sexta-feira, 14 de maio de 2010

Que salvaria eu se a minha vida estivesse a arder?


Certamente já todos imaginámos este cenário dantesco: temos a casa a arder e só podemos voltar atrás para salvar uma coisa. O que seria? Um quadro famoso? O medalhão da avó? As fotos que guardam a memória dos anos passados? Aquele par de sapatos? O computador onde guardamos a tese?
E se ao invés da casa, fosse a nossa vida? Se as chamas ameaçassem consumir toda a nossa vida, e apenas nos fosse dada oportunidade de resgatar uma parte dela, que salvaríamos nós?
In the end of the day é tudo uma questão de prioridades.
Antes de escrever o que escreverei a seguir devo confessar que eu mesma sou uma workaholic. Há dois anos que não tenho férias. Sou incapaz de passar um serão a ver um filme, sem estar ao mesmo tempo agarrada a livros. Já deixei de estar presente em celebrações (aniversários, casamentos) por compromissos de trabalho. Viajo sempre com um PC. Tenho o telemóvel de trabalho constantemente ligado. Ando há meses a dormir 6 horas. Já fiz directas para poder estar em reuniões. Costumo andar com um bloco de notas para tomar apontamentos. Já me esqueci do que é um fim-de-semana. Cheguei ao ponto de sair à noite e retomar o trabalho às tantas da manhã.
Tenho telhados de vidro neste ponto, de modo que digo isto bem mansinha. Não é tanto o dinheiro que me move – se fosse por isso já há muito tinha arrumado as botas e regressado à casa do meu pai – mas o sucesso, o brio pessoal, o reconhecimento pelos meus pares.
Mas, se a minha vida deflagrasse em chamas, acham que era alguma coisa destas que eu salvava? Não. Porque todo este esforço, este empenho, este sacrifício até, só tem sentido na medida em que seja sustentado por uma relação pessoal que me permita desafiar-me até ao limite. Posso perder o resto, mas não a posso perder a ela.
O problema de muitos de nós é que vivemos obcecados pelo trabalho. Provavelmente sempre assim foi, mas somos filhos de uma geração que levou a competitividade ás suas últimas consequências.
Há bem pouco tempo dizia-me uma boa amiga que chegara à conclusão que por força do trabalho tinha descurado o seu casamento, e que só agora compreendera como durante tanto tempo tivera as prioridades totalmente invertidas. Foi necessário deixar este trabalho e arranjar um outro, com menos amarras e mais tempo disponível, para perceber que a coisa mais importante, e aqui cito-a ipsis verbis, “era ter um companheiro para a vida”.
É bem verdade minha querida amiga. Os trabalhos vêm e não. Uns melhores, outros piores, por vezes com pausas intermédias. Mas por mais importante que ele seja e por mais realizadas que nos possamos sentir com certo emprego, a verdade é que chapéu há muitos e trabalhos também. Mas companheiros e companheiros há só um. Insubstituível, incontornável, irrevogável.
Há momentos na vida em que o sucesso profissional nos inebria, porque de facto temos essa dimensão da nossa existência totalmente preenchida: um emprego desafiante, um salário bastante razoável, reconhecimento do mérito. Parece que cada dia apenas confirma o bons que somos naquilo que fazemos. Eu já vivi esses momentos. Mas sozinha. Festejava sozinha as minhas vitórias profissionais e sozinha ia para casa onde dormia sozinha numa cama enorme, dando palmadinhas nas minhas próprias costas porque não havia ninguém para me abraçar e partilhar comigo aquelas vitórias embrulhadas em artigos, teses e palestras. É como saborear um fantástico petit gateau de chocolate naqueles dias em que devido à gripe as papilas gustativas deixaram de funcionar. Ou seja, estamos a viver o nosso momento de glória, mas não há mais ninguém para o apreciar.
Depois tive os outros momentos. Aqueles em que me senti uma imbecil incompetente, e perguntava a mim mesma qual seria o meu talento oculto. Sabem do que falo: dias em que derramamos café num memo importante, em que damos uma argolada na frente de alguém que queremos impressionar, em que deixamos passar um erro crasso que afunda todo o projecto. Nessas alturas a única solução é mesmo bater com a cabeça na parede, dar um grito bem grande no metro e poder chegar a casa sabendo que alguém lá estará para nos tratar galo que fizemos na testa ao empurrar a parede para dentro e nos fazer chá para a rouquidão provocada pelo grito. Ouvir-nos e abraçar-nos. Simplesmente, estar ali. Nos bons e nos maus momentos, até que o desaparecimento do amor nos separe.
Quando encontramos uma meia laranja e assumimos para com ela o compromisso de partilha de uma vida isso torna-se o objectivo que aglomera e dá sentido a tudo o mais que possamos fazer. É isso que justifica acordar às 6 da manhã para ir trabalhar, fazer serões pela noite dentro, teclar até bater com a cabeça no teclado. Tudo em prol desse projecto comum. E enquanto ele (ou ela) estiver são nosso lado sabemos que nada de mal pode acontecer.
Era isso mesmo que eu salvaria das labaredas da minha vida. Sem hesitar.

3 comentários:

  1. Bem me parecia :)
    Me too...
    Um beijinho*

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  2. Considero-te um bom exemplo e quando for grande (!), quero ser como tu. mas acredita que, neste ponto da salvação do que nos é mais querido,.. não sei. eu já abdiquei de muito pela meia laranja, e continuo sem saber se é a opção certa. às vezes fazemos coisas pela relação que achamos que são o fundamento de toda a nossa vida, mas não estamos a fazer mais do que anular-nos aos bocadinhos. às vezes não compensa.
    Como sempre, minha cara - X-celent!

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