terça-feira, 27 de abril de 2010

DESCULPE, MAS A SUA NÃO-NUDEZ AFECTA A MINHA FALTA DE PUDOR


Antes de mais quero explicar que uso aqui o termo “pudor”, não como sinónimo de falta de decência, ou compostura, ou de sentido de valores, mas como ausência de melindres derivados de certas convenções sociais. Não sendo eu um modelo de virtudes, e muito menos uma paladina dos bons costumes e da ordem pública, e menozinho ainda uma arauta do conservadorismo, tenho para mim que os meus pais fizeram um bom trabalho na minha educação. E embora eles tivessem gostado que eu fosse mais ajustada e convencional, nessa parte o projecto paternal fracassou. Porém, creio que uma das coisas que me foi ajudando ao longo dos anos a levantar a cabeça cada vez que deu uma daquelas escorregadelas gigantes - como quem diz, cada vez que sou a actriz principal numa daquelas situações humilhantes e embaraçosas, que muitas vezes nos perseguem para o resto da vida, que eu não faço a coisa por menos – é precisamente a minha quase absoluta falta de pudor. Digo “quase” porque há de facto uma vez ou outra em que fico encavacada ou começo a agir como uma barata tonta acabada de sair da clínica de desintoxicação. Mas em regra sigo a máxima de que o resto do mundo não é melhor do que eu, de modo que não lhes reconheço legitimidade para me julgarem.
Dito sito, vamos ao tema. É sabido que é na relação com o nosso corpo que esta coisa do pudor mais vem ao de cima.
Eu própria me defronto com algumas limitações. Não propriamente por vergonha, mas derivadas de uma certa ideia de privacidade corporal (andei a ler jurisprudência espanhola, está visto), que me inibe de mostrar os meus atributos – ou falta deles – ao primeiro transeunte. É claro que isto deriva também de um convencionalismo social. O corpo humano, em si e por si, nada tem de vergonhoso ou decadente. Bem pelo contrário. É uma máquina avançadíssima, que devemos amar e cuidar. Apesar dos padrões de beleza que me entram pelos olhos dentro desde a minha primeira visita à televisão e às revistas me terem imposto certos limites no meu peso, hoje, mais crescida, concluo que o corpo humano é bonito em todas as suas formas, cores e tamanhos.
Claro que o facto de ser uma obra de arte não significa, sem mais, que tenha que estar exposta ao público. Eu até sou menina para mostrar uma relevante dimensão de pele, mas creio que há esferas de intimidade que devem estar reservadas para momentos especiais e para pessoas especiais. Depois há outras da intimidade que são naturalmente reveladas em certas situações da vida. Refiro-me, senhora e senhores, aos balneários do ginásio.
Para quem toma banho no ginásio a visão de um grupo de corpos humanos do mesmo género, nus mas de chinelos, a vaguear por entre chuveiros, não é coisa nova. É corriqueira e, diria mesmo, tão natural como a sua sede. Pois se vamos todos tomar banho, e todos sabemos ao que vamos, das duas uma: i) ou o nosso sentido de pudor não nos permite a veleidade de vaguear nu por ali com a mesma naturalidade com que o fazemos em casa (isto pressupondo que em casa o fazemos, porque sei de muito boa gente que se assusta e ruboriza com a sua própria imagem nua ao espelho), e nesse caso resta-nos arrastarmo-nos para a toca e tomar banhoca na santidade do lar; ii) ou, em alternativa, tomamos ali mesmo, agindo como pessoas e não como bichos assustados.
Faço notar que não censuro a primeira opção. Cada um vive consigo mesmo da melhor maneira que sabe e é legitimo que por motivos educacionais ou outros eu tenha sacralizado o corpo pensando que mais ninguém no mundo tem uma coisa semelhante, de modo que o melhor é esconde-lo bem. O que me incomoda mesmo, mas mesmozinho, é andar eu no meu rodopio de balneários, tentando despachar-me a tempo de ainda poder almoçar, e dar de caras com olhares assustados, agarrados a uma pequena toalha como se a sua vida dependesse disso. Confesso, fico atrapalhada. Quer porque as monjas da toalha teimam em andar bem devagarinho, não vá a dita cair e mostrar uma coisa que mais ninguém tem, quer, e sobretudo, pelos olhares acusadores que me enviam a mim, despudorada, que ando por ali com à vontade de quem sabe que não tem consigo nada de mais nem nada de menos. Não largam a toalha em nenhuma circunstância. Estou em crer que tomam banho assim, agarradas à toalha, e já vi autênticos actos de malabarismo em que se vestem sem nunca tirar a toalha, como se fossem um Houdini a fugir do colete de forças.
O recato corporal merece-me o maior respeito. Eu própria já tive o momento zen num local de nudez pública. Mas nem eu sabia ao que ia (quem se lembraria que numa sauna mista seguiriam a regra da nudez total? ), nem nessa altura estava na disposição de ficar nua dado o contexto envolvente. Não por ser uma área mista. Só é comida quem se deixa comer, tenho para mim. Mas achei que na altura não era apropriado para mim, e só de mim falo, fazê-lo, por motivos outros que nada têm a ver com os restantes corpos. Por isso me envolvi na toalha. Mas, e este é o ponto que quero focar, fiquei na minha. Com a minha toalha, com a minha ausência de nudez, com o meu pudorzinho, confesso. Não estou a sugerir uma imposição à nudez, mas sim a impor a ausência de recriminação face aos que os outros fazem. Eu, na tal célebre sauna de nudez total, não estava na disposição de me despir. Mas não ousaria recriminar quem o faz num sítio onde se convencionou que essa é a regra de comportamento. Eu é que estava desajustada e por isso saí logo que pude. Teria hoje, passado quase uma década, agido de forma diferente? Não sei.
Pergunto eu: se quem opta por tomar banho num sítio destinado a ser partilhado com os demais sabe, à partida que vai encontrar corpos nus, porque se chocam tanto depois? Será que ficam chocadas com a minha nudez? É que eu devo aqui revelar aqui o profundo trauma que sofre a minha falta de pudor com a sua não nudez. Ou melhor causa-me alguma desconforto o olhar vigilante, e mesmo recriminador, que se esconde debaixo da toalha.

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