sábado, 6 de agosto de 2011

R-E-S-P-E-I-T-O


O mundo ensandeceu. E sei isto porque hoje em dia toda a gente se acha no direito de fazer a aberração mais aberrante que lhe passe pela moleirinha, ainda que caindo em comportamentos grosseiros, ordinários e profundamente desanimadores face à nossa esperança na espécie humana.
Há dias arrastava-me eu pela rua, calçada fora ao fim de um dia de trabalho, falando ao telemóvel para encurtar a distância que me separava do meu sofá, e eis que passa por uma criatura que – pasme-se – passa a sua nojenta mão pelo meu (não nojento) rabiosque. Gostava muito de escrever estas linhas relatando o murro que lhe dei no nariz ou a forma como lhe desfiz os tintins. Mas não, não o posso dizer. Porque o que fiz foi ficar especada ali no meio da calçada, a gritar impropérios ao telefone, como se a alma do outro lado da linha tivesse culpa alguma na minha desgraça semi-porno. Não fui a correr atrás dele, e o tipo também não correu porque demais sabia ele que estava seguro. Eu nunca o iria interpelar, agarrar-lhe no braço, pedir-lhe contas. Esta gentinha que anda por aí a conspurcar a nossa existência sabe que está segura porque passaram a vida a fazer maravilhosas habilidades destas e toda a gente teve demasiado receio ou pudor para os chamar à razão. Ou pura e simplesmente, não se importou. A verdade é que se eu galgasse metros atrás dele e o puxasse pelo braço o mais certo era acabar também eu por sair magoada da história. E, obviamente muitíssimo mal vista pelos meus pares. É que as meninas, ou as senhoras que não sã assim tão meninas, não entram em escândalos, não armam briga, engolem e calam (so to say…). As meninas devem ignorar estes incidentes. Não lhes dar demasiada importância, porque não a merecem. Não criar confusões que as tornem “faladas”. Por isso as meninas engolem em seco muitos sapos. Eu, naquele final do dia, engoli um bem grande. Tão grande que senti necessidade de o contar aqui. Porque sei que a todas vos passou o mesmo. Aquela besta - sem desprimor para as bestas, que algumas até são animais de bem - já o deve ter feito a milhares de mulheres, e se o continua a fazer é porque até hoje nenhuma o presenteou com a tão merecida estalada. Nem eu, reconheço-o. De modo que ele vai continuar feliz na sua vidinha patética de quem não consegue tocar em mulheres de outra forma que não seja sorrateiramente, de forma ardilosa e cobarde. E nem sei se o poderemos censurar. É que nós – nós comunidade e nós mulheres - toleramos estes comportamentos à luz da doutrina do “não me vou rebaixar ao nível deste fulano”. Mas porque nenhum de nós algum dia achou que deveria arregaçar as mangas e fazer alguma coisa, porque os paizinhos da criatura não cumpriram como deve ser o seu inestimável trabalho educacional durante os primeiros anos de vida, agora temos aqui um patético tarado a rastejar entre nós.
Ora eu estou farta. Estou farta de piropos que me querem comer tudo menos a unha dos pés. De convites desapropriados de gentinha desapropriada. De insinuações, más-criações, grosserias.
Eu também tenho dias maus nos quais me apetece descarregar em alguém, seja a pessoa à minha frente na fila no autocarro seja o empregado do bar. Mas respondo sempre com um “obrigada” e um “se faz favor”.
Eu também vejo homens as quais me apetecia passar a mão pelo rabiosque (que me desculpa e minha meia laranja, mas certamente que ele pensa o mesmo face aos rabiosque de muitas meninas) mas não invado a sua esfera de privacidade pessoal.
Eu também comento com as meninas piropos mais ou menos elegantes acerca dos cavalheiros que passam na praia. Mas não me sai pela goela nenhuma proposta menos decente (aliás, nenhuma proposta de todo me sai) em pleno areal, que faça incidir sobre o espécime os olhares do povinho que esteja por aqueles lados.
Ora, eu não sou especialmente bem-educada, respeitadora, graciosa, inteligente ou bem–formada (enfim, por acaso até sou mas agora para o meu argumento convém que não seja) a ponto de apenas eu saber que estas coisas não se fazem. Todos o sabemos. Quase todos o cumprimos. Então, porque raio vamos tolerar que A ou B não o façam? Porque tiveram uma infância difícil? Porque são alminhas torturadas? Porque se divorciaram agora? Porque os paizinhos se divorciaram quando tinha 5 anos e além disso atiraram-lhe o peixinho dourado pela sanita?
Meus amigos, vivemos numa sociedade e como tal não somos livres de passar a mão naquilo que não é nosso, de gritar supostos piropos que não foram pedidos, de responder de forma torta a uma reacção negativa ao nosso incontestável (ou muito contestável) charme.
Desculpem lá, mas estas são regras da casa. Vamos cumpri-las e faze-las cumprir. É tudo uma questão de respeito. Pelos outros, mas por nós próprios também.

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