quarta-feira, 7 de abril de 2010

O livro de reclamações, por favor


Há um par de meses atrás fui subitamente assaltada por uma epifania que, ao que parece, mudou a minha vida. Muitos de vocês conhecem o já famoso episódio da menina do bengaleiro e sua tromba, de modo que sabem do que estou a falar: do livro de reclamações. Sim, meus amigos, a vida em sociedade desenrola-se em torno destas duas palavras mágicas: livro e reclamações. A preposição destina-se apenas a especificar que não é um daqueles livros profundos e sem pontuação do Saramago, nem tão-pouco um daqueles livrinhos da Margarida a dizer que não há coincidências and so on and so on. Nada disso. É o livro das mágoas profundas de quem não é bem tratado pela Humanidade. A Bíblia ao pé disto é coisa para meninos.
Ainda recentemente tive oportunidade de testar de novo os inúmeros poderes deste livro sagrado.

Episódio da agência imobiliária: depois de meses com o meu pequeno T2 (onde nunca vivemos os 2, excepto eu e os inúmeros gatos e cães e povoaram a minha felicidade solitária) numa das imobiliárias da nossa praça, e depois de ter sido estúpida o suficiente para assinar um contrato de exclusividade com a dita, decidi que era altura de o rescindir, dada a ineficácia, ineficiência, incompetência e todas as outras coisas feias começadas em “in”, decidi, finalmente, ser altura de rescindir o dito contrato. Pois qual não é o meu espanto quando a voz do outro lado da linha telefónica me informa que deveria enviar uma carta a explicar os meus motivos e que eles decidiriam então se aceitavam ou não a minha rescisão. Eles? Os tipos do “in”? Uma vez que a voz me informou igualmente de condições contratuais que o “inbecil” (só para manter a linha do in) que me contactara inicialmente não me havia informado, e que certamente não estavam no papelucho que assinei, lá lhe pedi para me enviar uma cópia do contrato, já que havia perdido a minha na última mudança de casa. Surpresa: “Minha senhora, não consigo encontrar o seu contrato”. “Mas ele existe ainda?”, perguntei eu? “Na verdade não sei”, foi a resposta. Tentei explicar à senhora que não podia rescindir o que não existia e depois de complicações várias lá cheguei à fala com a responsável da loja que, finalmente, me prometeu enviar um documento escrito assegurando que qualquer eventual contrato que tivesse existido entre nós se tinha por rescindido. Como passadas 3 semanas o dito ainda não chegara, como os correios não estão tão mal assim, e como já nenhum responsável se chegava ao telefone para me dar um olázinho, optei por deixar com a secretária um gentil recado, com a voz mais melosa e sonsa que existe dentro de mim (ai, que sonsa que eu sei ser), agradecendo a gentileza mas explicando que, se no dia seguinte não tivesse a abrir a cartinha com as minhas mãozinhas, levantaria o meu rabinho da cadeirinha e iria à sede da agencia, ali mesmo na Expo, autografar o livro de reclamações. Desfecho da história: no dia seguinte as minhas mãozinhas abriram a tal cartinha, acabada de chegar em correio azulinho.

Episódio do WC: quando eu entro num café, não tanto pelo café, mas sim pela sanita que algures por lá há-de estar, fico verdadeiramente aborrecida por chegar à porta do quarto de banho e ler um aviso do tipo: “WC fora de serviço”. Sobretudo quando me custou imenso arranjar mesa e já antevia não sei quantos minutos a mais para chegar a outro café e ocupar novo espaço. De modo que fiz a tal cara de sonsa, mas deita feita misturei-lhe uns pózinhos de irritação, e perguntei ao senhor-empregado-segurança - um gigante extremamente educado mas com ar de quem não está para amizades - porque motivo tinham aberto o estabelecimento, se o quarto de banho, peça chave da coisa, estava fechado, ainda para mais num dia com tanto movimento (enfim, todos conhecemos o truque do “fora do serviço”). O mais bonito deste episódio é que nem precisei de falar no livro. A doçura vinda do meu 1 metro e 63 lá sensibilizaram os 2 metros de homem, que se prontificou a deixar-me usar o quarto de banho de serviço. Ou isso ou a forma como a pergunta foi feita, o ligeiro levantar de sobrolho que a acompanhou, e aquela pausa estratégica na voz, deixarem já adivinhar que a pergunta pelo livrinho estava ali mesmo, não ao dobrar da esquina, mas ao dobrar da frase.

Ora, tudo isto me faz pensar que outras potencialidades estarão escondidas neste mecanismo. Será que quando um amigo nos falha poderemos inscrever a respectiva reclamação ao Livros das Reclamações de Amigos? E quando for um namorado, não existirá também um Livro de Reclamações de Amores? Ou não será mais simples endereçar a dita à mãe do caramelo, responsabilizando-a pelas falhas na educação do rebento? Só espero que não exista nos contratos de maternidade nenhuma cláusula que as isente de tal responsabilidade.
Nesta linha, e em última análise, posso até reclamar de mim para mim, no meu livrinho íntimo de relações, fazendo queixa daqueles momentos em que eu próprio me torturo a mim mesma e torno a existência um inferno.
Nota do editor: devo dizer que este último livro está em branco (sempre me neguei a entregá-lo à clientela).

4 comentários:

  1. Ahhh... e qual é a entidade responsável por fiscalizar o teu livro amarelo? Já eras autuada, era o que era!

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  2. V, andaste a assinar contratos com a ERA, suponho..... eheheheheh

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  3. Não foi na ERA, não senhora.
    Square Imobiliária, para quem estiver interessado em saber e comentar.

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