sexta-feira, 18 de junho de 2010

O timing da paternidade


Os meninos e as meninas são diferentes, e este é um dado comummente aceite na comunidade científica. Eles fazem xixi de pé, nós sentadas (ou melhor, a pairar sobre a sanita, não vá o diabo tecê-las e o bichinho da infecção urinária saltar-nos para cima, ou para baixo, depende da perspectiva). Eles protegem as partes baixas ao jogar futebol, nós as partes altas (ou as que desejaríamos que fossem altas). Eles acham piada a duas mulheres a ter sexo, nós não achamos piada nenhuma a dois homens no mesmo cenário. Eles nunca estão prontos para a paternidade e nós parece que nascemos já a querer ser mães.
Como é sabido, o nosso prazo de validade no que à maternidade respeita é extremamente limitado. Como se não bastasse o facto de ser universalmente sabido, ainda temos as vozes amigas que nos recordam disso. Há um par de anos atrás fui ao casamento de uma colega de curso, sozinha e sem baby, e de repente vi-me rodeada de uma série de coleguinhas, todos com os respectivos rebentos ao colo e uma aliança no dedo (será que ainda a têm?) a perguntar-me se já tinha filhos. E por mais que eu tentasse explicar que não, porque tinha acabado de chegar de Angola, onde estivera ao serviço do Estado português, quase uma 007 ao serviço de Sua Majestade, o que verdadeiramente interessava para aquelas almas era o mero, simples e singelo facto de eu não ter procriado.
Importava para elas e para mim. Porque não obstante as viagens, as teses, os artigos, as conferências, as viagens, os sapatos, as saídas, os martinis, as carteiras, o ginásio, e tudo o mais que supostamente preenche a minha vida, também para mim isso importa. É importante. É o mais importante. Eu nasci para ser mãe.
Por isso compreenderão a minha angústia quando há dias, num daquelas almoços de trabalho onde estou sentada no meio de 20 médicos, um deles se vira para mim e mais certeiramente do que um tiro me pergunta a idade. Atirei os 34 anos para a mesa com a auto-confiança de quem sabe que parece ter bem menos, mas todo aquele fogo foi rapidamente apagado com a resposta do Xô Dtor: “ E ainda não tens filhos? Eu, se fosse a ti, pensaria em congelar os ovócitos porque estás a ficar sem tempo”. E assim me deu ele que pensar naquele almoço (já sem apetite), nas horas que se seguiram, nos dias se que seguiram. Ainda hoje penso no assunto.
A isto respondi eu, da forma mais brutalmente sincera que sou capaz: “Sabe senhor Dr., eu já teria tido filhos se houvesse por aí algum homem que os quisesse ter comigo”. Porque é isso que se passa. Os homens de hoje não querem ter filhos, não se sentem preparados para ser pais, amedronta-os a ideia de serem responsáveis por alguém que não o seu próprio umbigo. Coma minha idade já os meus papás eram pais há muito tempo. Porventura começaram cedo demais alguns. Mas não é preciso chegar à idade em que usualmente se é avô para começar a pensar em ser pais.
Quantas vezes não ouvimos já: “Anda não estou preparado”? Curioso. Para comer miúdas, andar de mota, sair com os amigos e voltar de madrugada para casa com cheiro a whisky que tresanda estão sempre preparados. A verdade é que quem não está preparado com 30 e tal anos de vida nunca o vai estar. A dura realidade é que os espécimes que supostamente deveriam ser os homens das nossas vidas são eternos putos. O que nos faz pensar na desnecessidade de termos filhos, uma vez que vamos acabar os nossos dias com tipos que têm o mesmo grau de maturidade que essas crianças que desejaríamos ter.
“Ainda não tenho estabilidade económica”. De facto, este T3 na melhor zona da cidade, o carro topo e os jantares no XL revelam alguma insuficiência económica.
“Precisamos de nos conhecer melhor”. Conhecer até onde? As raízes genealógicas até ao tataravô?
Há pouco tempo comentava-me um pai de três, da minha mesma idade: “Eh pá, não consigo pensar em excitação maior do que comprares um carro novo, ires mostrá-lo ao teu filho e dares uma volta com ele”. Porque é disso mesmo que se trata. Ficar entusiasmado com coisas diferentes daquelas que nos excitavam quando tínhamos 18 anos. Não é envelhecer, é crescer, é evoluir. É sentirmos que estamos a nossa vida está a andar para algum lado, e que nesse caminho não vamos sozinhos.
Numa altura em que tanto se fala no envelhecimento geral da população, e na preocupante diminuição de nascimentos, poderia invocar aqui argumentos de ordem demográfica, económica e social para sustentar o meu argumento. Mas não é nada disso que se trata. O meu é um argumento de necessidade pessoal.
É óbvio que hoje em dia o papel biológico de um pai é, praticamente, irrelevante. A única coisa de que ainda não conseguimos prescindir é do contributo biológico masculino, mas deixem vir a clonagem e falaremos sobre isto de novo. Agora, depois do contributo inicial, que tanto pode vir de um dador anónimo como de um encontro casual de uma noite, tudo o mais pode desenrola-se sem a presença de um homem, e eu até advogo as novas famílias e o acesso de mulheres singulares às técnicas de reprodução assistida. Pode ser assim. Mas não será a mesma coisa. Porque por muito boa mãe que eu vá ser - e disso não duvido nem um segundo – serei melhor ainda se tiver ao meu lado um apoio. Alguém que o/a leve a jogos de futebol, o/a ensine a andar de bicicleta, o/a leve às cavalitas. O papel social de um pai continua a ser tremendamente relevante. E é sintomático de uma sociedade doente que hoje em dia tantas mulheres se decidam pela maternidade singular. Raramente é uma opção livre, no sentido de opção entre muitas outras possíveis escolhas. Para a maior parte de nós a outra escolha é, simplesmente, abdicar de uma parte substancial da nossa realização pessoal .
Tudo isto porque os putos não estão preparados para serem pais.

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