segunda-feira, 29 de março de 2010

Senhor desconhecido, quer ser meu amigo?


“Queres ser minha amiga”?
Recordam-se de como era simples? De como tudo era simples quando não passávamos de um metro de gente, e nunca nos preocupávamos em fazer figura de tolos ou com aquilo que os outros iriam pensar?
Infelizmente, já não tenho 6 anos. E embora o meu sentido de pudor se arraste pelo mínimo da escala adulta, ainda assim deparo-me com tamanhas hesitações no momento de conhecer uma pessoa nova que não raras vezes passo por snob. Convenhamos que tenho a minha dose de nariz empinado. E que algumas vezes fui vergonhosa e irritantemente snob. Mas sou, essencialmente, tímida. Já o era, com 6 anos. Mas na altura dava a volta à coisa com um sorriso desdentado e lá ia de mão dada com a pequena criatura que tentava seduzir-me com uma careta. Fazer amigos era tão simples.
Hoje não vou de mão dada com ninguém. Quando a idade quintiplica a tarefa de fazer amigos quintiplica também. Não sei se é de mim ou se é da idade. Não me estou a escusar de responsabilidades. Sou um bicho do mato assumido. Não me alargo em conversas com estranhos. Passo horas silenciosa ao pé de quem não conheço. Já atravessei jantares de olhos postos no prato. Mas há que admitir que o momento não ajuda em nada. É que estou naquela altura em que os contactos humanos se tornaram externamente complicados e estabelecer um qualquer tipo de conexão com um perfeito desconhecido é quase mais difícil que encontrar o príncipe das histórias.
Porque nesta fase da vida a maior parte de nós conformou-se com os amigos que foi fazendo ao longo das décadas, de modo que já não tem disposição nem disponibilidade para deixar entrar alguém no seu mundinho. Ou então não tem tempo. A nossa agenda já não é apenas preenchida com a escolinha, trabalhos de casa e lanches em casa dos avós. Nada disso. São horas de trabalho intenso, noitadas ao computador. Maridos, mulheres e filhos. Levar as crianças à escola. Visitas aos sogros e aos cunhados. Ginásio. Passar a roupa a ferro. Jantaradas com os amigos de longa data. Ena! Onde é que se vai encaixar uma pessoa nova?
Depois, o próprio acto de aproximação humana surge agora rodeado de quid pro quos. Qual o momento adequado para meter conversa? E quando me calo? Quando ele ou ela começar a revirar os olhos? Não será melhor um bocadinho antes? De que falo? O tempo é sempre um tema seguro, mas com recentes alterações climáticas e o mito do fim do mundo podemos passar por fatalistas. De futebol é melhor não, fico muito acirrada com quem não é lagarto. Politica, pior ainda, porque tendo a ficar ainda mais acirrada. Moda é um tema mais pacífico, mas corro o risco de esmagar qualquer possível interesse com a minha costela fútil. Literatura seria interessante, mas cheguei à conclusão que as pessoas raramente leram os mesmos livros, de modo que depressa a conversa se resume a um “ainda não li”. Já para não falar de quem nunca leu um livro na vida. Cinema já permite mais confluências, até porque os filmes não existem assim tantos filmes em cartaz, mas depressa passamos para os filmes de Tv, daí para os canais, e de repente estamos a falar dos programas da SIC mulher ou do noticiário da TVI. Caramba, porque não podemos simplesmente falar da Rua Sésamo e de merendas?
Claro que só me tenho que preocupar com o tema da conversa depois de, efectivamente, meter conversa. E eis aqui o primeiro, e incontornável, problema. Onde e quando é apropriado faze-lo? Estou em crer que no balneário do ginásio, enrolados em toalhas e de cabelo a pingar, está fora de questão. E que tal simular um embate de carrinhos no supermercado? Ou então pisar alguém no metro… Não será que há outra forma de fazer isto sem parecer desastrada?
Fazer amigos à noite está fora de questão. Muito cedo apreendi que as amizades que se fazem em bares e discotecas só duram até ao amanhecer. Além disso, confirmado que está que à noite todos acabamos por ser predadores e presas, a vã tentativa de fazer um amigo depressa será confundida com um engate de ocasião. E isto aplica-se quer a aproximações masculinas quer a femininas. Até porque é moderno ser bi.
Resumindo: a alguém que hipoteticamente mude de cidade e se defronte com o desafio olímpico de fazer novos amigos só restam duas hipóteses, ambas devedoras dos nossos tempos de 6 anos. Ou bem que nos contentamos com amigos imaginários, que sempre saem baratos porque não comem nem bebem e vivem cá dentro da cabeça, ou não resta outra opção senão seduzir o primeiro desconhecido que nos apareça à frente com uma careta. Se não resultar façam queixinha aos pais.

5 comentários:

  1. Parece que resumiste tudo neste post... é a falta de tempo e os quid pro quos das nossas mentes adultas!
    Tiraste-me todas as palavras da boca e fiquei vazio e triste... vazio porque nada tenho a acrescentar, e triste... porque quanto mais a minha idade quintiplica menos compreendo essa necessidade de nos fecharmos no nosso mundinho e recusarmos as caretas que se nos oferecem mantendo os olhos no chão e o sorriso completo dentro dos lábios.
    “Queres ser minha amiga”?

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  2. Ela sorri (e ele foi atrás)... e faz-lhe uma das tais caretas.

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  3. :-s

    Aos 6 anos isso é considerado um sim... E agora?

    ;-)

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  4. Tendo em conta que eu tenho a idade mental de um puto de 6 anos... sim, é...

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