quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Quando for crescida quero ser como tu


Quando alguém teve a tonta ideia de perguntar à minha priminha de 4 anos se já tinha namorado (quem diabo se lembra se fazer esta pergunta a gentinha que ainda anda no jardim-escola? Depois espantam-se que apareçam grávidas com 16 anos!), esperando certamente que ela respondesse que é o Bernardo ou o Afonso (já repararam que todas as “novas crianças” foram baptizadas com “nada novos nomes”?), ela, muito espevitada respondeu. “Não tenho namorado. Não quero ter. Quero ser como a prima Vera”.
Ora, é óbvio que uma parte de mim fica lisonjeada que a minha priminha me escolha a mim como role model. Podia ter escolhido a Marie Curie, a Margaret Thatcher, ou, num delírio de loucura, a Rhianna, mas em vez disso… escolheu-me a mim. Pior ainda, podia querer ser como uma boneca oxigenada e anoréxica, fisicamente desproporcionada, que tem como bicho de estimação uma espécie de caniche e como outro bicho de estimação um boneco totalmente gay. Mas a minha priminha recusou todos os estereótipos sobre beleza barbierianos e escolheu-me a mim, o que é digno de nota,
O meu problema é o motivo pelo qual fui eleita. Não foi pelos dotes de bailarina, nem pelo empenho com que me dedico a tese que está prestes a sugar qualquer sopro de divertimento que ainda existe em mim. Não foi porque sou convidada para conferências ou porque faço o melhor bolo de chocolate do mundo. Foi porque, ao que parece, sou uma encalhada.
Este episódio fez-me recordar as minhas aspirações de menina, quando também eu aspirava a ser alguém parecido às pessoas de carne e osso que povoavam a minha vida real. No plano irreal quis ser muita coisa, desde astronauta a detective. Digamos que neste aspecto a minha imaginação não foi muito para além da de qualquer criança de 6 anos. Mas em termos de pessoas efectivamente viventes a minha idolatria dirigia-se inteirinha a uma amiga da minha mãe, da qual mal me recordo, excepto no que respeita a estas três notas particulares: era enfermeira, conduzia um mini e fumava. Por isso, quando eu media pouco mais de meio metro, queria ser enfermeira, conduzir um mini e fumar. Não me perguntem porque raio as minhas aspirações se ficavam por tão baixa fasquia. Faço notar que acho sobejamente estranha esta minha fixação: primeiro, nesses tempos idos não tinha a mínima inclinação para a medicina, e ainda hoje me vejo mais como uma diva neurocirurgiã do que como enfermeira boazinha; segundo, sou uma daquelas miúdas que gosta de carros grandes (os freudianos que divaguem à vontade); terceiro, não fumo nem nunca fumei, e embora não considere esse hábito propriamente repugnante continuo a preferir meter a minha língua numa boca onde não tenha entrado cigarro. Mas tenho cá para mim que naqueles tempos – finais dos setenta, inícios dos oitenta – e naquele lugar – uma aldeia perdida no meio do Alentejo – provavelmente aquela era a mulher mais emancipada que eu conhecia. Por isso eu queria ser como ela. Ah, e uma nota digna de nota: tanto quanto me recordo essa wild child era solteira. Na minha memória não existem vestígios de qualquer marido da dita, de modo que se era casada nunca disso tive conhecimento e aparecia aos meus adulatórios olhitos como uma devoradora de homens.
Mas isto levanta a seguinte questão: que sociedade é esta a nossa onde as gerações do futuro almejam ser mulheres sozinhas? Porque é que a minha priminha não quer ser como as outras primas, esposas e mães felizes? Porque é que eu apareço aos seus inocentes olhos como a melhor coisa que se pode ser no mundo, tal como a dita senhora enfermeira fumadora, e quiçá promíscua, me aparecia a mim como o ex libris do women power?
Emergem aqui duas premissas essenciais, mais altamente discutíveis:
a) As mulheres emancipadas e modernas, seja lá o que isso for, são as que estão sozinhas;
b) As referidas na alínea anterior são mais felizes do que todas as outras e por isso devem ser elas o exemplo a seguir.
Preocupa-me sumamente que estes sejam os modelos de condutas que oferecemos às gerações do amanhã, e que lhe estejamos a vender o mito de que o protótipo ideal de mulher é esta criatura obcecada consigo própria, devotada ao trabalho e ao sucesso, demasiado insuportável para que alguém a ature, egocêntrica, em suma, uma cabra terrível.
E agora que olho para trás não posso deixar de pensar que provavelmente, ao invés da enfermeira fumegante, eu deveria era ter desejado ser como a minha mamã.

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