sexta-feira, 16 de abril de 2010

Boa noite meu amor, fecho a porta ao sair


Há um par de décadas, Sting, grande filósofo de prostituição, luzes vermelhas e campos de ouro, cantava that if you love somebody let them free. Ora, ainda há uns dias atrás, enquanto pedala furiosamente no ginásio e me tentava concentrar numa das televisões na vã esperança de esquecer a tortura a que eu própria me submeto, vi anunciar um filme (sim, os livros de Nicholas Sparks dão filmes) em que a páginas tantas a voz off dizia qualquer coisa do tipo: “por vezes quando amamos alguém temos que nos afastar. Não por amar de menos. Mas por amar de mais”.
E de repente comecei a sufocar. Não de cansaço. Mas de angústia pura. Juro. Continuei a furiosa pedalagem porque, apesar de tudo, a ânsia da elegância (e que bonito ficou!) supera a ânsia dos males de amor. Mas por momentos achei que ia cair da maquineta e começar a espumar pela boca, a arfar, até morrer ali mesmo.
É que aquela afirmação, quase saída de algum Luiz Alfredo (ler isto com acento sul-americano, por favor) de uma novela venezuelana deu-me que pensar, sobretudo dado o momento em que enchei os ouvidos..O que será amar? Gostar de alguém de forma abnegada e pura, tão altruísta como suponho que um anjo ame? Ou gostar de alguém daquela forma louca e insana, que não vê nada à sua frente e por isso atropela tudo e todos, mesmo aquele a quem amamos? É que se o amor corresponder ao primeiro dos sentidos é bem verdade que muitas das vezes o melhor que teríamos a fazer seria afastar-nos e deixar o outro encontrar uma vida que o faça mais feliz do que aquela que lhe podemos oferecer. Já se optarmos pelo segundo sentido enchemos-lhes a existência de nós mesmo, quase em sufoco, desenfreadamente, e não admitimos qualquer outra hipótese que não um final juntos, ainda que um final infeliz. Ora, esta última é a forma de amar dos latinos, pródigos em paixões tórridas e intensas e crimes passionais. E eu, que sou mais latina do que um prato de tomate seco regado com azeite, tenho tendências para estas torrentes de sentimentos vulcânicos. Mas já estou neste mundo há anos suficientes para saber que os outros não são como eu, não amam da mesma forma, não vivem as coisas com tamanha intensidade. E – cá vai agora o que dói mais - que nem sempre eu sou a melhor coisa que lhes pode acontecer.
Não ser eu “a tal” é um medo que me atormenta desde que senti o primeiro aceleramento cardíaco provocado por uma hormona masculina. Acima de tudo, é o tal terror de estar a mais. No caso, de ser um peso morto na vida de alguém. Umas vezes porque não nos querem. Outras porque nos querem de uma forma tal que perdem o sentido das coisas.
É que os outros podem gostar tanto de nós que não vêm o mal que lhes fazemos. E se alguém desistir de um sonho para ficar connosco? Romântico não é? Quase como nos filmes. Mas o que os filmes não mostram é o que se passa depois do tal sonho ser posto de lado. Como é que as pessoas vivem? Será que nos culpam pelo que não são e deixaram de ser por nós?
A primeira vez que ouvi dizer que o amor não é suficiente pensei, do alto dos meus 16 anos, que isto devia ser coisa de gente adulta. Embevecida como estava pelos livros, achava efectivamente que desde que o príncipe amasse a princesa e a princesa o príncipe não havia bruxa má que os separasse. E de facto as bruxas más não têm poder para isso, nem mesmo o professor Chibanga, ali da Amadora. Mas a carreira, as opções profissionais, as obrigações familiares, as diferentes escolhas de vida, tudo isso tem poder mais que suficiente para cavar um Grand Canyon entre nós. Suponha-se que eu não concebo a minha vida sem casar de branco, e viver de aliança no dedo, ao passo que ele não acredita em vínculos. Ou então, que eu dediquei os meus 20 anos a construir uma carreira que segue lançada como um cometa e ele quer uma mulherzinha mais simples e recata que possa viver tranquila na sua sombra. Ou que eu cheguei àquela idade em que quero construir uma família e ele ainda não cortou amarras da casa dos pais. A bruxa má parece bem insignificante ao pé disto, não é?
E porque nós temos sonhos, e porque os outros sonhos têm, e porque ninguém pode ser verdadeiramente feliz a viver os sonhos dos outros, e porque há sonhos que se repelem como a água e o azeite, e porque emergem tantas outras coisas que não conseguimos controlar nem explicar mas que estão lá, e porque… sei lá. Por tudo isto há alturas é que o tal final feliz passa por dois felizes finais separados um do outro.
Por isso, se o nosso alguém não tem a coragem, o discernimento, ou a presença de espírito para nos dizer que tudo acabou, devemos ser nós a faze-lo. Sem dramas nem rostos inchados e vermelhos. Sair com a delicadeza com que um gato salta de uma janela mesmo que depois, já a sós, choremos como se não houvesse amanhã. E durante uns dias não vai haver mesmo. Mas, eventualmente, as coisas melhoram.
Porque nos sujeitamos a isto? Porque abrimos da mão daquilo que mais desejamos no mundo? Creio eu que o fazemos porque o outro merece também encontrar aquilo que mais deseja no mundo.

4 comentários:

  1. verinha, verinha, pare lá de fazer análises psicológicas aos seus leitores, que ainda corro o risco de ter um síncope...este texto atravessa-me, assim como a identidade com o teu sofrimento na passadeira! parabéns e obrigada por mais uma bela leitura. à nossa carrie!

    princesa catarina

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  2. Somos demasiado egoístas para abdicar seja do que for, quanto mais do ser amado... abdicar, implica desistir, e isso, nem todos têm capacidade para o fazer. Concluí neste percurso que o amor é vão, ilusório... quem amamos agora, pode não nos amar daqui a um mês, mas os nossos sonhos, esses sim, vale a pena amar e lutar por eles, pois serão os únicos que no fim nos continuaram a acompanhar nesta jornada perigosa.

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  3. Saiba Sua Alteza que cada palavra que escrevo tem por fim trespassar os meus leitores (certamente mais insanos do que eu) como uma flecha, ou um autocarro, um salto de um sapato, ou qualquer outra coisa que nos atravesse de uma ponta à outra quando bem enfiado no seu certíssimo sitio.
    ;)
    (não ligues, devaneios de quem já não aguenta nem passadeiras nem elípticas nem desgostos de amor)

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  4. Queridíssima, viver é assim um inexplicável equilíbrio em cima do fio da navalha! Em dias bons é um desafio, em dias maus é uma sangria desatada!
    Neste equilíbrio precário o amor tem sempre dois gumes!
    Tua admiradora #1

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