sábado, 1 de maio de 2010

Quando for o meu dia da mãe


Daqui por uns anos, espero eu, será o meu dia da mãe. Serão os meus filhos a correr em desespero em busca do presente perfeito que possa simbolizar, num recibo de cartão de crédito, tudo o que gostam de mim (once again… espero eu).
E com isto pus-me a pensar que pensão de mim essas futuras crianças que hão-de sair cá de dentro.
Que pensarão dela os filhos da Cindy Lauper? “ Mãe, tinhas um cabelo bem… assim, a modos que cor de rosa…”. E os da Nina Hagen? “Mamã, daquela vez que te masturbaste em palco foi, digamos, embaraçoso. Aliás, como estarão essas wild girls agora? Uma vez rebelde sempre rebelde? Estará a Blondie a abrir o seu presentinho de bengala, enquanto segura um charro com a outra mão? Ou será que a vida nos amolece? Será que os genes da rebeldia passam para os filhos? Ou corro o risco de me sair na rifa um betolas de sapato vela as teimar que sou mãe dele enquanto eu o tento enxotar?
A minha mamã não tem nada a ver comigo. Não fossem as evidentes semelhanças físicas quase se diria que fui trocada na maternidade, e que nesta altura há uma família de punks a criar uma menina que senta direita à mesa e usa laços no cabelo. Em suma, custa a crer que eu tenha saído daquela mulher. Mas saí mesmo. E ela amamentou-me, e criou-me, e educou-me, alimentando o meu espírito de free thinker. E isso é o que eu mais admiro nela. É que se a minha mãe tivesse sido uma gaja radical, uma hippie dos 70 a deitar marijuana pelas narinas, não seria estranho eu ter nascido tão às avessas. Mas para alguém que é (pelo menos medianamente) conservadora, bem-comportada, cumpridora, serena, pacifica, é um feito notável ter feito de mim o que sou e amar-me por isso. Ou melhor, amar-me apesar disso.
Se a minha mãe achou piada aquando lhe disse que ia viver para Angola sozinha durante um par de anos? Bem, digamos que quando o choro acalmou ao telefone só me conseguiu perguntar porque não tinha escolhido antes Paris.
As tatuagens? A primeira ainda foi tolerada, mas a segunda ia despoletando uma crise de tal ordem que cheguei a ponderar entregar-me a uma agência de adopção. Felizmente a terceira apaziguou os nossos diferentes sentidos de beleza (não termino esta consideração sem porém fazer saber que foi esta senhora que me rapou o cabelo à Sinead O'Connor e o pintou de pink, de modo que também nela há algo de selvagem e inconformado. Mas é um “algo” pequenino)
Os piercings? Nunca ninguém te vai contratar para o tipo de trabalho que a tua cabeça te permite ter, dizia-me ela, suspirando por entre os seus caracóis louros.
Acho que o grande medo da minha mãe era que eu me boicotasse a mim própria e terminasse os meus dias a vender brincos artesanais numa esquina, com cabelo de rasta e roupa esburacada. Porque ela sabia que eu podia ser isso mas também poderia, se o quisesse, ser mais do que isso. O mundo era o meu destino. E eu esforcei-me por demonstrar que os seus temores eram infundados, que tudo de bom que ela deixou em mim floresceu, e que apesar das coisas estranhas que faço, que digo e que sou ainda assim há aqui uma filha que lhe pode dar alguma felicidade e conforto.
Depois penso em todas as coisas que me repetidamente me disse enquanto eu crescia - “estás muito magrinha, até se vê os ossos”; “não chegues tarde, tens que dormir”; “não gosto nada do tamanho dessa saia”; “achas que isso é roupa para levares para o trabalho?” – e penso: será que um dia serei eu a dizer isto aos meus filhotes? Convenhamos, temos aqui um caso sério de falta de legitimidade. Com é que eu lhes vou impingir a sopa quando eu própria pesei menos de 40kg? Como lhes vou impor um toque de recolher depois das minhas directas? Atrever-me-ia a criticar o tamanho da saia depois de eu mesma usar camisas a fazer de vestidos? E quanto à indumentária de trabalho, bem, digamos que eu apareci em entrevistas de emprego com calças verdes florescentes aos quadrados (e o admirável é que ainda assim me contrataram). Pensando bem, quando for a minha vez de ter filhos estou lixada…
Enquanto isso não acontece continuo a passar horas ao telefone com a minha mamã, chocando-o com cada comportamento meu (every step you take…), e tentando aprender com elas as guide lines desta coisa de ser mãe.
Não serei o bebé perfeito que ela sonhava, mas acho que no fim de contas a coisa não saiu tão mal. Ela continua a ser, ainda hoje, a minha melhor amiga, a minha maior confidente (quantas filhas contam às mães a primeira vez que tiveram sexo?) e a minha âncora, para que eu não me perca demasiado no meio da minha loucura.

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