terça-feira, 15 de junho de 2010
O camaleão que há em mim
Às vezes queremos as coisas com uma força tal que parece que se a vida nos trocar as voltas e aquilo não acontecer do modo como tínhamos planeado na nossa cabecinha o mundo acaba ali mesmo. Reformulo: às vezes quero as coisas com uma força tal que parece que se a vida me trocar as voltas e aquilo não acontecer do modo como tinha planeado na minha cabecinha o mundo acaba ali mesmo.
De facto, esta reflexão surge no seguimento do post anterior: é precisamente aquela intensidade que dá ritmo à minha existência a dar causa aos Armagedons que volta e meia me dão cabo da (pouca) tranquilidade que tenho.
Isto vale para as grandes e pequenas coisas, para os grandes e pequenos desejos. Suponha-se - é um “suponhamos” - que começo a partilhar jantares com um cavalheiro e que a coisa até nem corre mal, a ponto de começarmos a ser vistos juntos em público e de chegarmos a trocar fluidos bocais. Pois nesta altura começo eu a criar cá dentro a expectativa de ser ele a minha meia laranja e fazer planos sobre o que pode suceder. Planos imensos, onde a páginas tantas já escolhi os nomes dos nossos filhos e o sitio onde vamos passar a lua-de-mel. Está bem de ver que, quando passado um mês começamos a discutir até sobre o sítio onde tomar café e a love story se torna uma I don’t care story, o meu castelo de cartas desmorona-se e eu, que já me empenhara naquilo como se o homem fosse o amor da minha vida, desmorono-me um bocadinho também. O que não é mau de todo porque, afinal, perder o apetite nunca fez mal a ninguém e dá sempre jeito perder um par de quilos.
Esta era a “pequena coisa” de que falava. Agora uma “grande coisa”: vamos ficcionar porque é de mera ficção que se trata – que compro um vestido lindo, daqueles que escondem o que há que esconder, levantam o que há que levantar e fazer nascer curvas onde elas não existem e deveriam existir. Porém, com um grande senão: aquela cor, aquele azul do pequeno debruado do vestido não existe em nenhum sapato da minha colecção centenária. Claro que sempre poderia usar um sapato amarelo que, afinal, é a cor do vestido. Mas… há alguém que use sapatos da mesma cor do vestido? Ainda para mais, em amarelo? Mais vale mascarar-me de Piu-Piu de forma descarada.
O mundo está prestes a acabar!!!!! O que é que vou fazer com um vestido que me engoliu o salário se não tenho nada para calçar?.... Pensa Vera, pensa… Felizmente aparece sempre aquela amiga solicita que acabou de ver umas sandaloscas exactamente daquele azul no shopping junto à casa dela, que fica apenas… a 10 ou 20 paragens de metro… mas que se lixe! Valores mais altos se levantam! E é assim que euzinha começa logo a fazer filmes sobre o fabulosa que vou ficar com o vestido e as sandálias. E começo a pensar numa bandolete, nos brincos, na sombra, na bracelete do relógio. Em boa verdade, construo toda uma série de indumentárias com base nos sapatos novos que vou ter, e de repente, naquele mundo que existe na minha cabeça, já eu era a feliz possuidora de um guarda-fato novinho em folha. É que depois vou precisar de uma mala para dar com os sapatos, e seria um desperdício ter uma carteira amarelinha sem uma camisa que fizesse pandant, e esta, por sua vez, que bem ficaria com uma saia denim bem escuro, e aí por diante. Enfim, faço as tais 10 ou 20 estações de metro, chego à Meca que iria mudar a minha vida e, vai-se a ver, os sapatos eram feios como um liftiing mal feito, costuras imperfeitas, um material que tresandava a plástico e um salto digno do calçado Guimarães. Que posso eu dizer? Não há nenhuma lei que imponha que as amigas solícitas e simpáticas tenham igualmente bom gosto.
Ora, que fazer quando aquilo que mais queríamos – um par de sapatos amarelos, o amor da nossas vidas, um emprego, a admiração de uma amiga, um bebé tãodesejado, um laptop, a cura de uma doença, o que seja – não acontece? Que fazer quando o mundo se desmorona assim à nossa volta? Damos uma cabeçada na parede, gritamos furiosamente (aconselho a faze-lo protegida pelo toque de uma vuvuzela) e depois continuamos as nossas vidas, conformando-nos com as circunstâncias e adaptando-nos a elas. Como um camaleão.
Darwin tinha a sua razão quando advogou a selecção natural da espécie. De facto, só sobrevive o mais forte. Na selva que é a vida em comunidade só sobrevivem mantendo a sanidade mental e permitindo-se laivos de felicidade aqueles que conseguem viver com as desilusões e com as expectativas goradas. Eu, pessoalmente, tenho muita dificuldade em lidar com as frustrações. Sendo uma control freak, e metendo muito de mim em tudo aquilo que quero, o resultado óbvio são decepções brutais, equivalentes àqueles saltos em que o pára-quedas não abre e o fulano se estatela no chão. Assim sou eu. Dia sim, dia não, caio de cabeça e apercebo-me que aquele momento de felicidade brutal que tinha vivido ao convencer-me (primeiro da possibilidade e depois da efectividade) da realização de um sonho, afinal, não passa disso mesmo: um sonho. Por isso sou camaleónica. E mudo de sonho todos os dias, como quem muda de cor.
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não é isso que eu procuro !
ResponderEliminarQue "isso" é esse? Um sapato azul? Espero que não, carissimo anónimo. Posso garantir-me que é mais dificil de encontrar do que um petit gateau feito como deve ser.
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