quinta-feira, 25 de março de 2010

O relógio biológico


Tic, tac, tic, tac…
Dizem que as meninas nascem com um relógio biológico cujo ritmo vai aumentando à medida que nos aproximamos dos “inta” sem alguma vez termos disparado cá para fora um novo ser humano.
Não posso confirmar nada. Na verdade, nunca ouvi nenhum tic, tac nos meus ouvidos, nem nas minhas radiografias alguma vez apareceu algum par de ponteiros. Claro que pode ser um daqueles relógios digitais, mas também não houve até ao momento médico que me apontasse um par de dígitos entre as costelas.
Resumindo: tenho para mim que esta história do relógio não passa de um mito urbano inventado por avós ansiosos para que nasça mais gente, porque, afinal, é do aumento populacional que se pagam as reformas. E, claro está, não há avô ou avó que diga que não a outro neto que possam mimar e empanturrar de coisas doces até o puto estar anafado.
Tic, tac, tic, tac…
Dito isto, reconheço porém que me babo à mera visão de um bebé (mesmo dos feios, que esta história de todas as crianças serem bonitas foi certamente inventada por alguém mais míope do que eu). Reconheço que pego nos filhos dos amigos como se fosse pãozinho acabado de sair do forno e que dou por mim a esconder almofadas debaixo da blusa só para confirmar que farei uma grávida bonita. Delicio-me tanto com aqueles pequenos sapatinho tamanho 1 com a mesma excitação que sinto com os meus 37 de salto agulha. E estou em crer que um dia destes até seria capaz de mudar uma fralda!
Claro que as milhentas histórias de amigos papás, sobre criancinhas dos amigos papás, e sobre gravidezes de amigas… me deixam tonta. Tonta e sem fôlego. Não minto. É que não há forma de quem não tem filhos conseguir achar interessante os relatos que envolvem vaginas a dar de si, partos, placentas, diarreias, dentes a romper, viroses, e etc e tal. Recordo um célebre jantar em que o grupo das meninas, todas elas grávidas, já-não-gravidas, ou pré-grávidas-quase-a-ser grávidas, debatiam com avidez a questão das estrias. Minhas senhoras, por favor, podemos antes falar de bikinis e viagens? A certa altura abandonei o grupinho e fui ter com os meninos, que neste momento da minha vida ainda é mais interessante falar de futebol do que de depressão pós-parto. Mas isso é hoje. Ou melhor, era naquela altura. E será porventura amanhã. Só isso. É que eu sou daquelas que não imagino a minha vida sem ter um alguém a quem amar incondicionalmente e que me ame a mim também assim.
Tic, tac, tic, tac…
Ao contrário do que corre por aí este instinto não é tipicamente feminino. Assim, de repente, posso nomear 100 amigas que não vibram com esse desejo e que se sentem plenamente concretizadas como mulheres. Eu respeito. E quase as invejo. Porque quando assim não é, quando por mais que se faça e por mais longe que se vá se sente este vazio, a procura é desgastante.
Tic, tac, tic, tac…
Sobretudo porque esta é uma das poucas coisas que não posso fazer sozinha. Eu sou aquela que mudou de cidade, de país, de vida, tudo sozinha. Que até aprendeu a pregar um prego para sobreviver pelo próprios meios e que, pelo mesmo motivo, trabalha até não abrir mais os olhos de forma a não depender economicamente de ninguém. Mas o baby… bem, a não ser que eu consiga produzir espermatozóides nos meus ovários, o projecto não parece fácil de realizar a solo. Felizmente essas coisas já se doam e se injectam, o que cria alguma esperança àquelas cujo príncipe encantado caiu do cavalo e anda por aí perdido nalguma estrebaria.
Claro que sou assaltada por dúvidas por causa das coisas que terei de abdicar. Ginásio uma vez por semana, se tanto. O que não ajuda nada tendo em conta que as ancas passarão a ter a largura de uma porta e a barriga cairá até aos joelhos (devia ter prestado mais atenção aquela conversa das estrias). O boudget da roupa vai ficar altamente reduzido e as prateleiras livres no roupeiro também. O espaço que os meus iogurtes e o meu leite de soja ocupam agora no frigorífico passará a ser ocupado por boiões com coisas viscosas e repugnantes lá dentro. A minha mala de griffe será substituída por um daqueles sacos gigantes com biberões a sair pela costura. Mas, sabem que mais? Tudo isso vai valer a pena.
Só espero que valha também para ele. Ou para ela. Whatever. Porque no fundo, a questão mais importante é: que tipo de mãe vou eu ser? Autoritária? Permissiva? Mãe-galinha? Lamechas? Uma coisa é certa: não tenho a mínima autoridade moral para lhes proibir tattoos e piercings. Esperemos que sejam bem mais sensatos do que mãe.
Tic, tac, tic, tac…
Alguém em ensina a tirar as pilhas a este maldito relógio? Estou em crer que adiantou a hora.

3 comentários:

  1. Temo que não exista nenhuma maneira de parar esse maldito relógio... E não, não adianta começar a caminhar para trás, passar uns tempos por dia no congelador ou emigrar para um pais frio, fazer a rotina diária ao contrário ou a um ritmo mais lento e muito menos conduzir de marcha-atrás!!!
    Só há uma solução à vista...cumprir o destino =) E já no próximo dia 28 o relógio vai adiantar mais uma hora :-O

    Este post lembra-me o livro "Mecânica do Coração" onde um rapazinho tinha um relógio de ponteiros no lugar do coração mas a necessidade do instrumento como peça fundamental para a sua sobrevivência não passava de uma ilusão, algo em que sempre tinha acreditado e acabou por desperdiçar as melhores coisas da sua vida em prol dessa suposta fragilidade. Não te preocupes... Cease the moment, até o cuco cantar!

    É que eu sou daquelas que não imagino a minha vida sem ter um alguém a quem amar incondicionalmente e que me ame a mim também assim.
    Admiro isso, muito mesmo... e há muito que não ouvia uma mulher dizer algo que se aproxime sequer de tal coisa, parece até o bicho papão dos tempos femininos modernos (bom, se calhar eu também não falo assim tanto com a espécie...)

    Já te disse que gosto do modo como expões as tuas ideias? Parabéns

    Tic Tac Tic Tac Tic Tac... cu-cu!

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  2. Suponho que as ideias de emancipação, afirmação pessoal e realização profissional nos toldaram as prioridades. Entenda-se: eu acho que todas as escolhas são legitimas as long as we are happy. A minha felicidade passa, claramente, por teses, pareceres, publicações. Para mal dos meus pecados, passa também por nove meses de gestação, birras, dentes a romper, noites mal dormidas.
    Como te digo, se houvesse forma de me fechar em casa durante uns dias ao PC e “escrever” um bebé como quem escreve um artigo… meu amigo, assinaria este post como Mummy.

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  3. ;-)

    Fechar em casa durante uns dias e "escrever" um bebé parece-me bem... ao PC ou não, tens de começar por uns "rascunhos"!

    Eh Eh Eh

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