sábado, 29 de maio de 2010

If I’m so fucking special, why am I alone tonight?


Ele era fantástico, na medida em que os homens da vida real o podem ser. Não era cavaleiro andante nem matava dragões, não era um daqueles super-policias que perseguem bandidos nem um Indiana Jones, mas era um tipo bem-formado, muito inteligente, culto, divertido, honesto, cheio de bons sentimentos, alto e bem-parecido. Um príncipe.
Ela era fantástica, na medida em que as mulheres da vida real o podem ser. Não era uma criatura alada nem uma super heroína de mini trajes colados a corpo, não agia como uma missionária caridosa em pleno deserto africano nem como uma enfermeira em tempo de guerra. Mas era inteligente, divertida, criativa, apaixonada, sustentava-se a si própria, com um bom índice de massa corporal e um aspecto que não fazia vomitar. Uma princesa.
A diferença é que toda a gente sabia o fantástico que ele era, porque ela não se cansava de falar dele: aos pais, aos primos, aos tios, aos amigos, às amigas, ao ex-namorado, aos coleguinhas de trabalho, à costureira, à telefonista, até o gato já era conhecedor das virtudes daquele homem. Já ela, bem, na verdade ninguém sabia quem ela era. Provavelmente ela era isso mesmo: o segredo mais bem guardado da vida dele.
Ela começou por pensar – até as mulheres fantásticas podem ser ingénuas – que ele a queria proteger de uma família complicada, problemática, com artimanhas capazes de arruinar aquela história de amor. Esta uma coisa que fazemos às vezes: inventamos desculpas para os outros para não sermos confrontados com as suas imperfeições. E com as nossas também afinal. E assim viveu iludida durante muitas luas, dizendo para si própria que isto só demonstrava o fantástico que ele era. Certamente a senhora sua mãe seria uma daquelas sogras de filme, que num acesso de loucura chegam a assassinar as malvadas que se atrevem a roubar-lhes o seu menino.
O curioso da história é que este homem fantástico tinha um irmão, e este irmão tinha uma namorada, também ela certamente fantástica, mas essa era mais que bem-vinda no seio da família. Jantares em conjunto, fins-de-semana em conjunto, até férias em conjunto. Logo, se alguém ali tinha coisas que mereciam ser escondidas não era certamente a família dele, era ela. Ela. A mulher fantástica.
Ela pensava muitas vezes que poderia fazer para ser mais fantástica. Bem, certamente muitas coisas. Mas, em boa verdade, ela estava satisfeita com a pessoa que era. O resto do mundo parecia bastante satisfeito também. Agora que olhava para trás via até que todos os conhecidos, amigos, namorados e pseudo-namorados a tinham exibido com orgulho perante pais, irmãos, família alargada e afins. Não arrotava, não cuspia para o chão, não se coçava em público. Logo, de que raio tinha ele vergonha?
Sim, é certo que ela não era uma rapariga vulgar. Admitamos que tinha no seu passado vivências pouco usuais para uma ordinary girl. Que tinha ambições pouco usuais, que tinha gostos pouco usuais. Que levava até uma vida pouco usual. Assentemos já aqui que ela não era a girl next door. Mas nada disso a impedia de ser uma mulher fantástica.
Os dias iam passando e esta mulher fantástica ficava cada vez mais triste, mais abatida, mais insegura. Podemos ter um ego do tamanho do mundo, mas, no fundo, bem lá no fundo, somos seres tremendamente frágeis. Todos queremos ser amados e aceites. Em última instância é essa a natureza humana. E quando não o somos, nem ninguém nos apresenta uma explicação racional para este fracasso, tudo o mais perde sentido. Numa autêntica fúria filosófica questionamos a nossa própria razão de ser, quem somos, de onde vimos e para onde vamos. E ela, que era uma mulher fantástica, não sabe para onde vai, mas sabe que não vai por aí. Vestiu-se, pegou no saco, saiu porta fora e meteu-se um comboio. Nem olhou para trás. E assim ficou sem saber se era ela que não era suficientemente especial para ele, ou se era ele que não era suficientemente especial para ela.

5 comentários:

  1. Era ele que não era suficientemente especial para ela :)
    Ainda hoje lhe disseram que ela estava fantástica, pá!
    Beijinhos (continuo desconfiada que não estás a ver bem quem é a R. :))

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  2. Got me! Não sei mesmo quem é a R!!!! Hum...
    Não me digas que és o senhor Varandas, por favor.... ;)

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  3. Doida :) Achas que ele punha uma foto de princesa no perfil?! Digamos que sou como tu, uma princesa, mas mais pequenita, uma R..inha! E que amo sapatos. E que também sei descompor os senhores das lojas. E que ... acho que agora já vais saber :)

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  4. ;)
    Não é qualquer realeza que volta às lojas para trocar sandálias de pele que lhe magoam o delicado dedinho do delicado pezinho.

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