quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Fica bem. Mas não bem assim.
Embora sejamos todos pessoas diferentes, ainda assim creio que é possível traçar um itinerário emocional pelo qual todos passemos exactamente nos mesmos momentos. Algumas de nós podemos suprimir ou um outro estádio, trocar-lhes a ordem (primeiro a revolta e depois a saudade, ou vice-versa) ou sentir as coisas ou bocadinho mais acima ou um bocadinho mais abaixo. Mas de um modo geral o percurso é este:
- “Não acredito que isto aconteceu!” – a surpresa. Porque mesmo já se sabe que vai acontecer… é sempre uma surpresa quando acontece.
- “Como é que este filho da puta se atreve a fazer-me isto?” – a revolta. O desespero mistura-se com a raiva, e mesmo com o ódio e a repulsa. Presentes são destruídos e inexplicavelmente muita coisa aprece partida lá em casa.
- “A culpa foi minha. Não fui suficientemente boa” – a autodestruição. A minimização da pessoa fantástica que somos e a sobrevalorização de um tipo que nos partiu o coração.
- “Não acredito que isto me aconteceu a mim” – a auto-comiseração. Dias em casa a chorar, 5kg a menos. O mundo, tal como o conhecemos, acabou ali.
Mas eis que a Fénix renasce das cinzas. Pode ser um convite para jantar, o ombro de uma amiga, um novo projecto profissional, ou até um vestido que experimentámos e nos fica especialmente bem. Os mortos não voltam à vida, mas as pessoas de coração despedaçado sim.
Partindo do pressuposto que somos pessoas mentalmente equilibradas e que os eles e as elas, apesar de não se terem portado no seu melhor, são ainda assim pessoas medianamente decentes, eventualmente acabamos a desejar-lhes uma boa vida. Não lhe queremos mal, que morra infeliz, doente e sozinho, na miséria, com dor de dentes e diarreia. Não. Afinal, aquela pessoa fez parte da nossa vida, fez-nos feliz durante esse período, de modo que lhe desejamos prosperidade, amor e saúde.
Mas… não tanta felicidade quanto a que nos calhe a nós. Apesar de tudo temos que ser nós os mais bonitos, os mais magros, os mais bem-sucedidos, os que temos os filhos mas bonitos, os mais desejados. Especialmente, temos que ser nós os mais amados.
Racionalmente sabemos que sua felicidade actual não significa necessariamente uma infelicidade passada ao nosso lado. Muito menos que tal se deva a alguma coisa que o presente someone tem e que nós, o past someone, não tínhamos. Mas aquilo que o cérebro sabe muitas vezes não chega para nos apaziguar, e continuamos a atormentar-mo-nos com a ideia de que não fomos o suficientemente. Simplesmente, não fomos o suficiente.
Isto já nada a ver com as réstias de sentimento que permanecem – porque permanecem sempre, ainda que de forma diferente do quando éramos um “nós” – nem com supostas paixões que permaneçam. É antes uma espécie de tola competição para ver quem sobrevive melhor, quem encontra o maior amor, quem sai por cima. Como se nestas coisas de amores e desamores houvesse vencedores e vencidos.
Será que isto nos torna pessoas mesquinhas e pequeninas? Talvez. Mas somos humanos, e os seres humanos são, entre outras coisas, mesquinhos e pequeninos. Além disso, os nossos desejos não são despojados de alguma grandeza. Não lhe desejamos mal, não nutrimos ressentimento, não o caluniamos, recordamos os momentos juntos com carinhos. Mas se há coisa de que não conseguimos abrir mão é do sentimento que nós somos melhores e merecemos melhor.
De modo que estou em crer que a verdadeira epifania… talvez não seja exactamente isso, de modo que vou reformular: a verdadeira afirmação de nós mesmos como a pessoa que desejaríamos ser acontecerá no dia em que desejemos a esse alguém o mesmo, ou mais até, do que aquilo que queremos para nós.
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