sábado, 26 de novembro de 2011

Importa-se de me beijar selvaticamente, mas como amiga?



Ele ligava-lhe religiosamente às 2h da manhã. Religiosamente, não no sentido de que ele lhe ligava todas as noites, mas sim no sentido de que nunca ligava antes dessa hora. E depois desse telefonema não havia muito mais a fazer senão aquilo que as pessoas, em regra, fazem a essa hora. Ele chegava invariavelmente bêbado, com cheiro de outros perfumes e pouca vontade de conversar. As sugestões dela para irem um dia jantar, passear pelas ruas, almoçar à beira-mar, foram sistematicamente ignoradas. Talvez porque qualquer um desses projectos implicasse uma conversa, e se havia coisa que eles não faziam era conversar. Já tinha até dado por ele ao telefone, a discutir assuntos vários - mesmo o que o almoço nesse dia - com uma voz do outro lado da linha, mas nunca conversaram sobre nenhum desses tópicos, ou sobre qualquer outro, diga-se já.
Ele olhou para ela, com um misto de tristeza e lástima, e confidenciou-lhe que só gostava dela como amiga. E ela sentiu-se como um tipo gordo, barbudo, meio-careca, de pêlos no peito e início de cancro na próstata. Porque quando um homem gosta de uma mulher como amiga é isso que ele vê nela: um tipo gordo, barbudo, meio-careca, de pêlos no peito e início de cancro na próstata. E enquanto ele se desculpava (como se houvesse motivo para desculpas) e explicava mil e uma coisas que não têm explicação, ela só pensava que certamente ele teria que ter fantasiado com outra mulher qualquer para conseguir ter com ela qualquer dos encontros mais íntimos que tiveram.
Que queremos nós afinal? Que eles nos amem como sex toys ou nos amem como amigas? Nenhumas destas hipótese ou ambas as duas?
Este dilema existencial demonstra bem o quão difícil que é ser mulher. Porque para um homem esta questão nem se coloca. Basicamente, nunca conheci um tipo que se lamentasse por ser amado pelos seus glúteos ou pelos seus bíceps. Bem sei que este reparo vai ser causador de uma avalanche de comentários a apelidar-me de coisas diversas por ignorar a imensidão dos espécimes masculinos. Reconheço que raciocino com estereótipos, mas a verdade é que a mim nunca nenhum homem me pediu para o apreciar como pessoa pensante, entenda-se, como amigo. É certo que tenho amigos de quem gosto muito, e que em nada os incomoda que eu goste muito deles assim, mas tenho para mim que não se importariam tão-pouco que os gostasse de uma outra forma, mais carnal digamos. Também é certo que já me foi pedido que fossemos “só amigos”, mas como a um tal pedido se seguiu alguma troca de fluidos despoletada pelo próprio considero o requerimento apresentado muito pouco fundamentado.
Bottom line: o destino de um homem é ser boy toy. E eles abraçam esse destino, aceitando-o como uma feliz sina.
Mas dou por mim a pensar que, afinal, não estamos tão distantes assim. Não negando o valor que assumem nas nossas vidas aqueles amigos tremendamente gays, ou tremendamente apaixonados pela respectiva cara-metade, ou aqueles outros a quem somos sexualmente tão indiferentes quanto uma barata, a verdade é que mesmo face a todos estes alimentamos a esperança de ouvir um elogio esteticamente fundado, que mais não seja um “estás mais magra, não estás?”
Ah, como é bom ser apreciada pelas bater das pestanas, pelo humedecer dos lábios e pelo lóbulo da orelha.
O que eu quero é ser amada como um Einstein e como uma Barbie. É usar óculos de fundo de garrafa na cara e meias de liga nas pernas. E ser apreciada pelas duas coisas. Não sei se me deixa mais piursa o tipo que não me olha para o rabo enquanto me pavoneio na frente dele ou o tipo que me olha para o rabo enquanto lhe tento explicar uma complicada teoria.

Por causa de tanta esquisitice minha bem se compreende que não tenha filas de tipos aqui a tocar-me à campainha.
Triiiiimmmmmm!
Sorry…. Campainha.

2 comentários: