sexta-feira, 12 de março de 2010
Coisas pelas quais vale a pena chorar
O meu carácter esquizofrénico oscila entre duas personalidades tão opostos entre si como um Óscar e uma Framboesa de Ouro. Uma tem uma enorme dificuldade em chorar e engole as lágrimas das milhentas dores do dia até ao ponto em que abre as comportas como uma barragem e chora baba e ranho até estar prestes a afogar-me. A outra é uma chorona empedernida, que até nos desenhos animados derrama lágrimas, desde o momento em que morre a mãe do Bambi até àquele em que o pequeno dinossauro se perde da sua manada.
Porque sou conhecedora do tema, decidi então meditar um pouco sobre as coisas que nos fazem chorar. E na tentativa de tornar a coisa mais científica levei a cabo um estudo destinado a concluir quais dela valiam a pena e quais eram uma total perda de tempo e de fluidos.
Coisas pelas quais não vale a pena chorar:
i) Por zangas com familiares: os laços de família são altamente sobrevalorizados. O que conta são os laços efectivos, que nos podem ligar a pessoas que não têm connosco nenhuma semelhança genética. Se o avô prefere os outros netos, ou se a tia mesquinha nos acusa de andarmos atrás de heranças, isso é problema deles, não nosso;
ii) Por vicissitudes do trabalho: no trabalho há que ser duros e implacáveis. Olhos inchados não se compaginam com o exímio profissional que todos queremos ser. Por isso, o melhor é fazer das lágrimas força, fúria mesmo, e utilizar toda essa energia para trabalhar pela noite dentro, já+a que chorar na almofada dá dor de cabeça e retira a concentração;
iii) Partir uma unha: as unhas longas estão demodée. Viva as unhas curtas que não nos magoam ao tirar as lentes de contacto;
Coisas pelas quais vale a pena chorar.
i) Perder um amigo: os amigos, tal como os guarda-chuvas, podem ser facilmente perdidos. Não que nos esqueçamos deles em algum lado, simplesmente, esquecemo-nos deles. Ou eles de nós. O que equivale ao nosso próprio guarda-chuva esquecer-se de nós. E assim como as pessoas sem guarda-chuva se molham e podem ficar constipadas, em última instância apanham pneumonia e morrem, também a perda de um amigo mata um bocadinho de nós porque aquela pessoa já se tinha integrado entre a nossa epiderme e a nossa derme;
ii) Estragar um sapato: porque os sapatos são nossos amigos e, por conseguinte, equivale a perder um melhor amigo;
iii) Ganhar 5 quilos: neste caso não choramos apenas pelo facto de nos termos aproximado de mamíferos marinhos, mas também porque chorar deve, certamente, gastar algumas calorias;
Se há coisa pela qual não devemos, de todo chorar, é pela ruptura de uma relação. Claro que é a minha vertente racional a dizer isto, porque em boa verdade quando sou eu a interveniente de um desses dramazecos de filmes de série B, choro como se o mundo fosse acabar naquele mesmo momento. Ora, quando um, ou os dois, decidem terminar uma relação não se está a perder nada, mas sim a ganhar. A ganhar a oportunidade de poder encontrar o verdadeiro amor da nossa vida. Basta que um não esteja bem na relação para tomarmos isso como um sinal de que não é aquilo que andamos à procura. As histórias de amor pelas quais vale a pena chorar são aquelas em que as coisas terminam por motivos completamente alheios à nossa vontade, e isso apenas acontece quando o amor da nossa vida morre. Como nos filmes e nos romances. Como da Dama das Camélias. Aí as coisas terminam de uma forma que não podemos evitar. Em todas as outras situações podemos inventar mil e uma desculpas para as coisas não resultaram, mas, em boa verdade, se não resulta é porque não queremos que resulte, porque as nossas prioridades assim o ditaram. Não é a vida, nem as suas circunstâncias, que nos controla a nós e que decide o nosso destino. Somos nós que orientamos a nossa vida como bem entendermos. Se achamos que um trabalho, um capricho, uma queca, uma noitada com amigos, que tudo isso vale mais do que a relação, então, trata-se de uma decisão nossa. De modo que terminar uma relação não é motivo para lágrimas, mas para esperança por dias melhores e pela possibilidade que se abre de poder encontrar a real meia-laranja. Se ainda assim quiserem derramar umas lágrimas, não chorem por um suposto amor perdido, mas sim pelo tempo que perderam com ele.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Chorar faz bem, mas só quando é pelas razões certas. o Unico problema é conseguir controlar as emoções, realmente.
ResponderEliminarExcelente.
Muito bom,gosto muito das tuas palavras.E se há que chorar se chora e já está, não é?
ResponderEliminarBjs.
Temo que esteja enganada… A família (entenda-se pais e irmãos) nunca é sobrevalorizada demais. É nela que nos revemos e que nos regeneramos dos males da vida. A família é o elo mais puro e perfeito que tenho mesmo que esporadicamente me afogue nas suas falhas que me magoam deveras… Mas no fim de tudo são eles que nos erguem mesmo que tenham sido eles a colocar-nos naquela situação (“omnia vincit amor”).
ResponderEliminarCarissimo anónimo
ResponderEliminarA “família” pode ser um grupo de pessoas que se amam e cuidam uns dos outros, funcionando como ninho quando partimos uma asa. Mas pode ser também um mero aglutinado humano unido por códigos genéticos e relações de afinidade. O que eu quero dizer é que não existe qualquer regra suprema que nos force a amar e a partilhar com pessoas com quais as únicas coisas que partilhamos são a pertença a esse aglutinado humano.
Tenho para mim que gostamos de… enfim, de quem gostamos, e não de quem temos que gostar. O facto de essa pessoa ter o nosso mesmo apelido ou alguns alelos em comum connosco acaba por ser mera coincidência.
O que tentei dizer foi que a família nuclear é a única coisa pela qual vale a pena chorar. Por mais que amemos os amigos nunca serão mais importantes que os irmãos, os pais... serão sim mais importantes que os tios, os primos, etc... os amigos são a "segunda família" que escolho ao longo da vida, mas a família que me foi imposta será sempre aquela pela qual tenderei mais. Concordo consigo quando diz que gostamos de quem gostamos e não de quem temos que gostar, mas os pais e os irmãos não se incluem aqui... no resto da família a expressão "assenta" que nem uma luva.
ResponderEliminar