segunda-feira, 8 de março de 2010

Manifesto contra a calçada portuguesa


Nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, subscrevemos este manifesto contra a calçada portuguesa e insurgimo-nos contra as dores, angústias, temores e perdas que por virtude da dita temos sofrido ao longo da nossa pesarosa existência.
Reconheçamos: poucas coisas são mais agradáveis à vista do que um par de pernas bem torneado, com o gémeo definido, a suportar o peso de um corpo esguio como uma gazela. Infelizmente, a maior parte de nós nasce bem com uma fisionomia bem mais tosca, roliças e gordurentas, ou magricelas e com dois pauzinhos espetados, de modo que seguindo os desígnios da mãe-natureza dificilmente faríamos parar o trânsito ao atravessar a rua. Excepto, claro está, se atravessarmos numa passadeira, o que me estraga um pouco este raciocínio. Mas estou em crer que ainda assim as pernas fazem toda a diferença entre o carro parar gentilmente e o condutor perseguir com o olhar os nossos passos ou, pelo contrário, ouvirmos um guinchar de travões, logo seguido de duas ou três pérolas de gentileza a voar pela janela.
Isto para dizer que, em virtude de algumas incorrecções genéticas, aliadas a um sentimento por vezes vil mas ainda assim muito difundido, chamado vaidade, nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, preferimos encaixar como podemos (e como não podemos também) os nossos chispes em delicados sapatinhos que nos desenham o músculo da perna e nos endireitam a figura, deixando espetado aquilo que sempre assim deveria estar, ou seja, mamas para a frente, rabo para trás.
Este é um anseio mundial. Sucede que nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, arriscamos todos os dias a nossa vida quando saímos para a rua e pisamos com o delicado pezinho de Cinderelas (sim, até aquelas que calçam o 43 cabem nesta designação) na calçada portuguesa. Aí tudo pode acontecer: saltos presos nos buraquinho que separam as pedras, escorregadelas na pedra molhada, tropeções nalguma pedra mais saída, lesões sérias naquelas pedras pontiagudas. Basicamente, tudo de resume às pedras. E não às da vesícula, mas igualmente dolorosas.
Se o incidente “salto preso na calçada” tivesse um final mais feliz, ainda vá que não vá. Suponha-se que perante aquela visão de uma donzela amarrada ao chão, sem poder libertar o seu pezinho delicado, um garboso jovem alto e espadaúdo (preferencialmente argentino e médico, mas , na falta disso, também se aceita tuga e piloto) corre em nosso auxilio, nos pega ao colo com aqueles braços fortes e cheios de bíceps (calores!), nos monta no seu cavalo branco (ou na moto da BMW, o que estiver mais à mão no momento), nos leva para o seu palácio (que é como quem diz, para o apartamento onde vive sozinho e que já pagou ao banco na integra) e faz de nós mulheres felizes. Mas não, que eu saiba, tal nunca sucedeu. O mais parecido com este relato é a abordagem de uma senhora-avó, que chega junto a nós, pergunta se está tudo bem e nos fala de um suposto neto que se ali estivesse muito gosto teria em nos ajudar. Mas o cenário mais frequente é mesmo ter ali 2 ou 3 espécimes masculinos especados no meio da calçada, a olhar para nós como quem não percebe a nossa angústia, alguns perdidos de riso, sem perder a oportunidade de nos tirar as medidas enquanto nos debatemos com a calçada para salvar o sapato, numa operação de salvamento digna de uma força das tropas especiais. E alguns olhares foram de tal forma, digamos, suspeitos (tipo… Norman Bates em Psycho) que só não saí dali a correr descalça porque seria incapaz de deixar o sapatinho ali sozinho.
Cavalheiros, de modo a perceberem a nossa angústia: a dor que sentiriam ao ver o vosso Porsche, o vosso BMW ou mesmo o vosso Renault 5 (não quero discriminar ninguém) transformado num ferro-velho é a mesma que nos assola quando vemos os nossos Manolos, ou os Paulo Brandão, ou mesmo os Zara, esburacados e decepados do seu salto.
Nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, delatamos aqui as inúmeras vezes em que derrapámos, escorregámos, tropeçámos e torcemos tornozelos. Meus senhores, nós somos vítimas inocentes da violência da calçada portuguesa. Parem este flagelo, por favor.
Atire a primeira pedra (e nunca mais bem dito) aquela que não tem para mostrar um hematoma ou um salto partido. Sim, é que a calçada não exerce a sua violência cruel apenas sobre a integridade física das mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm. É absolutamente impiedosa para os sapatos. A esperança de vida dos pobrezinhos diminui drasticamente nos países adeptos da dita.
Dito isto, termino este manifesto com uma promessa a todas as mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm: se um dia eu chegar a Presidente, Primeira-ministra ou Bastonária, a minha primeira medida vai ser tirar todas as pedras da calçada e em seu lugar cobrir tudo de cimento. Cor-de –rosa, claro. Ou não fosse eu quem sou.

3 comentários:

  1. eu sou fã de saltos agulha de 10 cm. mas tive que me render aos também na moda saltos grossos (de 10 cm tb), por causa destas calçadas. e mesmo assim de vez em quando sinto perigar o equilíbrio. Pr isso - asssimo por baixo!!!!!

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  2. menina... você tem problemas mentais. claramente.

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