segunda-feira, 5 de abril de 2010

UMA QUESTÃO DE FÉ


Por altura da Páscoa católicos de todo o mundo celebram a ressurreição de Cristo. Porquê? Por uma questão de fé.
Dizem que a fé move montanhas. Estou em crer que não será bem assim. Primeiro, porque se o fosse as empresas de escavação entrariam todas em falência. Depois, porque eu própria me farto de ter fé na perda de 10 quilos no próximo mês e nunca tal aconteceu.
Não se depreenda das minhas palavras que sou avessa a ter fé. Pelo contrário, eu tenho fé em muitas coisas, mas admito que provavelmente acredito em coisas diferentes daqueles que usualmente nos vêm à cabeça quando falamos nestas questões. É que ter fé significa acreditar, ter esperança e depositar as nossas expectativas. Ora, não só de deuses e de deusas se faz a fé dos homens. A mim não me encontrarão certamente em nenhuma igreja, sinagoga ou mesquita, a não ser por motivos arquitectónicos ou de curiosidade cultural. Note-se que não tenho nada contra quem lá vai e se ajoelha para orar. Tento orientar a minha vida por um princípio de respeito geral. Agora, não me coíbo de exercer o meu espírito crítico, caso contrário seria uma anénoma. Ou seja, tento seguir um certo princípio da relatividade que não crie dogmas absolutos, mas tenho, obviamente, a minha opinião pessoal e um aguçado sentido de apreciação face aquilo que me rodeia. Por conseguinte, tenho obviamente uma opinião acerca de certas religiões. O que não invalida que eu não tenha a minha. Ou, melhor dizendo, as minhas.
Dizia Marx que a religião é o ópio do povo. Nesse caso, eu sou opiómana, porque sou uma pessoa religiosa. Não acredito propriamente em Deus, ou Buda, ou Alá, ou como lhe queiram chamar. Se uma pessoa está terrivelmente doente e se cura não acredito que tenha sido um milagre divino, mas um admirável feito da ciência, da medicina, , dos médicos. Se um perigoso pedófilo é condenado a 20 anos de prisão não atribuo esse acontecimento à justiça divina, mas sim ao engenho dos detectives que o apanharam e à eficácia do sistema judiciário humano. Se finalmente as nações em guerra conseguem assinar um tratado de paz não creio que tal se deva a uma inspiração dos céus, mas sim à boa-vontade humana. É que se assim não for, isto é, se atribuir a Deus o mérito por tais benesses, terei igualmente que o culpar pela morte daqueles que nos são queridos e que partiram demasiado cedo vitimados por doenças de incrível sofrimento, pela dor das crianças que perecem nas mãos de violadores e por toda a morte e destruição causada pelas guerras. A meu ver, o que de bom acontece deve-se à humanidade, mas também não me inibo de a responsabilizar – como quem diz, a todos nós – pela miséria, pela desgraça e pelo sofrimento. Mas, no geral, acredito no ser humano, na sua bondade e capacidades. Porque assim é, sou uma mulher de fé.
As pessoas fazem coisas estranhas pela sua fé. Nesta época pascal há quem não coma carne nas 6.º feiras da Quaresma na tentativa de ganhar um lugar no Céu. Há uns atrás podiam até comprar directamente a entrada com uma bula ou um indulto, mas agora os cofres da Igreja fecharam-se a esta espécie de suborno divino. Estranho? Nem por isso. Pelo menos se compararmos esta prática com o Ramadão muçulmano, com a circuncisão dos bebés dos judeus, com a repulsa por transfusões de sangue que marca os jeovás, ou mesmo com outra prática própria dos católicos, que consiste em arrastar os joelhos ensanguentados no caminho de Fátima. Ora, eu não tenha contra isto. Quem sou eu para condenar as convicções dos outros? Nada tenho a opor, pelo menos enquanto não envolverem outras pessoas nas suas crenças, e então passam a terrorismo religioso. Já me causa consternação, e mesmo repúdio, certos outros comportamentos associados às religiões, como sejam as cruzadas cristãs e a morte de supostas bruxas nas fogueiras; o conflito israelo-árabe; os ataques da Al-Qaeda. Mesmo a morte de uma criança devido à recusa dos pais em permitir uma transfusão de sangue nos deve fazer pensar até onde somos capaz de levar a nossa fé.
Em última instância todos queremos ir para o céu, seja lá o que isso for. O inferno (serão os outros?) é um lugar sombrio onde todos os nossos medos encontram abrigo. Por isso os católicos procuram um céu onde são recebidos por S. Pedro e voam com os anjos; os muçulmanos um céu povoado por 72 virgens para cada um (já agora, onde irá Alá buscar tanta virgem? Ao jardim-escola?); e podia continuar aqui ad infinitum a enumerar os vários céus possíveis se soubesse ao certo o que nos espera em cada um deles. Também eu procuro o meu céu. E nele os cartões de crédito são pagos com abracinhos e o chocolate não engorda.

1 comentário:

  1. Oh meu Deus... :)

    Same feeling here! Até tenho vontade de pegar nas tuas palavras para completar o meu último post, porque dizes tudo o que deixo por dizer!

    Não quero ir para o Céu... não gosto de passar muito tempo sozinho. Será que dá para pedir transferência, ou temos mesmo de nos portar mal?

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