sexta-feira, 29 de julho de 2011

Os “ismos”


Os ismos são… como dizer… a pain in the ass.
São humilhantes, malévolos, perigosos, mesquinhos ou, pura e simplesmente, chatos. Basicamente porque os “ismos” exprimem o acto de levar determinada convicção às suas últimas consequências. E as convicções, as ideias, as doutrinas, por mais benéficas que sejam na sua razoabilidade, quase todas se tornam uma aberração quando tocam os extremos. E assim temos o extremismo.
Confesso que não tenho pachorra para comunismos nem fascismos, até porque a história já nos ensinou que nem a esquerda mais radical nem a direita mais ferrenha estão aptas para comandar os destinos do mundo. Bem sei que as ilusões utópicas del Che nos encheram a muitos os sonhos dos 15 anos, mas basta que nos passe pela cabeça emigrar para a Coreia do Norte para que não haja festa do Avante que salve o comunismo. Quanto ao fascismo, enfim, aqui nem sequer encontro uma parte menos terrível capaz de nos encher sonhos ou ilusões. Não posso ter saudades dos tempos salazaristas porque não os conheci, mas face àquilo que li e ouvi, face aos pequeninos Hitlers e Mussolinis deste mundinho, o fascismo não me desperta nem a mais breve das paixões. Mais ainda: o massacre de uma besta (que os doidinhos estão nos manicómios e pelo menos há uma aqui deste lado do PC, mas quem mata são as bestas), onde o fascismo se aliou ao racismo, ao nazismo e a uma espécie de catolicismo onde poucos católicos se revêem, faz-nos pensar que o terrorismo é um acto de imensa cobardia, praticado por miseráveis infelizes, que precisam de matar e causar dor para poder ser um bocadinho felizes. Há que lastimá-los, porque odiá-los será dar-lhes importância a mais.
O racismo é próprio de gentinha com complexo de inferioridade, que gosta de apontar o dedo a quem é mais escuro ou mais claro, usa turbante ou kimono, porque morre de medo de descobrir que não é melhor do que os outros, mas que bem pode suceder que esses outros sejam bem melhores do que ele.
Nem o socialismo colhe a minha simpatia. É sabido que sou predominantemente de direita (não haverá por aí um direitismo ao qual criticar?), e - com custo o digo, porque gostava de não ter de o dizer - apesar de tudo o capitalismo sempre atrai o consumismo que há em mim, igualmente perigoso, pelo menos quando a conta bancária não advém de um desses novo-riquismos que tanto circulam por aí.
O machismo irrita-me sobejamente, até porque em regra anda associado a um sexismo no qual não me revejo. Mas não pensem que o feminismo tem melhor sorte. De feminista só mesmo a ideia que quero ser tratada exactamente da mesma forma tendo eu pipi ou pilinha. Mas não me venham com supostas opressões, nem assédios onde não existem, nem teorias da conspiração, que eu já dei para esse peditório e fiquei convencida que o referido “ismo” também não é a minha praia (vai daí, lembrei-me agora de um “ismo” de que gosto, o nudismo).
O paludismo dá dor de cabeça e faz vomitar. O vaginismo (parece que) dói. O estrabismo força-me a usar óculos. O daltonismo faz com que um homem bonito nos vá buscar para jantar com uma meia vermelha e outra cor-de-rosa. O alcoolismo faz-nos vomitar os sapatos e dizer coisas tontas (e livrem-se de pegar o carro com este “ismo”). O altruísmo faz-nos sentir a todos nós, que não fomos possuídos por ele, criaturas mesquinhas. O racionalismo esquece os prazeres do coração. O vandalismo irrita-me porque eu, se quero partir coisas, atiro pratos no chão da sala ao invés de destruir o que não me pertence. O tabagismo torna os beijos na boca em beijinhos numa beata de 5 dias.
Em suma, enquanto não inventarem um sapatismo, ou um chicolatismo ou um praismo, mantenho-me na minha: os “ismos” são, essencialmente, uma treta.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O regresso da menina do sapatinho de cristal


Era para ser uma ausência de dias. Depois passou a semanas. E finalmente passaram-se meses. A Cinderela desapareceu tão misteriosamente quanto aparecera. E eu sentia a falta dela.
Mas o melhor de tudo foi sentir como tanta gente lhe sentira também a falta, quase num sentir conjunto, como um coro de saudade ou um cardume de sentimentos.
Descobri a Cinderela há um par de anos atrás, quando um garboso e aparente cavaleiro andante me partiu o coração. E perdida naquele vazio que só os corações partidos conhecem senti necessidade de gritar bem alto tudo o que ia cá dentro. Foi assim que apareceu o primeiro post, escrito num blog que nem meu era, onde amigas gentis e compassivas (além do mais, fãs de sapatinhos) me permitiram expressar os medos e as frustrações de quem ainda não tinha encontrado o lugar no mundo.
O primeiro texto publicado trouxe-me uma paz que há muito não sentia. O desabafo escondido entre vírgulas e palavras suavizou-me a amargura daqueles primeiros tempos. Mas o que me trouxe de regresso ao mundo dos vivos foram sobretudo as vozes que apareceram do outro lado do ecrã. O feed-back. Os mails. Os comentários. Nem todos foram compassivos ou sequer cordiais. Mas mesmo os comentários críticos e mordazes me deram serenidade e me fizeram sentir ouvida. Afinal, não é necessário meter uma bomba num edifico público nem matar um rol de gente para que o mundo nos ouça. Basta escrever palavras e enfiar a mensagem numa garrafa por esse mar da internet. Garanto-vos: alguém vos há-de ouvir.
Ao longo destes anos foram-se juntando a mim dezenas de cinderelianos que me escreveram os mais incríveis mails, nem todos eles publicados, em função de algum pudor, não para comigo (quem se expõe publicamente não pode ter pudores desses) mas para com aqueles que me contavam os cantos mais recantados das suas almas.
E a partir desses mails muitas histórias foram contadas. Lamento desiludir-vos, mas nem todos os relatos da vida desta Cinderela são histórias da sua própria vida. Muitos são relatos ouvidos no metro, no vestiário do ginásio ou na fila do check in. Episódios ocorridos com a prima da tia da avó da amiga de uma amiga. Excertos de vidas de tanta gente maravilhosa que todos os dias faz da minha vida uma coisa um bocadinho mais maravilhosa. Linhas tiradas desses mails que recebo, e que mantenho secretos, quase como se fossem contados em confissão.
E creio que a ideia final é esta: não estamos sozinhos no mundo. As nossas amarguras são partilhadas por outros tantos, deste e daquele lado do Atlântico. As minhas alegrias, tristezas, inseguranças, são afinal as de todos. Se algum de nós pensa que é so fucking special tire daí a ideia: somos todos especiais, à nossa maneira e feitio, mas todos afinal tão iguais naquilo que nos vai na alma.
É certo que esta Cinderela reúne algumas particularidades que escapam ao comum mortal: é desgraciosa e desgraçada, mas sempre cheia de graça; anda mais perdida e desraizada do que os demais, mas talvez porque tenha raízes a mais; tudo o que possível de acontecer a um ser humano lhe acontece a ela, dando azo a relatos que oscilam entre o drama e a comédia. Um misto de Barbie e de nerd, que tropeça em público com a mesma elegância com luta por um par de sapatos em pela época de saldos. Mas, what a hell, can a girl be just a simple girl?
Estes últimos meses foram passados entre aeroportos e aviões, teses e exames, comboios e noites de 4 horas de sono. A cruzada ainda não chegou ao fim. Mas a minha sanidade mental obrigou-me a ir buscar a Cinderelazinha escondida dentro do sapatinho, como último recurso para me manter à tona nestes dias turbulentos.
Agradeço-vos do fundo do meus aurículos e dos meus ventrículos o facto de não se terem esquecido de mim. Porque no fundo todos queremos ser imortais, ainda que seja num pequeno e desconhecido blog da internet.