terça-feira, 20 de abril de 2010

(Não) deixai vir a mim as criancinhas


Nos últimos tempos não se fala de outra coisa. Depois da suposta licenciatura, do Freeport e das escutas, desta vez não é o Governo o actor deste filme de espionagem, mas sim a Igreja Católica. Parece que aqueles senhores de ar bondoso (ou nem tanto) que nos baptizaram, nos casaram e nos sepultaram afinal… também nos violaram, ou, na melhor das hipóteses, abusaram.
As histórias sobre abusos sexuais cometidos por padres não são propriamente novas, mas atingiram agora uma dimensão tal que a própria Instituição se viu forçada a reconhecer publicamente a existência do problema. Sem grandes arrependimentos. Sem muitos pedidos de perdão. Sem humildade. Quase faltou dizer que a culpa foi das perversas crianças que assim seduziram aquelas almas caridosas.
É óbvio que este escândalo tem sido aproveitado para outros fins que ultrapassam este mal concreto. Todos aqueles que têm alguma coisa a dizer contra a Igreja se agarram a este pedaço de carne podre para mostrar todas as putrefacções da instituição. Eu própria faço um grande esforço para avaliar esta situação sem inquinar o meu juízo com ideias pré-concebidas que tenho acerca de toda a máquina religiosa. Racionalmente sei que a maioria dos padres são gente de bem. A pedofilia, apesar de tudo o que tem sido dito, respeita apenas a uma pequena parte dos elementos da Igreja Católica. O que verdadeiramente me incomoda não é o que se passou ao longo dos anos (estas coisas acontecem nas “melhores famílias”) mas sim o excessivo chamamento de virtudes, o encobrimentos e a reacção actual.
Não sei se a pedofilia é uma doença, uma parafilia, ou outra coisa qualquer. Só sei que grassa por todo o lado, sobretudo onde menos seria de esperar. Provavelmente o número de padres pedófilos não é superior ao número de advogados, de homens do lixo ou de carpinteiros que o são. O que difere é o grau de exigibilidade. Para quem sempre bradou aos sete ventos as benesses de uma vida pura e casta pode dizer-se que estes senhores gostam bastante dessa coisa suja e vil chamada sexo de que nós, comuns mortais, tanto gostamos. Tantas centenas de séculos a fazer-nos sentir mal e por usamos o sexo para outros fins que não a procriação e…. e agora isto? No fundo, é uma questão de exigibilidade. A todos nós, pessoas minimamente decentes, está impedido que nos degrademos à categoria de bestas. Mas a uns é mais exigível do que a outros. A quem espalha com tanto furor a palavra justa, o amor, a caridade, é especialmente exigível.
Sobretudo atendendo aos valores básicos da doutrina católica, precisamente aquilo que muitos de nós apontamos o dedo e que nos fez afastar dos seus ditames: a moral repressiva e castradora. Quem tem telhados de vidro deveria ser mais comedido nas suas palavras. O sexo é uma coisa linda e maravilhosa na qual vale tudo menos tirar olhos, mas apenas desde que se verifique consensualmente entre adultos. Quando se arrastam crianças para um jogo do qual devem estar arredadas durante ainda muito tempo torna-se uma coisa repugnante, feia e criminosa. Por isso não se percebe o encobrimento, o silêncio. Se me dizem que durante todos estes anos nenhuma das cúpulas da Igreja soube deste facto estão a tomar-nos por idiotas, pois dificilmente se encontra organização mais controladora e omnisciente do que esta. Se, pelo contrário, querem insinuar que pensaram que protegiam as vítimas ao esconder o sucedido tomam-nos por mais idiotas ainda.
E como se não bastasse tudo isto, eis que há poucos dias atrás, qual cereja no topo do bolo, encimam esta espiral de ofensas com a assimilação entre homossexualidade e pedofilia. Não conheço os estudos referidos pelo cardeal Tarcisio Bertone e que serviram de base a semelhante afirmação. O que eu sei é isto:
i) Apesar de tudo o número de crianças abusadas e violadas do sexo feminino supera as do sexo masculino, excepto no que se refere às vítimas de casos relacionadas com padres, que, de facto, são em regra do sexo masculino, de modo que a estar correcto o raciocínio apresentado estes padres seriam, todos eles, homossexuais (se é que a orientação sexual de um padre é minimamente relevante);
ii) Em termos percentuais, tenho para mim (mas assumo a coragem de dizer que é uma opinião pessoal e não um suposto estudo cientifico) que o número de pedófilos entre os heterossexuais supera em muito os pedófilos homossexuais;
iii) A maior parte de pedófilos de que tenho conhecimento relaciona-se, em termos de relações sexuais adultas, com pessoas do sexo oposto, pelo que apenas a sua fixação sexual com crianças é que os atrai por crianças do mesmo sexo;
iv) O único ponto em que concordo com o Exc. senhor cardeal é quando nos diz que não há relação entre celibato e pedofilia. Mas embora assim o creia, acredito que nenhum homem (e, afinal, os padres são homens) foi feito para viver só e para abdicar de uma parte importante da sua realização como pessoa. O amor a Cristo não substitui o amor terreno, mesmo que carnal. Afinal, se Deus não quisesse que tivessem sexo não lhes teriam dado pilinhas e em vez disso fariam chichi pelo ouvido ou pela narina. O celibato deveria ser uma escolha consciente de cada um.
Gostava de poder terminar esta reflexão com algum tipo de comentário de teor light, que nos permitisse fechar esta leitura com um sorriso. Se há coisa na qual em regra me consigo sair bem é em tirar um coelho da cartola e conseguir encontrar algum nariz de palhaço na pior desgraça.
Desculpem, mas desta vez não consigo.

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