sábado, 20 de agosto de 2011

Não sou eu, és tu


Não és tu sou eu. Quantas vezes já utilizámos esta deixa? Algures perdida entre a educação, a gentileza – e, porque não confessá-lo, algum paternalismo – vêm-nos imediatamente à boca logo que percebemos que cometemos um grande disparate. É curioso como podemos ser brilhantes naquilo que fazemos para ganhar dinheiro e desastrosos naquilo que fazemos para ganhar amor. Por isso, de quando em vez (adorooooo!!!!!!!) começamos uma coisa que nunca deveríamos ter começado, e criamos - em nós e em alguém – a expectativa de um final feliz que nunca vai acontecer. Quando nos apercebemos do final infeliz que nos espera (e não será que muitas vezes sabemos isso desde o início?), o nosso instinto de sobrevivência, cimentado ao longo de anos de desaires (sim, somos desastres amorosos ambulantes) convoca uma reunião de emergência, e depois de uma introdução amigável lá solta o tal “não és tu, sou eu”.
É quase uma regra de educação e cortesia nas relações de gente de boa formação: aquele que termina a relação assume a culpa da coisa. Bem sabemos que a culpa não morre solteira (para isso já bastou eu), e que nestas coisas de amores e desamores se há duas partes há duas culpas, ainda que em diferente grau e intensidade. Mas apesar das suas fraquezas e incongruências todos o dizemos quando estamos do lado de cá e todos esperamos que seja dito quando estamos do lado de lá.
Imaginemos agora que se inverte o diálogo, que entramos numa 5.ª dimensão, que o mundo se vira ao contrário, e que no momento de terminar uma relação alguém diz: “Não sou eu. És tu.” Não, não me enganei. Ouviram/leram/perceberam bem. “Não sou eu, és tu”.
Esta tirada elegante e cavalheiresca suscita-me tantas reflexões que nem sei bem por onde começar.
Antes de mais, se a relação vai terminar não o deveríamos fazer de modo a não deixar no outro mais mágoa e ressentimento do que aquele que qualquer desfecho causa, sobretudo quando não fomos nós a decretá-lo mas sim a outra parte?
Depois, será a culpa verdadeiramente do outro? Será que ao longo dos anos, meses ou semanas que partilhámos juntos a culpa foi sempre do outro? É que o mero facto da história terminar assim só por si demonstra que estamos perante um alguém tão mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso que nunca a culpa poderia deixar de ser (também) dele/dela. Certamente que se tratará de uma óptima pessoa, cheia de virtudes e qualidades, mas este singelo comportamento deixa antever o tal ser … como direi…Ah, já sei: mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso.
Quando as relações terminam deixam-nos sempre um vazio, um sentimento de perda. Isto vale para aquelas que nos fizeram muito felizes mas também para aquelas outras que nos fizeram muito infelizes. É um dado inexplicável da ciência, porém, mesmo o término de uma relação abusiva deixa em nós a sensação de que nos tiraram a última Coca-Cola do deserto. É preciso que passe tempo, que a ferida sare, que uma amiga (pouco sensata, mas com a distância de quem está de fora) nos diga: “Não perdeste nada nada baby. Livraste-te de boa”. E não digo isto para a animar, como quem dá uma palmadinha nas costas e tenta ver o lado menos mau de uma desgraça monumental. Digo porque verdadeiramente foi uma benesse das forças cósmicas que a alminha tenha decidido terminar a coisa, pois já se vê que nós, hipnotizadas como andávamos com o suposto charme da peça, não víamos um palmo à frente dos olhitos míopes de quem está apaixonado. Foi um golpe de sorte. Uma felicidade. Pois quem se imagina a partilhar a vida e os sonhos com alguém que nos apontasse o dedo à ocorrência de qualquer infortúnio ou desaire? É assim que se comportam as pessoas bem formadas? As pessoas mágicas? As pessoas apaixonáveis (entenda-se, por quem nos podemos apaixonar)?
“Não sou eu, és tu”. Sim, tens razão, sou eu. A culpa é por mim por te ter achado especial um dia.
(O textinho de hoje é para uma amiga especial que continua sem perceber o especial que é)

7 comentários:

  1. As relações são complicadas... Terminar uma relação é sempre um passo difícil e arranjar desculpas, para não assumir o verdadeiro motivo, é mais uma das muitas fraquezas do ser humano.

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  2. Que nos digam que nos livramos de boa e que até tivemos sorte, pode não ser exactamente o que esperamos de amigos, num momento... Mas realmente, só quem está livre do feitiço pode ver com claridade e oferecer a palavra correcta. É o agora popular, "out of the box", aplicado as relações.Raios parta as hormonas, parece que perdemos a capacidade de discernir o óbvio...

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  3. Aqualung, continuo a preferir que me digam que "perdi" (se é que foi uma perda) uma pessoa menos boa para poder ficar disponível para uma fantástica, do que passarem sal na ferida e me recordarem que sujeito maravilhoso ele era e que nunca encontrarei outro igual (até porque nunca poderia ser verdade porque se fosse efectivamente maravilhoso veria que eu sou igualmente maravilhosa).

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  4. Hum, o problema de nos dizerem a verdade só intensifica a dor, que raio andamos nós a fazer para não vermos o que aparentemente é tão óbvio...Mas "(..)em caso de dúvida, dizer sempre a verdade."

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  5. Aconteceu de novo?
    Melhor assim, não lhe fica bem metade de uma laranja.

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  6. Todos ficamos bem com uma metade para acrescentar à que metade somos.

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