segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Lisboa em estado de NATO


Ele há o estado de sítio. Ele há o estado de emergência. E agora o bom povo português criou o estado de NATO. Entenda-se por esta nova figura o estado em que depois de um alarme brutal, como se uma bomba atómica se dirigisse ao coração da nação, afinal o que acontece é… nada!!! Pura, simplesmente e exclusivamente, nada.
No rescaldo da cimeira da NATO pouco há a dizer. Ou melhor, dir-se-ia que a montanha pariu um rato, sendo a montanha o nosso governo e o rato os escassos manifestantes que num sábado solarengo se meteram a caminho do Marquês em luta contra… contra o quê exactamente? É que eu ouvi gente a queixar-se de tudo: do capitalismo, da NATO, da morte de civis inocentes, da opressão estadual, de todos os pontos atrás referidos, de nenhum deles mas de outra coisa qualquer… Enfim, um autêntico menu de queixas, tantas, que até eu pensei em juntar-me em voz de protesto contra o preço dos sapatos de pele e contra homens giros que são gays.
E não pensem que trato o episódio com ligeireza, porque na verdade, ao ouvir as entrevistas que passaram na televisão, pensei para com os meus botões que a minha lista de pretextos é, afinal, mais congruente e sólida do que a dos entrevistados. Ou os senhores jornalistas das várias cadeias de televisão optaram essencialmente por passar no horário nobre as profundas divagações de quem não faz a puta ideia do que ali está a fazer mas vai pela arruaça e a possibilidade de sangue, ou então, basicamente, quem apareceu ao chamamento não fazia mesmo a puta ideia do que ali se estava a passar.
E por falar em sangue, aproveito para protestar contra expectativas goradas. Pois não pode o governo andar por aí a anunciar com pompa e circunstancia que se avizinham grandes perigos, e a lançar soldadinhos do corpo de intervenção (soldadinhos como quem diz… que de todo eu não quero arrufos com um daqueles senhores) em cada esquina, com ar de GI Joe e bastão à mão, cancelando transportes públicos e circulação na capital, para depois ser só mais um dia como os outros. O povo espera mais. Uma bomba, um atentado, um carrito a arder, uma ameaça de bomba que seja. Agora, um mero desfile de camaradas pela Avenida da Liberdade, isso é que não. Em abono da verdade diga-se que a culpa governamental não morre sozinha. Afinal, os manifestantes tinham-nos habituado a outro tipo de espectáculo nos anos antecedentes. Até nisto se vê como somos coitadinhos. Nem uma manifestação violenta, assim como deve ser, podemos dar ao mundo. Bem louvo aqui os esforços da nossa polícia em tornar a coisa um bocadinho mais digna, algemando os miúdos e deitando-os no chão. Reconheço também que o cordão policial teve o quê de dramático, de modo que um bem-haja às nossas forças de segurança que, pelo menos, deram o seu melhor para igualar a nossa cimeira às dos países civilizados. E, sobretudo, para não darmos por mal empregue todo o dinheiro que pagamos em impostos. É que eu só aceito que o meu salário me seja reduzido se for para pagar a conta da minha segurança contra ataques de teenagers com borbulhas e cheiro a ganza. Felizmente os tais veículos blindados comprados expressamente para a ocasião não chegaram a chegar. Senão seria como usar batom Channel para ir comprar toucinho ao talho. Ou, e ainda numa analogia porcina, como deitar pérolas a porcos.
É claro que nem todos os manifestantes eram gente mal informada. É certo que grande parte dos bem-informados foram deixados à fronteira, a beber um chocolate quente e a comer uns churros. Mas em abono da verdade ouvi na televisão algumas opiniões de manifestantes que me pareceram relativamente consistentes. E lamento que essas boas intenções tenham sido diminuídas pela junção à manifestação de gente com a qual não terão certamente a mínima afinidade. Ainda estou para saber o que é um pacifista tem em comum com um neo-nazi, e compreendo a frustração das pessoas de bem que naquele dia se deram ao trabalho de sair de suas casas para depois se verem confundidas com um grupo de descabelados que certamente nunca leu o Mein Kampft mas acha piada a ser do contra. Do contra do que seja.
Creio que no final do dia a nota que me ficou na memória foi ver as principais marcas da capital a esconder os seus símbolos demoníacos (leia-se, capitalistas) com panos e tapumes de madeira. A Prada até se deu ao trabalho de contratar seguranças privados, não fosse o diabo tecê-las e os manifestantes confundirem uma daquelas deliciosas malinhas de verniz preto com uma arma de destruição massiva, daquelas que as tropas da NATO usam. Pelo menos sempre ajudam à redução do desemprego, de modo que três vivas para a Prada. Mas vou mais longe até e dou três vivas ao capitalismo em geral. Porque não percebo em que medida a contestação contra a guerra se relaciona com a contestação contra o sistema de mercado livre. Onde raio foram encontrar essa ligação entre socialismo/comunismo e sistemas pacíficos/ repulsa da opressão pela força? Na Coreia do Norte? Ou em Cuba? Talvez na ex-URSS, com Estaline à cabeça. Não considero o capitalismo o sistema perfeito, mas continua a ser o meu preferido de entre os sistemas imperfeitos. Porque um modelo de regulação onde a iniciativa privada não pudesse prosperar e a economia fosse incapaz de crescer livremente e sem peias estaduais (e qualquer semelhança entre esta descrição e o actual estado de coisas em Portugal é mera coincidência) não me serve. Já para não mencionar a enorme dificuldade em que eu teria em encontrar sapatinhos numa economia fechada…
Em jeito de balanço final que ganhámos nós com a cimeira? Bem, cancelaram o concerto do Arcade Fire, mas como o da Shakira se manteve ficou ela por ela. Ficámos a saber que a maior divida que o governo norte-americano tem para com o bom povo português se relaciona com um cão de água. Fomos esclarecidos que o senhor licenciado em engenharia tencionar ainda cá estar (enfim, lá estar, nos Estates) para ao ano, mas que não mete as mãos no fogo por um dos seus melhores ministros. Compreendemos que nem todos somos iguais perante as fronteiras, e que está bem deixar entrar traficantes de droga, mas pacifistas não. Eu, sobretudo, fiquei a saber que uma botinha Prada pode ser usada como lançador de morteiros. De modo que dou por bem empregues os 5 milhões que o filósofo gastou com esta brincadeira.

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