sábado, 31 de dezembro de 2011

As tartarugas também crescem


As tartarugas também crescem. Li há dias no jornal que é preocupante a situação das tartarugas que são compradas como mascotes de poucos centímetros e que acabam abandonadas porque os donos descobriam entretanto que a carapaçazinha se transformara numa carapaçazona de 50cm para a qual já não á aquário que chegue.
Isto pôs-me a pensar nessa ingénua crença humana de que as coisas perfeitas vão continuar perfeitas para sempre. Em boa verdade o que temos aqui são duas crenças, qual delas a mais ingénua. Primeiro, a de que existem coisas perfeitas. Segundo, a de que essas supostas perfeições se manterão ad eternum. Uma vez que sobre a primeira já divaguei que chegue para encher um manual de instruções vou debruçar-me sobre a segunda.
Não sei se fruto de um perpétua infantilidade ou de uma idiotice profunda, o certo é que o ser humano tende a acreditar piamente que para certos efeitos o tempo deixa de correr. Há quem compre um telefone porque é a última geração de telefones (como se estivessem à beira da extinção) sem pensar que dali a um dia e meio já vão ser o equivalente ao pai do mais novo telefone no terreno, e passado outro meio dia passará para a categoria de avô. Há quem arranje um namorado daqueles de capa de revista, com six pack à frente, rabiosque empinado atrás, 2 metros de homem cor de mel, sem sequer lhe passar pela cabeça que dali a uma década o Rodolfo Valentino vai estar meio careca e de dublo queixo.
Ora, quando isto acontece, e as pessoas se apercebem que a sua obra perfeita deixou de ser perfeita e acabou ultrapassada por perfeições mais perfeitas, a tendência é procurar um substituto.
Assim, os donos das tartarugas compram outra tartaruga ainda mais bebé, e se porventura descobrirem que os piolhos já se tornaram também mascotes eis que esta parece uma boa solução, porque os piolhos, porque muito que cresçam, nunca chegam aos tais 50cm, sob pena de termos seres mutantes a devorar a raça humana.
O dono do gadget deita para o lixo aquele velhinho telefone que de repente se tornou tão lento e tão desprovido de estilo, ou então ofereço-o a uma tia-avó da época da outra senhora, e que gosta de coisas da época da outra senhora. E logo se dirige a uma Appelstore em busca de um telefone que lhe indique a previsão meteorológica para todos os continentes, onde possa ver televisão e saber da bolsa e, se possível, lhe faça massagens nos ombros.
A dona do coração do to tal tipo alto e de muitíssimo bom aspecto, caracóis de anjo e sorriso de diabo, começa a sentir-se, primeiro incomodada e depois enojada, com os quilos a mais do dito, com as rugas que lhe começam a surgir no canto dos olhos, com a pança que o faz tombar para a frente. De repente ele já não parece tão alto, nem tão sedutor, nem sequer tão inteligente. A senhora começa a olhar pelo canto do olho para o rapazinho que todas as 6.º feiras encontra no ginásio, e pensa no bom que seria dormir aninhada nele em vez de ser obrigada a chegar-se para o cantinho da cama só para que o seu pé não toque no pé daquele homem de meia-idade que tem lá em casa.
Esta fixação com a perfeição, com último grito da moda, com os sapatos mais in, a amiga mais cool, o carro mais potente, a bebida mais diurética, é talvez qualquer coisa de intrínseco à espécie humana. Certamente haverá até alguma explicação freudiana para isso. Mas eu, que não sou Freud nenhum, não deixo de pasmar de cada vez que me deparo com esta ilusão naif do mais alto, do mais forte, do mais veloz e do mais bonito. Quantas vezes não foi também esta a minha ilusão….
Uma tola crença na infinidade, na intemporalidade, na utopia. Que não tem razão de ser se pensarmos que as tartarugas também crescem.

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