domingo, 16 de maio de 2010

A estranha analogia entre desgostos de amor e infecções urinárias


“Descobri que já não te amo”.
Esta é provavelmente a pior sequência de palavras do mundo. Nunca andei perdida no meio de uma onda gigante (que já se vê que não faço surf) mas tenho para mim que a sensação deve ser próxima a esta. Tonturas. Náuseas. Falta de orientação. Aumento exponencial do batimento cardíaco. Uma sensação de vómito junto à boca. Vista turva. Nó na garganta. Dores de estômago. Olhos a arder com aquele oceano de lágrimas encurralado cá dentro. E tristeza. Uma tristeza absoluta, brutal, esmagadora.
Há muitas formas de terminar uma relação. A mais dolosa é aquela em o sentimento desaparece de um dos lados mas não do outro. Quando somos nós o “um” a ruptura não deixa de ser difícil. Mas quando o “outro” … quando somos o “outro” só queremos que alguém nos acorde, porque o que estamos a viver é demasiado mau para ser vivido, de modo que nos resta a hipótese de estamos a pesadelar (nota de rodapé: se as vidas se vivem e os sonhos se sonham, porque não se hão-de os pesadelos pesadelar?)
Quando uma coisa destas nos acontece não é só aquele amor que vivemos que fica irremediavelmente marcado. Nem só o período de luto e convalescença que se lhe segue. São, no fundo, todas as relações que venham a povoar as nossas vidas, pelo menos até conseguirmos ultrapassar a rejeição.
É como se até aí o nosso corpo fosse imune a certa doença, e a partir desse momento se tenha tornado irremediavelmente sensível ao vírus, de tal forma que o mais pequeno descuido nos faz adoecer de novo. E mesmo quando não estamos efectivamente doente paira sempre a sombra de que poderíamos estar. E o pior é isso mesmo, viver com uma sombra sobre a cabeça, na angústia do que poderá nunca acontecer, mas cuja ocorrência não é totalmente impossível.
Uma vez tive uma infecção urinária tão dolorosa e prolongada que durante quase um ano, sempre que ia repetidamente ao quarto de banho começa a pensar que a infecção tinha voltado e até chegava a sentir os restantes sintomas, o que me levou a usar e abusar de antibióticos, de tal forma que o meu médico diz que foi uma sorte o meu corpo ainda reagir a eles. Esta é a melhor analogia que consigo arranjar. Devido a um choque emocional particularmente intenso podemos ficar prisioneiros desse momento e transpor para as novas relações o nosso medo mais profundo de que se repita. Usamos e abusamos de meios de defesa que acabam, não por nos proteger, mas por nos afastar. De forma que quando o outro resvala para um comportamento minimamente parecido aquele que tão bem conhecemos – e tememos – fechamo-nos como um porco espinho porque aquela sirene irritante do nosso inconsciente começa a girar, a girar, até se torna num alarme ensurdecedor. Eventualmente acabamos por ser nós a terminar a relação porque, apesar de tudo, queremos manter uma réstia (mesmo bem pequenina) de dignidade.
Ele (ou ela) não liga durante um dia? Notámos uma entoação estranha na sua voz? Parece menos entusiasmado(a) com a nossa presença? Menos combalido pela nossa ausência? Permanece em silêncio enquanto despejamos frases inteiras? Obviamente que a história terminou. A certo ponto desejamos até que termine mesmo, e o mais depressa possível, só para pôr fim a esta ansiedade. Repare-se: tal como pode haver dez milhões de causas que nos levam a fazer xixi a toda a hora (nervos, excesso de água, demasiada cafeína) também existem hipoteticamente milhares de milhões de razões para os comportamentos dos outros. Só que, a certa altura desta nossa doença, aos nossos olhos todas essas razões se prendem connosco, com aquilo que somos ou com aquilo que não somos.
Chega-se ao ponto, verdadeiramente doentio, de transpor para a nossa vida aquilo que vemos na vida dos outros. Ela acabou com ele na serie da Fox? Certamente é o que nos espera amanhã à nós. O primo da tia da vizinha da nossa amiga terminou abruptamente com a namorada? Hum… antevemos já o nosso futuro. No fundo, não somos muito diferentes daquele hipocondríacos que sentem no corpo as maleitas dos outros mal ouvem a descrição dos sintomas.
Moral da historia: os desgostos de amor são infecções urinárias. Devemos precaver-nos dele mediante cuidados mínimos de higiene social e afectiva, atacá-los ao menor sinal, mas não perder tempo a pensar neles. Se tiver mesmo que ser, façam-no na casa de banho, com as cuequinhas pelos tornozelos.

2 comentários:

  1. Vera seu blog é lindo.Dei uma olhada no antigo tbm! Vc escreve tão bem que parece que somos nós leitoras nos descrevendo, falando o que estamos sentindo. Sucesso
    beijos

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