sexta-feira, 25 de junho de 2010

Grandes esperanças


Quando Dickens escreveu as “Great Expectations” estava ele longe de imaginar que a vida de muitos de nós se pauta, no seu essencial, por grandes, tolas e irritantes esperanças, sem a presença das quais estaríamos bem melhor.
Porque é que guardamos no armário aqueles jeans estreitíssimos, que vestíamos quando estávamos na universidade, há uma década atrás e uma dezena de quilos abaixo, quando, em boa verdade, nunca mais nos vamos conseguir enfiar neles, porque o nosso corpo mudou? Mesmo que por algum milagre os conseguíssemos abotoar não passaríamos de uma tripa enfiada num preservativo gigante. Mas guardamo-los porque mantemos a estúpida esperança de no próximo mês encontrar uma dieta milagrosa ou, melhor ainda, o nosso corpo começar, como por magia, a dissolver gordura ex officio, sem necessidade do estímulo exterior de uma corrida ou de uma boca fechada às refeições.
Porque é que ainda guardamos no telemóvel o número de uma antiga paixão? Porque mantemos a estúpida esperança de um dia ele ter uma contusão cerebral, olhar para o tecto e perguntar: “Onde estará aquela mulher fantástica para quem fui tão filho da puta?”
Porque é que vamos visitar um apartamento cujo preço vai muito para além do extracto mais feliz que alguma vez tenhamos tido na conta bancária? Por causa da estúpida esperança de amanhã, ou para a semana que seja, ganharmos o euro milhões. Isto apesar de nem sequer jogarmos.
Porque continuamos com alguém que sabemos já não ser a nossa meia-laranja? Alimentamos uma relação que sabemos condenada, com uma pessoa que claramente não está apaixonada por nós, ou não nos respeita, ou é, pura e simplesmente, incompatível connosco. Há medida que o tempo passa mais nos afeiçoamos a ela, de tal forma que no final a despedida será mais dolorosa ainda. E enquanto ali permanecemos - agarrados com unhas e dentes ou, mais negligentemente, apenas deixando andar porque somos “cool” – estamos a desperdiçar oportunidades de conhecer novas pessoas, quem sabe um futuro amor. Porque fazemos isto a nós próprios? Mais uma vez por causa daquela estúpida grande esperança de que, um dia, ele vai mudar. Vai-se apaixonar. Vai ver a pessoa fabulosa que tem ao lado e agradecer aos céus por isso. Vai não nos querer perder e sentir a nossa falta.
Acontece que as pessoas não mudam. Sabemos isso. Ao longo dos meus 34 anos de vida mudei várias vezes de cor de cabelo e de penteado, mudei de opinião sobre os temas fracionantes da sociedade e do direito (aborto, casamento de homossexuais), até cheguei a mudar por breves instantes de clube. Mas a essência de mim permaneceu sempre a mesma. Repito: as pessoas não mudam. Mas, muito de vez em quando (digamos, uma hipótese em 10 milhões), há uma que muda. E todos nós conhecemos casos desses (ainda que muitos são provavelmente mitos urbanos) de alguém que - perdoem-nos a pirosice de fotonovela – mudou por amor. Arggggg!!! Nem acredito que “disse” isto. Mas o título do rumor que corre no círculo dos desamados é mesmo esse: “fulano X era um imbecil, mas conheceu fulana Y e, por ela, mudou” (ou vice-versa). E invocamos de nós para nós este relato surreal para tentar justificar o que estamos a fazer da nossa vida. Tudo por causa da estúpida esperança. Tão estúpida, mas tão estúpida, e maldosa, e impiedosa, e cruel, que só me apetece matá-la. E quero ver se algum tribunal no mundo se atreve a condenar-me por esperançocidio!

2 comentários:

  1. Quando fores constituída arguida, liga-me para advogada de defesa! Se não te atender, não desesperes. Pode ser que nos encontremos na cela da prisão preventiva dos que ameaçavam perpetuar esse crime... Ou então não... nunca a matamos, para podermos, simplesmente, continuar a ter esperança...

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  2. XÔ Dtora, até me atrevo a ser um daqueles clientes chatos que acha que sabe direito e propõe estratégias de defesa. Pela minha parte sugiro legitima defesa. Esta esperança danada anda a exercer agressões actuais e ilicitas sobre a minha pessoazinha.

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