sábado, 8 de maio de 2010

Amigas de amigas têm que ser amigas também?


Bem sei que esta pergunta quase parece o intrincado trocadilho dos três tristes tigres. Mas a complexidade não reside no jogo de palavras, mas na delicada questão filosófico-existencial que lhe está subjacente: em que termos se apresentam as nossas obrigações (se é que alguma existe) para com pessoas que claramente repudiamos, mas que por triste sina, são “gostados” por parte daqueles de quem mais gostamos.
Quase estraguei a amizade com um amiga minha quando lhe comentei que não suportava a amiga dela. Note-se: não me estendi num rol de lamúrias. Se a mim me incomoda queixas mordazes – ainda que pertinentes - sobre as pessoas de quem mais gosto, suponho que aos outros também. Mas daqui não decorre que tenha que aguentar a pastilha - no caso uma daquelas pegajosas e sem sabor – nos meus brevíssimos momentos de lazer. Passo a explicar: naquele Verão a criatura era visita assídua dos nossos rendez-vous, das nossas jantaradas, das nossas idas à praia. Era, inclusivamente, visita assídua do meu carro. Não me importo de dar boleias, tanto mais que eu própria as uso regularmente. Já me importa um bocadinho mais ir buscar e levar a casa pessoas com quem não tenho muitas empatia. Agora, incomoda-me particularmente faze-lo, estacionar o meu baby car para uma noitada com as meninas, e passado umas horas ter a senhora enjoada a pedir para ser levada a casa. Como sou uma gaja porreira (a população mundial que não me conhece diz que sim) ainda fiz o jeito um par de vezes, mas certo sábado à noite achei que demais era demais e sugeri o táxi, tal como eu faço quando não quero incomodar quem já teve a gentileza de me abrir as portas do carro. Agora, a gota de água foi a discrepância de entendimentos quanto à posição que cada um ocupa no mundo, nomeadamente, quanto ao nível de controlo que devemos ter da vida dos outros. Encontros de meninos são isso: encontros de meninas. Para falar do que nos der na realíssima gana, sem pudores, sem escolhas de palavras, sem censura. Nos meus encontros de meninas não estou disposta a acolher uma diácona Remédios que nos trucide a cada comentário mais incauto. E assim terminou uma amizade que nunca se chegou a formar. O pior que ia terminando também com uma amizade já formada com uma pessoa de quem gosto muito, e que sentiu como ofensa pessoal o meu pedido para não nos juntar às duas na mesma situação. Do modo como vejo as coisas tão aberrante seria eu pedir à minha amiga que não passasse tempo com ela como pedir-me a mim para o fazer. Intolerante? Admito. Cada vez sou menos tolerante com a tacanhez humana e mais exigente com as pessoas com quem me relaciono. Provavelmente é da idade, como há pouco tempo bem alguém me fez notar.
Há anos atrás incompatibilizei-me com um grande amigo do meu melhor amigo (segurem-se na cadeira que o drama se adensa). Por uma tolice, reconheço. Provavelmente mais culpa minha que dele, reconheço também, embora continue a entender que o post-conflicto se deveu menos a mim do que a ele. Whatever. O certo é que vivemos de costas voltadas durante um par de anos. Acredito que ambos tentámos ter tento na língua, de forma a não encurralar o nosso comum amigo, mas admito que de quando em vez lá me saía da boca um comentário mais venenoso (e, se bem o conheço, certamente também a ele). Mas como esse nosso comum amigo era mais importante para qualquer um de nós do que as divergenciazinhas pessoais que nos afastaram decidimos um belo dia fazer tréguas e a partir daí vivemos uma periclitante paz social, ocasionalmente abalada por um tiro mais certeiro. Nunca vamos ser os melhores amigos do mundo, mas a verdade é que temos vários pontos em comum, essencialmente a estima e admiração que nutrimos por uma mesma pessoa, e que leva a crer que, afinal, não somos tão diferentes assim.
Em suma, não encontrei no código das amizades nenhuma lei que nos impinja amigos de amigos que nos provoquem uma sensação de absorção, mas ao contrário. Há o dever óbvio de respeito, que limita o teor venenífero de comentários acerca da sua pessoa. Mas, aparte disso, sinto-me absolutamente livre para repudiar alguém do meu círculo existencial. Será que isso faz de mim má pessoa? Provavelmente sim. Mas a verdade é que a vida é demasiado curta e complicada para desperdiçar tempo com companhias que nos fazem desejar estar desacompanhada.

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