segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
O país está a afundar. Mulheres e crianças primeiro
É oficial. O país está a afundar. Tal qual um transatlântico (mas daqueles pobrezinhos) embate num iceberg, também Portugalzinho embateu numa coisa, uma coisa que nem sabemos bem de onde nos chegou, nem como nem quando, mas que resulta de anos e anos de má gestão, corrupção, ganância, e todas as coisas más que infelizmente o povo português também tem.
Não foi coisa de um Governo. Sobretudo, não foi coisa do actual Governo, que mal teve tempo de aquecer o rabo nos assentos do poder. Mas nem sequer do anterior, que por deprimente e vergonhoso que tenha sido não consegue sozinho levar 10 milhões à ruina. Nem só do anterior. Nem apenas do outro antes. Foi sim uma amálgama de muitos governos, de muitos Primeiros, de muitos ministros, de muitos Ruis Pedros Soares, de muitos Paulos Penedos, de muita gente pequenina que por aí anda e na qual nós, grande parte de nós, foi suficientemente estúpido para votar e suficientemente fraco para não meter atrás das grades.
Mas vou desconsiderar por momentos de onde veio a crise para em vez disso ponderar para onde vai ela, e com ela todos nós. Ou seja, como é gerida e enfrentada.
Ora, para além de muitas tecnicidades económicas, políticas e financeiras para as quais não me sinto acreditada para comentar - até porque em todos os jornais e telejornais aparece gente mais sabedora do que eu a lançar a sua posta de pescada, desde economistas a politicólogos, passando pela oposição que, como sempre, discorda - a nota que eu retive do pensamento do nosso Primeiro é que a solução está em fazer as malinhas e sair.
De modo que vendam as casas (claro que não as podem vender porque como os actuais empréstimos bancários não há quem as compre) ou arrendem-nas (ou talvez não, já que na melhor das hipóteses o regime do arrendamento ainda vos vai ter que fazer esperar por 5 meses de rendas em atraso antes que os oportunistas que vivem disso sejam forçados a sair da vossa casinha e ir enganar outro), empacotem os bens (os que restaram) e ala que se faz tarde.
Ora, não é a primeira vez que o nosso Primeiro sugere a emigração como solução de todos os males. Os seus defensores mais acérrimos dizem-me que tal proposta demonstra lucidez e honestidade, o que faz dele um grande Homem. Vai daí, eu que até sou de direita, decidi transformar-me em politicóloga de bancada (pelos vistos hoje qualquer um o pode ser) e fazer alguns considerandos.
Considerando sobre a lucidez: a sagacidade política do nosso primeiro desperta-me dúvidas várias porque a verdade é que se todos montarmos arraiais do outro lado do mundo quem é que fica aqui na Parvolândia a pagar impostos e a sustentar a dívida? Mais, se todos formos embora quem resta para reconstruir o país? Os velhos e os mancos? É que não se espere que nos lançamos na aventura de construir uma nova vida fora daqui para cair no esforço inglório de depois de conseguirmos uma casa decente, um carro simpático e um emprego bem pago deixamos tudo isto pelo chamamento da Pátria. O país vai ficar mais pobre de recursos humanos, de bons cérebros, de mão-de-obra altamente qualificada que sairá para não mais regressar.
Considerando sobre a honestidade: também me foi dito que todos sabemos que esta é a única saída, e que o Primeiro seria mentiroso se nos desse falsas esperanças. Bem, não seria a primeira vez que apregoaria as tais falsas esperanças. Afinal, não foi propriamente honesto quando hasteou a bandeira do limite do sacrifício para ganhar eleições, mas agora que se sentou o trono esqueceu o tal limite. É claro que não lhe é permitido, muito menos exigido, que minta. Mas é-lhe permitido, e mesmo exigido, que nos incentive, que nos anime. Sim, o Primeiro-ministro tem que ser um treinador. Não pode ser a velha amarga e pessimista que incentiva a desistir e a baixar os braços. Tem que ser o Mourinho deste jogo.
Outro argumento muito caro a quem lhe perdoa estes infelizes discursos apela a uma ideia que sempre tenho defendido: o Estado deve ser menos, deve deixar de intervir na economia e remeter para os privados a resolução de muitas questões, cabendo-lhe apenas ser o regulamentador e fiscalizador. Para ser congruente com esta ideia de economia liberal diríamos que nós, os que temos empregos, não temos qualquer obrigação de sustentar os outros, os que não têm empregos. Logo, aqueles que o não têm arranjem-nos, aqui ou ali, ou mesmo acolá. Mas porquê é que eles não têm e eu tenho? Serei eu porventura mais inteligente, mais competente ou mais diligente que todos aqueles que neste momento não têm salário? Provavelmente serei mais inteligente, competente e diligente do que muitos deles, mas não de todos. Seria de muita presunção minha pensar que isto que tenho se deve unicamente ao meu mérito e que todos os outros são um bando de idiotas e preguiçosos. Há muito de sorte, de infelicidade e de cunha na divisão empregado/desempragado, de modo que onde eles estão agora posso estar eu amanhã. Tão-pouco percebo que o Estado se demita da função de olhar por aqueles que neste momento não têm nada, como se este fosse um problema da sociedade civil, mas depois nos peça a nós, a tal sociedade civil, que paguemos a dívida que ele, o Estado, angariou. Porque a dívida não é do meu vizinho de baixo, desempregado, com 3 filhos e sem seguro de saúde. A dívida é do senhor Estado. E se o senhor Estado não ajuda o meu vizinho, pois eu não quero ajudar o senhor Estado. Não quero pagar impostos como se vivesse na Dinamarca e ver os meus compatriotas a viver como num país de 3.º mundo.
Dito isto devo dizer que a ideia de sair daqui a mim me seduz muito. Já se sabe que eu sou um saltimbanco genético, sempre à espera do próximo voo. Mas eu sou uma privilegiada. Não tenho filhos nem outras amarras neste país para além dos meus papás, que de mim já não esperam muito neste campo. Sou mão-de-obra altamente qualificada, de modo que não me seria terrivelmente complicado encontrar emprego. Falo várias línguas. Vivi vários anos fora. Não tenho encargos económicos que aqui fiquem pendentes. Posso sair quando me der na realíssima gana. Apenas me prende um emprego que me satisfaz plenamente, a consciência de que vivo uma vida que é, apesar de tudo, bastante confortável, e os ditos papás. Mas se eu tivessem filhos, uma casa para pagar, familiares idosos ou doentes que dependessem de mim, a escolaridade básica, e um enorme temor pelo desconhecido que nunca pensei sequer em conhecer… que faria? Será que me seria exigível sair daqui nestas condições?
Este nosso Titanic está a afundar e como de costume não há botes suficientes. Em boa verdade creio que aqueles de nós que sabem nadar se devem atirar ao mar bravio e fazer pela vida num outro barco qualquer. Mas eu posso dizer isto porque não votaram em mim para Primeiro. Porque se tivessem votado teria mais cuidado antes de vos pedir que se atirassem borda fora.
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