quinta-feira, 10 de junho de 2010
ANDA CÁ AO PAPÁ
Os meus amigos e as minhas amigas já sabem que eu sou mais dada a ratos de biblioteca do que a ratos de ginásio. Penso que se vos disser que a minha paixão platónica é o Ricardo Araújo Pereira deixo bem evidente quais são as minhas preferências neste campo. De modo que as minhas idas ao ginásio nunca representam qualquer perigo de escorregar por esse precipício abrupto que são as paixões lascivas. Mais depressa resvalo eu numa livraria ou numa conferência do que entre flexões e abdominais. Não que não deixe por vezes o olhar vaguear por entre os six packs, mas é exactamente isso: um mero vaguear de olhar que nunca me fez desviar daquilo que para mim é realmente importante.
Ora vai que há um par de semanas atrás a minha instrutora habitual de spinning bike, cycling, BTT (depende do que o ginásio estiver disposto a pagar pela denominação do acto de pedalar furiosamente em cima de uma bicicleta fixa, ao ritmo da música estridente e dos gritos do instrutor, de olhos fixos num espelho gigante por onde se controla quem está na engonha) não estava na sala, e em vez dela, aparecem-me dois marmanjos. Lido tão mal com as mudanças de instrutor como sempre lidei com as mudanças de professor, e basta recuarem até aos meus tempos de liceu para encontrarem vítimas destas minhas aversões naturais a gente desconhecida que subitamente substituiu alguém a quem já me tinha apegado. Mas lá subi contrafeita para o selim, lançando-lhes o meu olhar “vamos lá a ver o que conseguem fazer os meninos”. E é assim que me vejo em cima da bike, cara a cara com dois leões marinhos, musculados e de roupa justa (quase tenho um vislumbre gay com esta imagem), que eu já conheci de vista de outras paragens pelo ginásio.
A meio da aula mudámos de instrutor, ou seja, um deles cedeu o microfone ao outro, e passou este outro a dirigir a banda. Ora, eu já tinha deitado os olhitos neste segundo “interveniente” quando ele passeava com a sweat de personal trainer por entre as máquinas de fazer músculo, e pensara de mim para mim que o tipo, não sendo o melhor pedaço de carne que por ali havia, tinha certamente o seu interesse. Não sei, detectava nele uma certa aura de intelectualóide. Até posso estar enganada e a criatura ser o maior bimbo à face da terra, mas sempre achei que tinha potencial para ser aquele tipo de nerds que me a mim me arrepiam. E ali, em plena aula, não pude deixar de reparar que enquanto o outro se agitava em cima da bicicleta, balançando os músculos para tudo quanto era lado, e gritando como se o mundo acabasse ali mesmo, este ficava bem fixo a pedalar, com tudo no sitio, sem grandes espectáculos de feira. Um ponto a favor. Nisto, vai o fulaninho, pega nas rédeas da aula. Sobe o rabiosque do selim, e com aquelas gotas de suor à anúncio de roupa interior, começa a dizer “Vá lá, vá lá, anda dá. Dá-lhe!”.
E pronto(s). Foi isto.
Eu a querer concentrar-me na perda de banhoca, e o tipo, com aspecto de modelo de Playgirl, a dizer-me para ir lá ter com ele. Andá cá???? Ai, ai que eu vou mesmo…
E enquanto eu pedalava como se não houvesse amanhã, prestes a ter uma sincope cardíaca, rosto afogueado, faces rosas como as moças rudes do campo, grossas gotas de suor a pingar-me pelo nariz e o cabelo molhado, colado à cabeça - em suma, euzinha no meu melhor de ver – vinha-me à ideia o célebre “Who’s daddy? Who’s your daddy?”
Escusado será dizer que nesse dia saí da bicicleta a custo, e passei o dia distraída, com pensamentos que não posso aqui relatar.
E isto custa-me a aceitar. A sério. Custa-me aceitar que a minha concentração fique minimamente beliscada por um tipo de leggings e blusa de alças, que provavelmente nem sabe quem é Nietzsche.
Ora bem, andei eu neste insano embevecimento um pelo par de semanas quando hoje, vindo do nada, a coisa me passou. Lá estava eu no meu localzinho habitual, logo na fila da frente (habitual desde que ele passou a chefiar a aula, que eu era menina de ficar lá para as traseiras da sala), começa ele com o seu show do costume e eu… nada. Nadinha de nada. O tipo continuava com o ar seu firme e hirto (…), o seu olhar penetrante, o tentador chamamento para irmos lá ter com ele, mas a mim já tudo isso me passava ao lado. É caso para dizer que a carne é fraca, mas a fraqueza passa quando o incentivo não vai além de um meio palmo de corpo.
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