domingo, 28 de março de 2010

A importância de um segundo


As palavras, as acções, as omissões, tudo isso tem um tempo. Há um momento certo para cada coisa. Se chegarem demasiado cedo chegam fora do tempo. Se chagarem demasiado tarde chegam fora do tempo também.
Eu, que sou apressada devido à minha carga genética, peco sempre pela antecipação. Diga as coisas quando ninguém ainda as espera. Uso os sapatos quando ninguém nunca os viu. Corto o cabelo antes de alguém o ter sonhado assim. Vivo antes do tempo talvez. Como se o mundo ainda não estivesse preparado para mim. Eu, pelo menos, gosto de pensar que é assim. Mas talvez seja ao contrário, e admito até que seja eu a não estar preparada para o mundo. E decido tudo no tempo que tarda o bater de asas de uma borboleta. Sem indecisões. Sem meios-termos. Posso até dizer que mais dilemas me suscita comprar um casaco do que decidir a minha vida durante 20 anos.
Em contrapartida, os outros chegam sempre demasiado tarde para mim. Sobretudo as palavras. As palavras dos outros tocam nos meus ouvidos quando a cabeça e o coração já desistiram delas. É como se dissessem as coisas quando para mim deixaram de ser importantes. E por isso são apenas sons que ficam ali, no ar, a pairar. E que aborrecida eu fico por já não lhes poder dar sentido. A sério que as querias utilizar. Fazer delas poesia. Magia. Mas sou inepta no que toca ao aproveitamento daquilo que era mas já não é. Os resquícios do que podia ter sido.
Acontece-me muito com gestos e palavras. Porque eu sei imediatamente quando gosto de alguém. E não temo em dize-lo. Sabe-se lá quando é que vou cair fulminada no chão por um raio ou por um telhado, e parto daqui sem dizer às pessoas o importantes que foram para mim e o quanto gostei delas. O mesmo vale para quando não gosto. Há quem o guarde para si e o moa e remoa dentro das vísceras, sem nunca o contar a ninguém ou então partilhe aquela raiva passados anos, décadas mesmo. Eu não. Anatomicamente tenho a boca desmesuradamente grande e por isso sinto alguma dificuldade em prender as palavras dentro dela. Por vezes arrependo-me, confesso que sim. Tantas vezes disse o que não sentia de verdade, mas cuspi aquelas frases como se me queimassem a língua. E imediatamente depois desejava eu voltá-las a sentir a queimar. Demasiado tarde.
Dizem que o ponto óptimo é sempre o equilíbrio. Nem tarde nem cedo. No tempo certo. Mas eu também nunca garanti que era equilibrada. Por isso vivo neste anseio de ouvir aquilo que chega sempre demasiado tarde. E depois, quando finalmente chega, já não sei o que lhe hei-de fazer. E arrasto comigo, no um baú de recordações, a memória de todas essas palavras e sentimentos que empurrei lá o lixo das sensações e dos sentimentos. Se alguém em puder explicar como os poderia reciclar ficaria muito agradecida

1 comentário:

  1. Gostava de saber explicar como se poderiam reciclar esses sentimentos...

    De qualquer forma, acho que já tinha lido este post pelos saltos altos e não comentei por isso, e uma vez mais, qualquer palavra agora chegaria fora do tempo, não é?

    ;-p

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