sexta-feira, 4 de junho de 2010
O melhor que há em nós
As pessoas são como o Corte Inglês: têm coisas bonitas e coisas verdadeiramente pavorosas. Nós temos defeitos feios, daqueles que nos fazem corar e que gostaríamos de esconder debaixo do tapete das nossas vidas. E temos qualidades capazes de nos fazer ganhar o Óscar de melhor pessoa do mundo. Ambas estas dimensões - chamemos-lhe o lado lunar e o lado solar – vivem cá dentro, mais ou menos misturadas, à espera que algum ímpeto exterior desperte um ou outro. Esses ímpetos são, em regra, outras pessoas.
Explicando: há seres humanos que nos fazem sentir bem e, por isso mesmo, despertam o melhor que há em nós, tornando-nos todos os dias pessoas mais bonitas e fazendo-nos sentir que estamos a crescer e a aperfeiçoar-nos; depois, há outros seres humanos que, por razões conhecidas ou desconhecidas, acendem a chama do nosso descontentamento, e fazem vir ao de cima os nossos traços mais feios, assim como a nata do leite logo emerge à superfície mal ele é aquecido.
Mas também nós temos o poder de provocar nos outros semelhante efeito, de tal forma que alguns se tornam pessoas melhores na nossa companhia, expandido ao máximo o seu potencial, ao passo que de outros só conseguimos arrancar os mais desvirtuosos defeitos.
Agora vamos à forma como tudo isto se relaciona com a minha já célebre teoria das meias-laranjas (e que, ao que parece, nem sequer é minha, porque já há muitas luas atrás a Cabala tinha avanço uma explicação semelhante para o amor mundial, se bem que gosto de pensar que a trabalhei e aperfeiçoei ao ponto de poder fazer minha).
As meias laranjas hão-de ter o poder de despertar os lados mais deliciosos que uma e outra têm. Ele faz de mim a pessoa que eu quero ser, e eu faço dele a pessoa que ele quer ser. E como a pessoa que eu quero ser coincide com a pessoa que ele quer que eu seja, e como a pessoa que ele quer ser coincide com a pessoa que eu quero que ele seja, tudo isto se harmoniza como se fosse uma palette de sobras Chanel.
Quando nos apaixonamos pelas pessoas é claro que o fazemos pelas suas qualidades e pelos seus defeitos também. Ou melhor, apesar dos seus defeitos. São as suas partes boas que nos atraem. Claro que tudo depende daquilo que cada um considera como sendo “uma parte boa”. Para alguns será um belo par de mamas ou um vigoroso par de bíceps. Para outros um cartão de crédito dourado. Quero crer que para a maior parte de nós as partes boas dos outros são a inteligência, a coragem, o sentido de humor, os bons valores.
Já lá vai o tempo em que os meus pelinhos dos braços (só esses) se arrepiavam com o primeiro filho da puta que circulasse num raio de 10km. Já lá vai o tempo em que acreditava piamente que os bad boys eram a coisinha mais sexy que Deus tinha posto neste mundo para nos tentar. Hoje em dia o que eu acho sexy, mas assim sexy, mesmo sexy, é gente bem-formada. De valores coesos, bem sedimentados. Um tipo que não mente tira-me do sério. E porque são tão difíceis de encontrar é que eu passo muito tempo séria nesta vida…
Que havemos de pensar então quando conhecemos uma pessoa assim, a bigger person so to say, que se torna a smaller person ao longo da nossa convivência? Alguém de elevado estatuto moral, com uma personalidade digna de nos fazer desejar ser como ele, alguém que admiramos e que tomamos como modelos de conduta, até ao dia em que nos apercebemos que afinal o príncipe se transformou em sapo.
Confrontados com este desfecho, só há duas conclusões possíveis. Uma é que essa pessoa nos enganou desde o primeiro momento, e que vivemos iludidos com a imagem de alguém que não existia senão nas nossas expectativas. E se fomos tão estúpidos a ponto de nos deixar burlar assim, durante meses a fio, ou mesmo anos a novelo (ou seja, uma imensidão de fios), então, merecemos mesmo aquela pessoazinha que temos ao lado, porque não pode haver clemência para os idiotas, e parece-me de suprema justiça que se contentem com as escolhas que a sua estupidez fez. Outra hipótese é que, pura e simplesmente, tivemos o (des)dom de acordar todas as coisas más e medonhas que o outro tinha dentro dele. Ou seja, em vez de o tornarmos uma pessoa melhor, tornamo-lo uma pessoa pior. Pela nossa mera presença. E o mais trágico neste drama é que se o tivéssemos deixado seguir o seu caminho com outro alguém, ou sozinho que fosse, hoje ele continuaria a ser… o que era antes de nós. Se alguma coisa podemos ainda fazer por ele é partir, e permitir-lhe voltar a ser aquele ser humano brilhante e especial que uma noite ao jantar nos roubou o coração.
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