quinta-feira, 6 de maio de 2010

O pior D. Juan da história da humanidade


O mundo dos encontros e desencontros amorosos está repleto de frases feitas, destinadas a tentar seduzir o outro, chamar a sua atenção, provar a sua boca, chegar a vias de facto e, eventualmente, roubar-lhe o coração. As frases de engate saltitam por aí como pulgas desvairadas. Algumas ficam na história pela sua completa falta de imaginação, desadequação ou pelo embaraço que nos causam, levando-nos a pensar que o tipo que nos sussurra ao ouvido tamanha aberração linguística é, provavelmente, o pior D. Juan da história da humanidade.
“Posso conhecer-te?” – esta é, de longe, a pior tirada da extensa lista de tolices possíveis. A vontade mais imediata seria responder que pode, desde que eu possa de seguida ignorá-lo.
“Não nos conhecemos de algum lado?” – a questão é que, ainda que efectivamente a situação encaixasse no 0,0000001% de reais reencontros, ainda assim, a verdade é esta: se não reconheço a criatura e nem me dirijo a ela, é porque o hipotético encontro não deixou recordações memoráveis.
“Costumas vir muito aqui?”- este é o momento em que começo a olhar para todo o lado na vã esperança de fugir antes que o meu stalker tente descobrir igualmente onde vivo, qual o numero de BI e o grupo sanguíneo.
“Posso oferecer-lhe uma bebida?” – querido, podes oferecer-me um Patek Philippe, um anel de brilhantes, um descapotável ou mesmo um par de Manolos. Uma bebida? Isso é para pobre, n’é filho?
“Vou já ligar à minha mãe a dizer que conheci a sua futura nora” – esta é um completo tiro no pé. Quem é capaz de achar piada a um totó que conta à mamã todos os pormenores da sua vida? Será que isso inclui o que se passa (ou não se passa) debaixo dos lençóis?
“E se tomássemos uma bebida para nos conhecermos melhor?” – a melhor forma de nos conhecermos será analisarmos os respectivos códigos de ADN. Sugiro que se entregue ao cavalheiro um cotonete com uma raspagem da mucosa bocal para que ele proceda à necessária análise.
“Já te disseram que és uma mulher muito interessante?” – não. E ainda bem. Interessantes são as feias, gordas e estúpidas (as outras são lindas, elegantes e inteligentes), mas chamamos-lhes interessantes para não ferir susceptibilidades.
Falo notar neste momento que provavelmente o meu grau de intolerância – que se deduz das meditações acima expedidas – explica em grande medida o facto de ainda me encontrar sozinha. Fosse eu mais “flexível” e nesta altura estaria a escrever estas máximas existenciais de aliança no dedo (e, quem sabe, um par deles na testa). Mas em minha defesa devo dizer que, uma vez ou outra, lá dancei eu ao som da canção do bandido. Nem o meu coração é de aço nem a minha nem a minha solidão é imbatível. Porém, para mal dos meus pecados (que creio que não tenho, mas não asseguro porque nem sei ao certo o que isso é), escolhi a canção errada.
A pergunta de engate que me calhou foi esta: “E se fossemos ver a vista à minha casa?”. Ouvi esta tricky question no final de um jantar que prometia muito, levando-me a pensar para comigo “O que tu queres sei eu”. E lá subi ao 10º andar para ver a suposta vista, tentando ao mesmo tempo proceder a um autos-canner visual para ver se estava minimamente apresentável. E que sabem que mais? … O convite era efectivamente para ver a vista. De modo que ali ficámos os dois, especados em frente a uma janela gigante, a olhar para um estádio de futebol que se erguia aos nossos olhos. My friends, por vezes ver a vista é, só mesmo, e infelizmente, ver a vista.

1 comentário:

  1. Também há a pergunta "Vamos ouvir música para minha casa?" ao que a menina cautelosa acaba por retorquir "E se eu não gostar da música?" seguindo-se um ataque de sinceridade do moço que finaliza "Se não gostares da música vestes a roupa e vais-te embora!"...
    Tiveste sorte... pena a vista ser um estádio de futebol...

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