segunda-feira, 25 de julho de 2011

O regresso da menina do sapatinho de cristal


Era para ser uma ausência de dias. Depois passou a semanas. E finalmente passaram-se meses. A Cinderela desapareceu tão misteriosamente quanto aparecera. E eu sentia a falta dela.
Mas o melhor de tudo foi sentir como tanta gente lhe sentira também a falta, quase num sentir conjunto, como um coro de saudade ou um cardume de sentimentos.
Descobri a Cinderela há um par de anos atrás, quando um garboso e aparente cavaleiro andante me partiu o coração. E perdida naquele vazio que só os corações partidos conhecem senti necessidade de gritar bem alto tudo o que ia cá dentro. Foi assim que apareceu o primeiro post, escrito num blog que nem meu era, onde amigas gentis e compassivas (além do mais, fãs de sapatinhos) me permitiram expressar os medos e as frustrações de quem ainda não tinha encontrado o lugar no mundo.
O primeiro texto publicado trouxe-me uma paz que há muito não sentia. O desabafo escondido entre vírgulas e palavras suavizou-me a amargura daqueles primeiros tempos. Mas o que me trouxe de regresso ao mundo dos vivos foram sobretudo as vozes que apareceram do outro lado do ecrã. O feed-back. Os mails. Os comentários. Nem todos foram compassivos ou sequer cordiais. Mas mesmo os comentários críticos e mordazes me deram serenidade e me fizeram sentir ouvida. Afinal, não é necessário meter uma bomba num edifico público nem matar um rol de gente para que o mundo nos ouça. Basta escrever palavras e enfiar a mensagem numa garrafa por esse mar da internet. Garanto-vos: alguém vos há-de ouvir.
Ao longo destes anos foram-se juntando a mim dezenas de cinderelianos que me escreveram os mais incríveis mails, nem todos eles publicados, em função de algum pudor, não para comigo (quem se expõe publicamente não pode ter pudores desses) mas para com aqueles que me contavam os cantos mais recantados das suas almas.
E a partir desses mails muitas histórias foram contadas. Lamento desiludir-vos, mas nem todos os relatos da vida desta Cinderela são histórias da sua própria vida. Muitos são relatos ouvidos no metro, no vestiário do ginásio ou na fila do check in. Episódios ocorridos com a prima da tia da avó da amiga de uma amiga. Excertos de vidas de tanta gente maravilhosa que todos os dias faz da minha vida uma coisa um bocadinho mais maravilhosa. Linhas tiradas desses mails que recebo, e que mantenho secretos, quase como se fossem contados em confissão.
E creio que a ideia final é esta: não estamos sozinhos no mundo. As nossas amarguras são partilhadas por outros tantos, deste e daquele lado do Atlântico. As minhas alegrias, tristezas, inseguranças, são afinal as de todos. Se algum de nós pensa que é so fucking special tire daí a ideia: somos todos especiais, à nossa maneira e feitio, mas todos afinal tão iguais naquilo que nos vai na alma.
É certo que esta Cinderela reúne algumas particularidades que escapam ao comum mortal: é desgraciosa e desgraçada, mas sempre cheia de graça; anda mais perdida e desraizada do que os demais, mas talvez porque tenha raízes a mais; tudo o que possível de acontecer a um ser humano lhe acontece a ela, dando azo a relatos que oscilam entre o drama e a comédia. Um misto de Barbie e de nerd, que tropeça em público com a mesma elegância com luta por um par de sapatos em pela época de saldos. Mas, what a hell, can a girl be just a simple girl?
Estes últimos meses foram passados entre aeroportos e aviões, teses e exames, comboios e noites de 4 horas de sono. A cruzada ainda não chegou ao fim. Mas a minha sanidade mental obrigou-me a ir buscar a Cinderelazinha escondida dentro do sapatinho, como último recurso para me manter à tona nestes dias turbulentos.
Agradeço-vos do fundo do meus aurículos e dos meus ventrículos o facto de não se terem esquecido de mim. Porque no fundo todos queremos ser imortais, ainda que seja num pequeno e desconhecido blog da internet.

3 comentários:

  1. Ainda bem que voltaste, minha pipoca. Já cá fazias mesmo falta :)

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  2. Gosto particularmente do facto de dares importância aos pequenos pormenores do mundo, contidos nos fragmentos de histórias que vais coleccionando. Bem-vinda.

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