sexta-feira, 5 de março de 2010

A alegoria da caverna


“Eu só me vejo com um tipo que ande no ginásio. Olha para mim… achas que me poderia estar com alguém menos activo e mais fraco do que eu?”. Pois… bem pensado… com esse corpo… não te vejo com uma bola de sebo ao lado…
“Verinha, não admito sequer estar com alguém que não possa acompanhar-me aos restaurantes onde gosto de ir e nas férias a que estou habituada”. Mas claro que sim. Pois se tu gostas de comer rabo de boi (já viram o preço do rabo?) em restaurantes de estrelas Michelin e de passar férias em destinos paradisíacos, não me parece justo que te remetas a Mac’s com batas fritas e a uma tenda no parque de campismo de Alguidares de Baixo só porque o teu namorado vive com o salário mínimo.

Tenho pensado naquilo que eu espero da minha meia-laranja. Espero muito. Talvez demais. Mas até ao momento ainda não tinha conseguido individualizar a nota básica, o turn on total, aquilo que me põe de quatro e a arfar. Isto até ao dia em que, no contexto de uma conversa acerca dos meus planos de vida, referi que estranhava que alguns amigos não vissem as virtualidades do meu novo projecto pessoal. Eis senão quando (viciada digo-vos, estou viciada nesta expressão) “ele” se sai com esta: “Isso é como a alegoria da caverna. Eles não estão a ver mais longe”.
STOP
O “ele” referiu a alegoria da caverna??? De repente, o alarme anti-paixões soou na minha cabeça, no corpo todo (if you now what I mean…), na ponta dos pés inclusive. Já é bizarro que alguém conheça a alegoria da caverna. Mais ainda que esse alguém seja um menino. Mas verdadeiramente extraordinário é que seja um menino engenheiro. Sem desprimor para os próprios, note-se. Cerca de 80% do meu círculo de amizades responde por senhor engenheiro (ou senhor licenciado em engenharia, para reviver a encenação no nosso Primeiro). Mas, convenhamos, não são pessoas muito dadas a leituras filosóficas…
Ainda pensei que fosse mera coincidência. Que tivesse ouvido aquilo na rádio ou da boca de alguma miúda em cenário de engate. Mas alguns dias depois atira-me outra à cabeça (e ao coração): o sermão aos peixes do Padre António Vieira.
Fechem a boca. Eu também fechei a minha….depois de apanhar o queixo que na altura me tinha caído ao chão. Primeiro filosofia, agora literatura….o que virá a seguir?
Bailado. Não estou a inventar. Eu, que sou uma apaixonada por ballet clássico, lancei para o ar que gostava muito que ele me acompanhasse a um espectáculo de dança. Quase antevia que o “ele” iria recusar. Não me enganei. Mas recusou explicando que não apreciava ballet, não obstante reconhecer que Nureyev disponha de capacidades físicas extraordinárias. Um soco no estômago não me teria deixado mais abalada. O homem tinha encontrado a ranhura onde meter a moeda que me põe em andamento.

Não me compreendam mal. É claro que eu, que me esforço por combater a lei da gravidade no ginásio, também não me contento com tipos de barriga descaída e duplo queixo. Tão-pouco vejo como provável a assunção do cargo de
“pagadora oficial de contas” ou, em alternativa, conformar a minha vida aos padrões de tasca de 3.º e pensão de lençóis sujos porque o prazer de uma determinada companhia a isso impõe. Mas tudo pode acontecer na vida. Life is just like a box of chocolats, isn’t it?
Ainda assim, por via de princípio, procuro um par de bíceps, cartão de crédito, sentido de humor, 1.90m, experiência de vida, beijos molhados, bons valores sedimentados e tudo mais a que as princesas do conto de fadas têm direito. A este elenco de coisas impossíveis falta, porém, aquele que é o meu turn on fundamental, aquilo que me deixa ofegante e quase tonta: os dois dedos de testa.
As pessoas podem-nos cativar de muitas formas. Quando se fala de príncipes encantados a excitação pode provir dos mais pequenos detalhes, desde o levantar de uma sobrancelha ate um tique nervoso que o faz mexer a boca quando pensa. Tudo isso é lindo. Mas a alegoria da caverna foi o “click”. Nunca Platão imaginou que a sua parábola fosse hoje utilizada como critério identificativo de meias-laranjas. Obrigado por me fazeres sair da escuridão Platão. I see the light now.

3 comentários:

  1. No "domínio das idéias/nóesis": meia laranja ou meias laranjas em vários momentos da nossa vida...!? Ano de 2004...

    ResponderEliminar
  2. No "domínio das ideias/noésis": meia laranja ou meias laranjas em varios momentos da nossa via...!? Ano de 2004...

    ResponderEliminar
  3. É verdade, as meias laranjas vão aparecendo ao longo da vida. Resta saber qual é a nossa.
    2004 foi um ano memorável. Pelas coisas e pelas más. Não esqueço nenhuma delas.

    ResponderEliminar