segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Ensaio sobre a solidão
Pela estação ecoava a voz de “menina de rádio”, anunciando que todos os comboios estavam atrasadas em virtude de um acidente nas linhas. Um suicídio, ao que parece. Caramba, entre tantas formas de as pessoas se matarem têm logo que escolher uma que causa transtorno a tanta gente. Não a mim, porém. É que enquanto à minha volta o povinho se rebelava contra o poder absoluto do monarca CP, eu dei por mim a pensar, simplesmente, que era aborrecido. É que todos os demais tinham compromissos, gente à sua espera, jantares que estavam a ficar frios, crianças que reclamavam pelos seus mimos. Já eu… só me tinha a mim. Reformulo: já eu, só me tenho a mim. Nem sequer existe na minha vida um cachorrinho que anseie pela minha chegada para ir dar o seu passeio. Na verdade, é-me mais ou menos indiferente chegar às 8 da noite, às 9, às 4 da manhã, ou no tarde seguinte. Ou nunca chegar até. Simplesmente, porque eu não tenho ninguém à espera.
Por isso sou sempre a última a sair do escritório. Por minha vontade até lá dormir. Nem sei porque preciso de casa. Não fosse o problema de alojar as minhas caixas de sapatos e de livros bem que podia viver debaixo da ponte. É que ter uma casa pressupõe ter uma porta onde desejamos meter a chave na fechadura para entrar na home sweet home, onde há uma lareira acesa e um chocolate quente à nossa espera. Mas no meu caso, o na melhor das hipóteses tenho um pequeno aquecedor a óleo e um daqueles tabuleiros de comida pré-feira que meto no micro-ondas.
Há muito que desisti de cozinhar. Apesar de por vezes acreditar que nesta confusão que é a minha cabeça saltitam várias personalidades diferentes, o certo é que não existe uma Vera gourmet capaz de elogiar as aventuras culinárias da Vera cozinheira.
Em regra vivo bem comigo. Mas há dias em que gostava de ter um “contigo” com quem poder partilhar o nada que tenho. Ontem foi um desses dias. Sobrevivi a uma catástrofe emocional. Reconheço que para alguns seria um pequeno furo na estrada, mas para mim, que atirei o brio profissional para o topo da minha pirâmide de prioridades, aquilo foi um autêntico choque em cadeira. Pardon my french, mas diria mesmo que uma autêntica filha da putice o que me fizeram. Que bem me tinha sabido umas festinhas na cabeça, coisas melosas ditas com voz suave, uma mera presença física que mais não fosse. Não aconteceu assim. Talvez pelo melhor. O que não nos mata torna-nos mais fortes… dizem.
Claro que há dias diferentes. Também eu tenho os meus momentos de animal social. Reuniões, festas, jantaradas, saídas à noite. Mas, dê lá por onde der, a Cinderela tem que voltar para casa, nem que seja na meia-noite do outro dia. E quando volta… só fica ela, a abóbora e os ratinhos.
Because, in the end of the day, we are all alone.
E quanto mais depressa percebermos isso melhor vamos conseguir partilhar a vida com a nossa solidão.
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Um beijinho e uma festinha na cabeça, pipoca :)
ResponderEliminarBom texto.
ResponderEliminarMas, minha querida Vera, a solidão não é uma fatalidade. Não te habitues a ela.
"O amor próprio é o início de um romance para a vida inteira"
ResponderEliminar;)
Já nos cruzámos por aí, em tempos passados, profissionalmente, mas não o suficiente para guardar recordação boa ou má.
ResponderEliminarCheguei aqui tão inesperada quanto casualmente, e ainda bem. Madrugada, véspera de feriado, e (mais) uma solitária perdida nas teias da web.
A melhor maneira de dizer o quanto estou a gostar de a ler é confessar que gostava de ter sido eu a escrever alguns desses textos. Ultimamente a preguiça tem levado a melhor, mas o impacto da identificação imediata com o conteúdo dos mesmos vs. o facto de me fazerem reflectir sobre realidades semelhantes e/ou alternativas à minha já me traz qualquer coisa de muito bom, digamos, uma lufada de ar fresco, um sentido de perseverança, de não desistência :)
Ainda que nós não nos habituemos a ela, sempre pode ser a solidão a habituar-se a nós.
ResponderEliminarCara C., Se algumas destas divagações também já te passaram pela cabeça só me resta dizer que tenho muito pena que só nos tenhamos cruzado sem oportunidade "empatizarmos" um bocadinho que fosse.
ResponderEliminarPipoca R., retribuo a festinha (melosa!!!)
ResponderEliminarO chato de se encarar a solidão como uma fatalidade é isso levar muitas mulheres a cometer um erro maior - procurar desesperadamente sair da solidão, no mather what, no mather whom. e tornam-se depois as mulheres mais infelizes do mundo. Bem, mulheres e homens... Depoois de passados esses dois estádios da existência, digo - antes só que mal acompanhada... sem dúvida.
ResponderEliminarExcelente , Vera.