me rodeiam), acrescido do imenso desgaste e sofrimento que implica para todas as partes envolvidas, faz-me ter cada vez mais certeza de que o casamento deve ficar reservado apenas àquelas pessoas que efectivamente se ama. E note-se que nem aí é garantia segura que as coisas irão correr bem, pois o ser humano ama e desama com a mesma facilidade com que expira e inspira.
A vida a dois é uma coisa muito complicada. A vida a dois com uma aliança no dedo e uma promessa de “estou contigo” na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, é uma coisa ainda mais complicada, pois a pressão de saber que é para sempre pode bem fazer com que esse tal “para sempre” termine mais depressa. Se tudo isto é tão complicado e desafiante, deve-se partir para esta batalha armado e unhas e dentes, que é como quem diz, cheio de amor, paixão, respeito, cumplicidade, carinho, cheio de tudo. Quem só quer estar, passar um tempo, dormir acompanhado, ter alguém a quem apresentar aos pais, fugir à etiqueta de “encalhado”, responder à pressão social, enfim, quem não ama, não deve casar. Deve simplesmente ir ficando e ver o tempo passar. De modo que esta reflexão não é uma apologia ao casamento. Mas é um repúdio das mentiras, das falsas desculpas e da cobardia. É um apontar de dedo a todos o que não tem tomates para dizer: Não caso porque não gosto de ti.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS DE CARINHO


Não tenho a mínima intenção de limpar as vísceras do meu “significant other” com a língua em locais públicos.
Assim como não baixo as calcinhas para fazer xixi no meio do bar nem aproveito o momento em que estou estendida na toalha, em plena praia, para palitar as fissuras dentárias, não faço questão que me lambuzem ou me toquem mais intimamente quando exista assistência por perto. Mais. Confesso até que fico incomodada quando sou forçada a presenciar esses episódios XXX ao mesmo tempo que bebo o meu Delta ou danço no meio da pista. Mas já confirmei que sou antiquada, logo… gimmy a break.
Isto que ficou dito acima é uma coisa.
Coisa diferente é a total proibição de manifestações de carinho em público.
Aquele beijinho tão rápido como um choque eléctrico, as mãos dadas ao andar (convenhamos…. nem sempre, mas por vezes), um abraço quando faz falta….? Porque não?
É ofensivo? É-o tanto quanto passar a mão pelo cabelo, porque em boa verdade é do mais natural que há. O ser humano foi feito para viver em comunidade, seja na sociedade de milhares seja no “couple” da cumplicidade a dois. Se não me coíbo de coçar aquela comichãozinha na ponta do nariz, porque me hei-de inibir de passar a mão pelo cabelo dele?
É embaraçoso? Apenas para quem é inseguro, em si mesmo ou no que toca à vida em conjunto. Se é verdade que não faz sentido publicitar por megafone que se está com alguém (e não temos todas amigas que gostam de nos gritar ao ouvido cada nova conquista???), também é certo que quando ele procura esconder o acontecimento do mundo lá fora é porque na verdade nada aconteceu senão no país da fantasia que reina nas nossas cabecinhas românticas.
Vai tornar-se alvo das piadas dos amigos? Nesse caso aconselho a procurar novos amigos, que preferencialmente já tenham saído da adolescência e das infindáveis horas sozinhos na casa de banho com a mão amiga que nunca os deixa mal.
Pela minha vida já passou de tudo, desde o namorado meloso que não me larga o pescoço (xooooo, chega para lá miúdo!) até ao namorado com problemas afectivos, não sei se por falta de carinho em terna idade (e sabe tão bem culpar os pais de tudo, não é?) ou porque é, simplesmente, néscio. Mas o que eu gosto é do in between, que me deixa respirar sem sufoco mas que está pronto para me sufocar ao mais leve olhar meu.
Quem se vira para mim no meio de rua e me diz, com a maior cara de pau (como sou uma senhora, não lhe posso chamar outra coisa), que se sente desconfortável com manifestações de carinho em público, e retira abruptamente a sua grande mão (sempre… gosto de homens grandes) da minha mão pequenina, merece só uma coisa. Só uma. Uma boneca insuflável. Que não lhe dê a mão, nem lhe pergunte se está triste, nem o arraste para compras, nem lhe apresente amigas chatas, em suma… que não o incomode. Na falta de boneca, ou caso se sintam desmotivadas pelo preço das ditas, aconselho uma alga. As algas fazem o mesmo efeito. E ocupam menos espaço. Em qualquer das hipótyeses, será certamente menos embaraçoso e incomodativo para eles passar na rua com a boneca ou a alga. Asseguro que nenhum delas lhe agarrará na mão.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Quanto custa este espermatozóide?


Noticia do jornal: a Maternidade Alfredo da Costa (vulgo, MAV) tenciona vender esperma.
Vá lá, podia ser pior. Podia querer vender quadros do menino da lágrima ou jarras com flores de plástico. Mas a verdade é que o povo ficou louco com a questão.
Pergunta: o que há de tão grave em vender esperma? Em vender partes, elementos ou fluidos do corpo, que sejam regeneráveis e cuja ausência não me cause dano (e com isto afasto logo à partida potenciais vendas de rins)?
Afinal, todos os dias vendo a minha capacidade intelectual, que, em bom rigor, deveria ser mais prezada com um lagartinho com cauda a agitar. As modelos – aquelas miúdas escanzeladas com olhar de veado assustado, que enchem as páginas das revistas e as passerelles deste mundo – vendem a sua imagem, os seus quilos, as suas curvas. O Cristiano vende a sua aptidão física ao clube que pagar mais e os abdominais à marca de roupa que pagar mais ainda.
Bottom line: não andamos todos, a todo o momento, a vender alguma coisa?
Porque é que vender partes do corpo (nas condições referidas, claro está) suscita tanta celeuma?
É a instrumentalização da pessoa? Não consigo pensar em gentinha mais instrumentalizada do que as tais modelos, os tais futebolistas, os tais outros que como eu vendem neurónios em troca de um carro ou de uma casa.
Dificuldade acrescida do caso: o que a mim me irritou solenemente na decisão da MAC é aquilo que não foi dito, ou foi erradamente dito. A versão contada aos jornais é que os tais 350 euros que se pretende cobrar pelo esperma é o preço que a MAC paga pelo dito ao banco ao qual o “compra”, sendo que a aplicação da técnica em si seria inteiramente grátis. Ora, isto a mim causa-me estranheza. Antes de mais, porque não há almoços grátis, nem técnicas que não sejam pagas. Depois, porque não sou propriamente perita em esperma (esta afirmação daria pano para mangas!) mas, tanto quanto sei, a coisa sai barata. Ou seja, parece que o produto em si está neste caso a ser pago a “preço de amigo”, mas na versão contrária. E assim caímos no contra-senso de ser mais caro recorrer à reprodução com esperma de dador no Serviço Nacional de Saúde do que no sector privado. São as idiossincrasias do paizinho que temos.
Pequena pedra no sapato que acresce a este problema: o esperma vem de Espanha. Nuestros hermanos são tão espertos que agora nos querem colonizar de outra forma, mais subtil mas também mais eficaz e penetrante (o que é uma bela escolha de palavras). Depois do domínio dos Filipes eis que chega o domínio dos espermatozóides. Felizmente logo alguns cidadãos preocupado com o orgulho nacional se chegaram à frente e foi ver nos sites onde a notícia vinha publicada ofertas e mais ofertas do bom homem tuga a disponibilizar-se para fazer a doação. In vivo, obviamente. Afinal, o macho lusitano não perde uma oportunidade de dar uma queca ou de se voluntariar para uma.
Mas deixem-me regressar de novo ao ponto da questão: será que o esperma se pode comprar e vender? E os óvulos? E o sangue?
Será que se eu doar material biológico por puro espírito de ablegação pessoal mereço palminhas, ma se o fizer para pagar a prestação da casa já sou uma vil interesseira? O dinheiro conspurca tudo? É que assim talvez eu devesse trabalhar de borla. Todos nós na verdade. Pagávamos as mercearias com beijinhos e os impostos com abracinhos. E em vez de caixas de ATM teríamos bancas de beijos esquina sim, esquina não. Toda uma economia baseada no sentimento. Bolsas de valores de festinhas e cafunés. Ai que felizes que seriamos! Posso garantir que os portugueses, carinhosos como são, seriam a primeira economia do mundo e não haveria FMI que metesse cá os pés. Enfim, só se fosse para uma festinha na cabeça…
Entre as muitas coisas maravilhosas que nos ficaram do catolicismo está este dogma de que o dinheiro é uma coisa feia e má, que só deve existir dentro do Vaticano e da sua opulenta riqueza. Já nós, comuns mortais, devemos viver de forma espartana. Felizmente a minha herança judaica permite-me afastar sentimentos de culpa cada vez que me dedico a uma orgia de compras. Senão seria uma alma torturada já vos digo.
Para acalmar as consciências sempre podemos dizer que a quantia paga visa compensar os incómodos sofridos pelo dador. No caso das mulheres – atendendo a que se trata de um processo doloroso e aos perigos a que se sujeitam com a recolha dos ovócitos, que em última instância e em casos raros pode até conduzir à morte – este argumento tem alguma valia. Mas no caso dos homens é mais difícil explicar a história da compensação pelos incómodos. Não os vejo consternados depois de uma sessão solitária na casa de banho com uma Gina ou coisa do tipo (não sei ao certo o que por aí circula), nem tenho notícia que algum deles tenha batido a bota enquanto batia outra coisa qualquer, a não ser que o senhor tivesse 99 anos e antes tenha tomado um Viagra.
Por isso sugiro que se chamem as coisas pelos nomes: não é uma compensação pelo incómodo, ou melhor, não é apenas disso que se trata, mas sim de um pagamento pelo produto.
No mundo tudo se compra e tudo se venda. O amor pode ser última vaca sagrada que temos, e mesmo aí nem sei se o Beatles teriam razão. You can’t buy my love. But you can buy my sperm.