terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ponto de açúcar


Não sei se alguém aqui é versado em culinária. Eu, de todo, não sou. Mas tenho algumas ideias de algumas coisas que aprendi a ler alguns livros, e que aprendi melhor ainda com alguns desastres de cozinha. Uma delas é esta: pontos de açúcar não são coisa simples de fazer.
Não pode ferver de menos ou fica uma caldela líquida com um bocado de açúcar no fundo do tacho. Não pode ferver de mais ou acabamos com uma pasta castanha e peganhenta em mãos, tipo sola de sapato agarrada ao tacho. Bottom line: é tudo uma questão de equilibro.
Correndo o risco de recorrer a uma comparação corriqueira vou dizer o óbvio: as relações são como um ponto de açúcar e também elas precisam desse equilíbrio perfeito, o qual varia de uns para outros.
Creio que grande parte de nós parte do seguinte principio: as relações começam bem e terminal mal. De modo que se não estão bem agora tudo o que pode acontecer é piorarem ainda mais e descerem numa desesperante espiral.
Este é o dogma. E devidamente fundado em factos da vida real, diga-se já. Porque a verdade é que grande parte das relações que conheço, e nas quais estive envolvida até, começou como um conto de fadas e acabou como um filme do Freddy Krueger.
De início tudo é simples, todos os defeitos são suportáveis e como ainda não estamos suficientemente à vontade esforçámo-nos para esconder as nossas próprias falhas e contemo-nos até à unha do pé para baixar o nível de exigências. Mas passados uns meses o verniz estala tal qual o verniz de uma unha pintada há mais do que uma semana. De repente aquele barulho que o outro faz enquanto come batatas fritas torna-se ensurdecer, as suas pequenas manias são demasiado irritantes para ficarmos calados, já não estamos para aturar saídas com amigos nos sábados à noite nem projectos de férias a solo. Entretanto deixámo-nos engordar, não pomos os pés no ginásio há décadas e os serões são passados a comer bolachas. Cada vez estamos mais rezingonas/rezingões e até já nos damos ao luxo de opinar sobre a família dele, e (como nos atrevemos?), sobre os amigos dele, o que é praticamente um crime de lesa pátria.
O desfecho? Adeus, foi bom enquanto durou. Ou melhor, foi bom ao início e mau no fim.
O contra-dogma: há relações que evoluem exactamente ao contrário. Isto é, começam, como uma brincadeira de uma noite, amigos de almofada que se juntam para you know what e que dão por si num clima de Romeu e Julieta de fazer apaixonar as pedras da calçada. Outras começam para criar ciúmes a ex’s e ex-ex’s, uma coisa encenada e forçada, e de repente acordam um dia apaixonadas e felizes. Outras vezes a coisa começa como uma autêntica guerra, em que cada uma das partes quer exactamente aquilo que a outra não quer, as discussões sucedem-se todos os dias… até ao dia em que não discutem mais.
Tudo isto acontece também na vida real. Este último cenário é, para mim, o mais bizarro, mas atesto que a coisa se dá exactamente como a descrevo.
A coisa passa-se como conto. Logo após o brevíssimo período de lua-de-mel o drama instala-se. Tudo é motivo de discussão, desde o lixo que ficou em casa até um jantar de aniversário. Chega a um ponto que não percebemos porque estamos sequer juntos tal é o abismo que nos separa. Claro que cada discussão mais aguerrida traz consigo novas promessas de mudança, mas a verdade e que é muito difícil mudar porque nenhuma das partes tem razão ou deixa de ter, simplesmente, não foram feitos um para o outro. De modo que parece que a única forma de a coisa correr bem seria mudando a pessoa que cada um ou, uma alternativa mais simples e fazível, fazer a trouxa e ir cada um à sua vida.
Depois um dia tudo muda. Um dia banal. Nenhum deles esteve às portas da morte e viu a luz, e que eu saiba tão-pouco se deu a visita do anjo Gabriel. Ou seja, nada de extraordinário aconteceu. Ou melhor, uma coisa extraordinária aconteceu, mas sem que exista algum extraordinário evento para a explicar. É como se alguém estivesse a mexer este tacho e tivesse subitamente encontrado o nosso ponto de açúcar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Se bem me lembro


Há dias encontrei uma amiga de longa data, com quem não estava há um par de anos, e foi um fartote de rir, e quase de chorar, aos reviver os nossos bons velhos tempos juntas.
“E naquele dia que tu gritaste com o empregado de mesa?”
“Ahhhhhh. O tipo esqueceu-se de trazer a minha cerveja.”
“Recordas-te que tinhas a tua carteira em cima de uma cadeira e não deixavas ninguém sentar-se?”
“Pois é, ainda discuti com a tipa da mesa ao lado”
“Lembro-me perfeitamente que tínhamos ido à praia, e até me recordo da roupa que usava nessa noite”.
“Eu também. Tinhas aquelas tuas sandálias cor-de-rosa”.
“O corpete rosa e a mini-saia branca”, gritámos as duas em uníssono.
Pois é, a memória feminina é uma coisa espantosa. Podemos sentir alguma dificuldade em recordarmo-nos de coisas relacionadas com impostos, clubes de futebol da 3.º divisão ou multas para pagar, mas nunca esquecemos as informações verdadeiramente importantes, desde logo as roupas que usámos, as roupas que qualquer outra pessoa usou na nossa frente, aquilo que dissemos e aquilo que nos foi dito, especialmente no que toca à cara-metade.
Vão dizer que o caso não tem nada de extraordinário, porque em boa verdade estávamos a recordar episódios que não tinham mais que 3 ou 4 anos. Mas posso-vos garantir que se daqui a 40 anos nos encontramos e formos duas velhinhas de joelhos a tremer continuaremos a recordar-nos deles com a mesma vivacidade e detalhe que agora.
A questão é esta: uma mulher não esquece. Pode até dizer que sim, que esqueceu, que perdoou. E não é que esteja a mentir. Simplesmente, defrontamo-nos com uma incapacidade inata para esquecer coisas.
Esta é uma habilidade que por vezes disfarçamos, sobretudo para não cair no ridículo. E dizemos qualquer coisa vaga sobre determinado acontecimento, procurando passar despercebidas. Mas eis que há sempre um tolinho que desafia o poder da nossa memória. “Olha lá, tens a certeza que foi assim que a coisa se passou?”. Nesse momento abre-se a caixa de Pandora e sai-nos pela boca um chorrilho de minuciosos detalhes sobre o evento em causa. “Claro que tenho. Eu nesse dia usava umas calças pretas que comprei em Madrid e tu estavas com o teu casaco azul e botas castanhas. Tínhamos ido almoçar àquele restaurante que fechou depois em 2010, no dia 5 de Janeiro de 2010, e eu tinha pedido o bacalhau, mas veio demasiado seco….”. E pronto, começa a saga.
No meu caso consigo descrever ao pormenor todas as roupas que usei em cada momento da minha vida. Relato com todos os pontos e virgulas as conversas que tive, e o que cada pessoa me disse, inclusivamente fazendo as caras que expressam as expressões faciais de cada um dos interlocutores. Consigo especialmente relatar conversas com a minha cara-metade, e sei exactamente em que dia e em que condições ele prometer fazer alguma, ou não fazer certa coisa, ou fazer como se não fizesse certa outra coisa, enfim, aquelas coisas que os namorados nos costumam prometer.
Aliás, se há informação que fica registada na nossa memória é precisamente as promessas que o Ele nos fez, desde anéis de brilhantes até ferias em Paris, passando pela promessa de nunca mais se esquecer do nome dos nossos amigos. E, sobretudo…. Atentem bem neste particular meninos, nunca nos esquecemos das vossas gafes. De modo que se depois de uma noite de copos – quer da nossa quer da vossa parte - têm o azar de comentar que a vizinha de cima tem um decote muito giro (note-se que estou a ser meiguinha nas palavras) podem ter como certo que o assunto vai vir à baila em todas as futuras discussões e que provavelmente dali a um par de meses estão a mudar de casa. Não interessa o quão bêbedas, perdão, ébrias, estejamos, continuamos a registar tudo com a mesma minucia.
Memória de elefante? Isso é pra meninos. Impressionante é a memória feminina.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O casamento que eu não tive


Passei os últimos 10 anos da minha vida sob o peso da funesta pergunta. “Então, quando é que te casas?”. As minhas respostas, ou as minhas não-respostas (que é como quem diz, os meus silêncios) eram geralmente recebidos com um misto de desaprovação e de pena, ou um paternalista abanar de cabeça, sem prejuízo de um ou outro me ter sussurrado que eu é que sabia viver a vida.
Não sei se sabia. Não sei se sei. Até porque em boa verdade a minha solteirice deve-se em parte a uma certa aversão ao tema, em parte à impossibilidade de convencer alguém que me leve ao altar. De modo que não posso chamar para mim toda a glória neste assunto.
O mais curioso é que metade dos ditos 10 anos estive totalmente desacompanhada, o que tornava a pergunta mais mais ridícula. É que perguntar a isto a casais de namorados juntos há 2 ou 3 anos é uma coisa. Perguntar a uma miúda cujo record até ao momento era de ano e meio de lua-de-mel é outra.
Assim fui eu sendo incansável dama de honor, de braços caídos juntos ao corpo mal o bouquet era atirado aos céus, lágrima ao canto do olho quando a noiva entra na Igreja, convidada individual nas cerimónias, a tia pouco convencional de não sei quantos putos.
Hoje dou por mim ainda por casar mas (re)acompanhada por uma data de gente que casou e descasou (alguns casaram e descaram segunda vez) e hoje estão de novo solteiros. O casamento chegou ao fim, o amor chegou ao fim, e ficamos sem saber o que chegou ao fim primeiro. E não me refiro apenas àquelas uniões que desde o copo de água estavam condenadas a terminar em tribunal. Também terminaram aqueles casamentos que eram os meus role models, onde tudo parecia perfeito. Ah, e se eu acreditava com todas as forças do meu ser que aqueles dois iam ficar juntinhos até ser velhinhos com mantas pelos joelhos….
Assim, no espaço de poucos meses os meus vários grupos de amigos foi assolado por uma série de feias rupturas, divórcios mais ou menos crispados e, como não podia deixar de ser, muita dor e ressentimento.
A dar-me razão, certo?
Seria de esperar que pelo menos uma parte de mim olhasse para estas catástrofes amorosas como confirmações de boa parte das escolhas que fiz para mim. Vêm? Por isso não me casei? Agora não tenho que me divorciar. Não preciso de mudar de casa, de dividir pertences, de mudar o estado civil no Facebook e no BI. Convenhamos, posso não ter tido um casamento de vestido branco e anjos a cantar, mas também não tive um divórcio feio e com roupa suja a sair-lhe pelas entranhas.
Mas não. Bem pelo contrário. Eu, que gosto tanto de ter razão, desta vez engulo a minha vitória moral com muita angústia. Porque estas rupturas marcam também a destruição de uma convicção que me é muito cara: a de que as pessoas devem apaixonar-se e amar-se o resto da minha. Estes tipos eram até ao momento a prova viva de que esta minha convicção era realizável, e agora mandam tudo às urtigas porque não conseguem aguentar a pila dentro das calças ou porque um dia acordaram a pensar que gostam mais de comer carne do que peixe, ou porque passado 10 anos acham que preferem ser só amigos. Pois bem, se esta gente desiste, então, nada mais resta para o meu mundo de histórias de encantar. Ou seja, depois de ver desacreditados o Pai Natal e a Fada dos dentes, agora é o amor eterno que dá um trambolhão nos valores que me norteiam.
De modo que preciso de um par de alguéns que esteja feliz, que ande de mão dada, que queira ter bebés, que entrecruze os braços para beber um copo de champanhe, em suma, que faça todas aquelas coisas patéticas que as pessoas apaixonadas fazem. Preciso de uma história de amor antes que me torne descrente. É que aquele casamento a que me poupei de bem pouco me serve. Porque eu ainda o quero ter algum dia, e se vocês não o têm e não o querem ter ou não o conseguem ter aquele casamento que eu não tive torna-se no casamento que eu nunca terei.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Momentos na vida de uma Barbie



Descobri que o talk-show da Tyra Banks passa logo pela manhã no canal das meninas. Ainda para mais fiz esta descoberta genial no dia em que ela nos ensinava como encontrar o homem perfeito. Imperdível!
De modo que, enquanto me enchia de pão (integral) com compota e leite (de soja) com chocolate tentava ao mesmo tempo decifrar os misteriosos enigmas da mente masculina. Era o pequeno-almoço perfeito: euzinha, a Tyra e autênticas lições de vida.
De repente engoli de um trago... ups!!! A conferência. Entusiasmada como estava com a hipótese do homem/príncipe/não-sapo nem dei conta de como o tempo passara depressa e dei por mim atrassadérrima (acho estes “érrimos” à tia do mais chique que há) para uma conferencia onde, vá-se lá saber porquê, participava eu com a minha palestrazinha sobre um desses temas comezinhos e consensuais de que tanto gosto de falar: comunicação social (ui!), segredo de justiça (ui, ui!) e escutas telefónicas (agora faltam-me “uis”). Caramba, que raio de dilema: desligar a televisão e ficar sem saber como encontrar o meu príncipe ou, em contrapartida, mentalizar-me intelectualmente para falar perante um auditório inteiro sobre um tema que estudava afincadamente desde há semanas. A muito custo desliguei a TV e pus-me a caminho, argumentando e contra-argumentando comigo própria sobre as várias questões de que tencionava falar. E como se isto não bastasse, chego lá e dizem-me que afinal, além do vasto auditório, me espera um público maior, porque afinal contam comigo para uma entrevista na televisão nacional. “Sobre?” , perguntei eu, na vã expectativa que o tema fossem sapatos, malas ou sobremesas de dietas, tópicos nos quais sou versadíssima: “Segredo de justiça”, dizem-me, como se a reposta fosse óbvia. Mas porque é que nunca ninguém me pediu para dar uma conferência sobre um daqueles assuntos? Será que não há quem se interesse por eles?... Hum….
É muito difícil para uma mulher ser uma Barbie nos dias de hoje. Eu bem quero dar asas à futilidade e preocupar-me apenas com coisinhas pequeninas e leves. Mas não, caem-me sempre em cima estas questões contundentes, densas, e algumas terrivelmente entediantes.
Convenhamos: não há nenhuma lei que me proíba de saber ler, escrever e contar até 10 (e umas coisinhitas mais) e, ao mesmo tempo, ser coquette, gostar de tolices, de dizer alarvidades intelectuais e de tardes de compras, cheias de tops brilhantes e calças justas. Onde é que está escrito que toda a mulher com cérebro activo é forçada a vestir-se como a avó? O que eu quero é as roupas da Madonna (no seus dias mais castos, se é que isso existe).
Fosse eu uma daquelas meninas que nas discotecas fazem publicidade a bebidas de cores estranhas e já nem ninguém estanharia os meus devaneios de Barbie. Mas como tive o azar de nascer com dois dedos de testa e parece-me que estou fadada a tratar de coisas sérias, a ser circunspecta, a ter conversas austeras, e a assumir sempre comportamentos dignos de tal. Ora, eu só quero ser eu.
E por muito interessante que me pareça o segredo de justiça, e documentários sobre a ex-União Soviética, e debates políticos na SIC, e filmes franceses com histórias que ninguém entende e onde tudo se passa a 10km à hora, a verdade é que, ao fim do dia, só já tenho cabeça para fast food intelectual. Dêem-me uma sitcom que não me faça pensar ou um show sobre bisbilhotices da vida das celebridades. Quero programas de moda e comédias com teenagers. Passe-me a Elle e a Vogue, que, apesar de tudo, sempre me pareceram leitura mais elevada do que a Maria. Enfim, deixem-me ser uma Barbie, nem que seja por um bocadinho.
Passar o Domingo no Museu, ou a debater filosofia existencialista, será certamente muito estimulante. Divertido, arrisco mesmo. Mas depois de uma semana inteira a dar o melhor de mim numa profissão intelectualmente extenuante, e mais ainda, a discutir coisas que passam ao lado do comum dos mortais, eu só quero mesmo vestir a micro-mini-saia e sair para dançar, ou deitar-me no sofá a ver na TV os filmes lamechas de Domingo à tarde. Arrisco até a dizer que sou bem capaz de engolir uma novela, desde que tenha uns tipos jeitosos.
Uma Barbie? Sim. E…? Alguém perde o sono com isso? Bem me basta a mim perder o sono esta noite por ter ficado sem as preciosas lições que toda a mulher deve saber sobre como encontrar o homem ideal.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Ama-me ou faço greve


Quando os nossos pais fizeram o 25 de Abril queriam liberdade.
A liberdade de falar, pensar, sonhar. Entre outras coisas também a liberdade de fazer greve. Mas certamente não pensaram que se chegaria ao paradoxo do direito de greve se tornar uma ditadura para todos aqueles que não querem fazer greve.
Basicamente a sociedade está refém das greves, porque mesmo quem não pactua com esta “filosofia” (e estou a ser altamente generosa com a designação escolhida) é forçada a fazê-lo involuntariamente por força da pressão das circunstâncias.
Hoje em dia toda a gente faz greve: os operários, os homens do lixo, os professores, os médicos. Até o dinheiro faz greve para entrar na minha conta bancária. Ah, e claro os senhores da CP e da TAP.
Ora, eu estou longe de ser inimiga das liberdades. Se há direitos que não estão ser cumpridos urge reivindica-los. Mas, e eis aqui o busílis da questão (há séculos que tinha o “busílis” na ponta da tecla) é preciso que os haja. Que haja direitos. Que haja bom senso. Que haja respeito.
Fácil é concluir que muitas das greves dos supostos oprimidos de hoje são, basicamente, birras. Birrinhas de meninos mimados porque não têm o que querem. Mas o problema é que não podem efectivamente ter aquilo que querem, seja por lhes está vedado por imposição legal seja porque as circunstâncias concretas assim o ditam. Mas como querer é poder, e poder é fazer greve, pois eles querem na mesma e greveam até conseguirem o que querem. Assim como um puto berra a plenos pulmões quando não lhe dão a chucha.
E pelos vistos a coisa funciona porque eles continuam a fazer greve. Se a greve não fosse uma boa arma de ataque certamente já teriam desistido da ideia e fariam uma coisa diferente, tipo… trabalhar talvez. Mas não. Como funciona. Como o mundo continua a girar ao sabor dos seus caprichos, lá continuamos nós sem comboios nem aviões.
Se não os podes vencer junta-te a eles, certo? Porque hei-de eu acordar cedinho para ir trabalhar quando posso ficar de braços cruzados? A pergunta parece-me demasiado tonta para me dignar a responde-la. De modo que como não tive subsídio de Natal o melhor é boicotar o trabalho deste mês, ainda que estejamos em época de exames. É claro que assim muitos alunos muitos alunos não poderão terminar os seus estudos do semestre mas… who cares?
Também descobri que entra o ar gelado deste Inverno pelas frestas da minha janela da sala, de modo que vou fazer greve ao pagamento da renda de casa.
O pior é que terei mesmo que ficar em casa ao frio. É que como o preço dos transportes aumentou, e o combustível também, decidi fazer greve às saídas de casa. De modo que fico em casa ao frio.
Mas não me atrevo a ficar doente. É que depois do Estado ficar para si com boa parte do meu vencimento de funcionária pública, de pagar impostos para isto e mais aquilo, e de pagar para a segurança social dos advogados, a Segurança Social teve a altíssima lata de me pedir a minha contribuição. E o mais caricato da história é que, apesar disto tudo, não tenho médico de família, de modo que adicionalmente ainda pago um seguro de saúde. Mas, como o seguro não cobre tudo nem me atrevo a ficar doente. E assim faço greve a vírus, bactérias, e tudo o que de financeiramente desastroso possa acontecer à minha saúde. Face a isto, posso fazer greve a este país de faz de conta?
Em suma, em casa fechada, gelada, e em grande esforço para não ficar doente. É sozinha, ainda para mais. É que como a minha meia-laranja não me ofereceu uma aliança de casamento decidi fazer greve sentimental.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Na guerra e nos saldos vale tudo


Abriu a época de saldos. Comecem as hostilidades!
Esqueçam a Primavera e os passarinhos, o Natal e as boas acções. Não há dias mais felizes e cintilantes do que os dias de saldos.
Eu sou, basicamente, uma compradora. Ora, existem dois tipos de compradoras. As que têm dinheiro suficiente para o fazer onde querem e quando querem, e que olham para os saldos com o mesmo desprezo que a mim me invade quando vejo um prato de courato. Os saldos são coisa do povo, de quem conta os tostões até ao finalzinho do mês, viaja em low cost e paga as coisas a crédito. Dizem elas. Depois há as compradoras como eu, que vivem miseravelmente infelizes por ter salários demasiado baratos para os gostos que têm. A elas, a mim, a nós, restam-nos os saldos.
Nem sempre é uma questão de “não ter dinheiro para”. Caramba, a Parfois até tem brincos de 3 euros. É aquela sedutora ideia de comprar abaixo do preço. Para quê pagar mais quando se pode pagar menos? Não sou propriamente versada em economia e finanças, mas tenho para mim que pagar metade é melhor que pagar o preço na íntegra. E isto aplica-se seja a sapatos de 300 euros seja a brincos de 3 euros.
Uma amiga disse-me um dia que não percebia como é que eu aguentava as multidões, a roupa em monte, as filas para pagar, enfim, o pacote todo que vem com os saldos. Provavelmente ela não compreende isso porque se pode dar ao luxo de gastar todo o dinheiro da sua conta. É que de onde aquele veio mais virá. Já eu, para além de não me poder dar a esse luxo, acredito que tão-pouco o faria se pudesse. Talvez seja a minha costela judaica que me faz gostar tanto desta estranha loucura de esperar até que o preço baixe ao nível dos meus calcanhares.
Agora, uma coisa é certa: é preciso ter estomago para ir saldar. Não é coisa para qualquer flor delicada. Aqui onde me vêm está uma fera sedenta de sangue escondida debaixo do ar angelical que normalmente carrego comigo. Lembrem-se: até a velhinha de olhar cândido se tornará numa temível assassina caso desconfie que estamos atrás do mesmo cardigan de malha. De modo que deixem a piedade para trás. Não há regras de cortesia, nem sequer lealdades. Posso até deixar aquele homem lindo para a minha melhor amiga que se embeiçou por ele. Mas esse par de sapatos que tenho na mão não deixo para ela nem morta. Amigos, amigos, compras à parte.
Outra boa dica para quem está pouco experienciada em saldos diz respeito à bagagem que levam convosco. Nada de sapatos altos e aprestados, roupa que custe a vestir e a despir, casados grossos que tenham que carregar nas mãos. Less is more e há que ser minimalista, até na companhia. Grandes cortejos de amigas só servem para perder tempo com as coisas pelas quais cada uma se encanta. Além disso pode ainda fomentar uma guerra mortal caso os encantamentos coincidam. Sobretudo, nada de namorados a não ser que tenham um daqueles in between que aprecia pormenores das bainhas e novas cores de sombra de olhos (nota de rodapé: este namorado não é um problema para os saldos mas, está bem de ver, é em si mesmo um problema) todos os demais se tornam uma borbulha no nosso rabo. Suspiram alto, reviram os olhos, implicam, começam a sentir fomes, arrepios e calores. A única coisa para que servem é para nos segurar a mala e as pilhas de roupa que vamos escolhendo das prateleiras antes de experimentar. Para isso admito que até mesmo namorados avessos a compras e desprovidos de bom gosto dão algum (mediano) jeito. Eu própria já me queixei numa loja pelo factos de todas as demais compradoras terem as suas respectivas caras-metade a segurar-lhes isto, aquilo e o outro, e eu, miúda emancipada e sem anexos emocionais, tive que carregar tudo com as minhas próprias mãozinhas delicadas, o que me fez perder imenso tempo naquela tarde de compras. Por isso achei por bem reclamar à gerente da loja, fazendo-a ver que empilhar assim a roupa sem sequer fornecer cestos ou sacos onde meter o espólio da baralha era discriminatório para com as mulheres sozinhas. Curiosamente, ainda não encontrei loja que explorasse esta lacuna de mercado e alugasse à entrada namorados fictícios para meia hora de acomodamento, carregamento e marcação de lugar nas filas do provador.
Última lição: nada de pesos na consciência quando virem o montante a pagar. Lembrem-se que de qualquer forma estarão sempre a economizar. De modo que nada de remorsos ou intenções de devolução. A mim tranquiliza-me sempre repetir para mim mesmo o valor que pagaria pelo preço na integra, proceder à subtracção e ver quando quanto poupei. E, meus amigos e minhas amigas, a verdade é que quanto maior for o volume das compras maior será a diferença. Conclusão (à qual cheguei depois de uma insana tarde de compras, o que talvez explique a lucidez com a qual fui agraciada): quanto mais compro mais poupo.
Tenho dito.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Aquilo que não me incomoda na Casa dos Segredos


Parece que durante meses a fio metade de Portugal andou presa das palavras e dos actos de uma certa casa cheia de gente insana. Note-se: não mais insana do que qualquer um de nós. Poderemos dizer que aceitar submeter-se a tamanha experiência sociológica e psicológica denota fraquíssima capacidade de discernimento, mas, certamente não muito menor do que a demonstrada pelo bom povo português em diversos actos eleitorais. Ou a demonstrada por todos aqueles que perderam serões a ver quem comia quem e quem era comido por quem.
Ora, devo começar por dizer que nunca, até à noite da cerimónia final, pousei os meus olhinhos no programa. E não o digo por vergonha ou por um falso sentido de superioridade intelectual. Não vi porque nem percebi bem a ideia da coisa. O que sabia do dito era o que aparecia escarrapachado nas capas de revistas e dos comentários que apanhava nas conversas alheias. Por isso parece-me ainda particularmente estranha a forma como o ecrã de televisão me hipnotizou enquanto um grupo animado ali ao meu lado se preparava para as festividades do último ano das nossas vidas. Eu queria deixar de ver aquilo. Queria mudar de canal, ligar um som, encher-me de caipirinhas… e no entanto fiquei viciada no espectáculo da vida real.
Podia manifestar aqui a minha pouco abonatória opinião sobre algumas das personagens da casa. Podia. Mas não vejo necessidade disso porque já toda a gente manifestou as suas opiniões, cada uma mais ofensiva do que a outra, de modo que a minha seria apenas mais uma opinião ofensiva, porventura nem conseguiria ser a mais ofensiva de todas elas, de modo que se diluiria na multidão de opinião de psicólogos de bancada e críticos televisivos de sofá. Depois, porque me arriscava a ter um processo em cima, e neste momento não me da jeito pagar indemnizações.
Porém, dada a fraca experiência de espectadora não tenho muito para dizer sobre a casa. Segundo consta é um drama horrendo, cruel, pornográfico e aberrante. Além do mais – e creio ser esse o seu maior vício – desinteressante. É que tanto quanto sei (e sei o que está oficialmente no site) os segredos daquela malta são capazes de fazer adormecer um hiperactivo em último grau de entediantes que são.
Desde quando ter sido salvo por um milagre é um segredo? Só se for um dos segredos de Fátima, vá lá. E o facto de se ser um casal com outra pessoa da casa? Só é segredo porque se omite, mas a verdade é que a publicidade que rodeava o programa dava a entender que teria daqueles segredos bem secretos que não podemos contar a ninguém, de tão obscuro e escabroso, e não simplesmente de factos que são omitidos porque a produção do programa assim o dita, mas que todos aqueles que fazem parte do nosso circulo já conhecem. Mas o mais ridículo deste leque de segredos pobrezinhos é o daqueles que fingem ser um casal porque a produção assim o diz mas afinal… não são. Please….!!! Aquele batalhão de gente iluminada da TVI não arranjou gente mais interessante para meter no programa? Ou será que o requisito era ter mamas grandes e muito pouco pudor em as mostrar? Às mamas ou ao que seja, diga-se já, porque segundo parece o show televisivo tornou-se mais famoso por um célebre puxar de collants levantando a saia acima da cabeça sem ter roupa interior por baixo (convenhamos que se era para mostrar deveria ao menos estar limpinha e depilada) e por uma sessão de sexo-oral-ai-não-era-porque-afinal-só-lhe-estava-a-dar-beijinhos-na-barriga-mas-gosto-de-ir-subindo-ebaixando-a-cabeça-no-entretanto do que pelos segredos que, in the end of the day, eram o objectivo daquele circo todo.
Vai-se a ver e melhor teriam feito os produtores em ter enviado lá para dentro o suposto filho do suposto estripador e já não precisavam de recriar uma cena digna de Linda Lovelace na Garganta Funda para conseguir audiências.
Segredos mórbidos, sumarentos e arrepiantes. “Ah, sou uma freira transexual”. “Ah, gosto de batatas fritas com bife de carne humana”. “Ah, tenho quase 30 anos e sou virgem”. Espera, este era mesmo um segredo da casa. Afinal a coisa lá se salva.
Em suma, a mim nada me incomoda. Nem as cenas de sexo e os palavrões. Se é suposto ser o drama da vida real não se está à espera que digam “Com a breca, que maroto” e que passem as noites a jogar xadrez. A vida real não é uma série dos anos 60. Quem não quer ver não vê, desliga a televisão ou muda de canal. Nem sequer me incomoda que por lá ande uma senhora que esteja indecisa se África é um continente, um país ou mesmo uma nova cor de batom (e porque não?). Mais uma vez, o drama da vida real exige pessoas reais e quem conhece minimamente o bom povo português sabe que por estas bandas há mais um ou dois cidadãos como ela. Ou um ou dois milhões talvez. O que me incomoda é a pobreza dos segredos.
Ah. E já agora, incomoda-me também que estas beatas de meia tigela se incomodem tanto com as pilinhas e os pipis, e de certeza que até argumentaram que pode haver criancinhas a ver aquelas coisas feias e que assim ficam a saber os mistérios dos birds and the the bees. Mas depois ninguém se incomoda com a violência, o racismo e a fome que constantemente invade os canais. Incomodem-se antes com isso. Fuck and let fuck so to say.