domingo, 11 de abril de 2010

A MENINA DO BENGALEIRO (e sua tromba)


A pedido das melhores familias (não muitas, mas as melhores) reedito a história da menina do bengaleiro e sua tromba, citada num post anterior mas que algumas pessoas no planeta (ainda) desconhece. Cá vai:

Lisboa, sexta-feira à noite. Um jantar capaz de me fazer ganhar 5 quilos numa noite, 2 copos de vinho, seguido de um par de bebidas doces, uma companhia mais doce ainda e, como uma cereja no topo do bolo, terminar a madrugada a agitar os caracóis numa pista de dança. A noite perfeita. Haveria alguma coisa capaz de me irritar? Sim. A menina do bengaleiro.
Não serei a pessoa mais simpática do mundo (nem quero ser, digo já), mas quando estou feliz (e eu estava) tendo a ser especialmente afável. Quanto à boa-educação, meus amigos, estou em crer que o meu nome consta dos top 20 mundiais. Não que seja mérito meu, mas da senhora minha mãe que desde cedo me ensinou o “com licença; se faz favor; obrigada”, que eu recitava em ladainha porque não percebia o contexto concreto de cada uma delas.
Pois bem, nessa noite de mil e uma noites saí eu, linda e fantástica, feliz, sorridente, um anjo, posso dizer. Até que dei de caras com a menina do bengaleiro de uma das casas da capital, que teimava em pedir-me 2 euros por peça (a acrescentar ao que tinha pago à entrada e ao que pagaria pelas bebidas). Até aí, eu ainda aguentava. Mas o problema é que o cavalheiro à minha frente (meu amigo, por sinal) apenas tinha pago 1 euro pelas suas duas peças. Interpelada perante tal incongruência, respondeu-me a dita cuja, com a sua tromba erguida aos céus, que os cachecóis não pagavam, por serem peças pequenas. Ora, vai daí, demonstrei-lhe eu que o meu casaquinho de malha era praticamente do tamanho de um cachecol, e que até podia muito bem enrolá-lo ao pescoço como uma encharpe. Mas a suposta senhora lançou-me um olhar ressabiado e proferiu estas sábias palavras: “Mas não é um cachecol. E mesmo que fosse, eu é que decido que cachecóis pagam e quais não”. Assim mesmo. Ela é que decidia.
Nesta altura do campeonato começava a apoderar-se do mim aquela irritação que nutro por criaturas pegajosas, mas disfarcei-a com o meu sorriso Channel. Agradeci-lhe a gentileza da explicação e ainda a louvei por ser raro encontrar na noite tamanha amabilidade.
Convenhamos: a regra dos dois euros por peça já é duvidosa e discriminatória para as meninas, pois é sabido que nós temos sempre mais peças do que os meninos e que gostamos especialmente de as deixar para trás neste tipo de sítios. Mas o pior, piorzinho, foi a menina do bengaleiro responder-me (a mim!!!!) com tamanha prepotência e arrogância, que ela é que decidia. Deve estar o mundo para acabar quando eu, que sou eu, recebo tal tipo de resposta, sobretudo não tendo dado azo a ela e, bem pelo contrário, a ter abordado de forma educada e especialmente simpática (tendo em consideração a pessoa que sou). A verdade é esta: nesta plantação de escravos só pode haver uma Sinhá, e sou euzinha (desculpa Camila), não é a menina do bengaleiro.
Mas não fiz ondas. Não reclamei. Não revirei os olhos… enfim, talvez um bocadinho, mas nada dramático. É que o meu mais que tudo lançou-me o olhar “por favor, porta-te bem” e não sou mulher para negar coisas ao mais que tudo.
Depois de 3 horas na pista a dançar, finalmente, o homem sente-se cansado. E eu respirei de alívio. É que estava à 180 minutos a ouvir musica e a pensar na criatura, vivendo de garrafas de água para nem sequer cheirar a álcool no momento da minha saída triunfal. Até ao quarto de banho eu fui antes de sair, não fosse ser assaltada por alguma vontade inesperada enquanto a dizimava.
Após ter os casacos na mão sãos e salvos, olhei para ela, como se nada fosse e:… “Ah, já agora, quero também o livro de reclamações”.
Escusado será dizer que saiu logo pela porta a gerente, que me convidou amavelmente a entrar para um local mais privado, e me tentou confortar as mágoas. Já eu, sereníssima, pedi-lhe para chamar a “funcionária do bengaleiro” (nome pelo qual a partir desse momento passei a tratar a criatura), porque não me parecia correcto falar nas costas dela. Note-se como até na filha da putice me revelo uma acérrima do due process e dos direitos do arguido. Ah, jurista até à medula…
A “funcionária” começou por negar ter dito o que disse, mas mantendo eu a minha tranquilidade de quem sabe que tem razão, e porque rematei a questão com um “não vale a pena estragarmos a noite, deixe-me só relatar o sucedido no livro de reclamações e certamente tudo vos correrá pelo melhor”, e porque me apresentei de nome completo (esta pega sempre) e me mostrei entediada, ela pensou melhor na vida. Perante este cenário dantesco para o estabelecimento, a “funcionariazinha” lá optou por pedir desculpa. E era só isto. Era só mesmo isto que eu queria. Não tinha a mínima vontade de perder tempo a escrever um romance, com letra bem redondinha, no livro das pessoas insatisfeitas, até porque sei os muitos dissabores que daí decorrem. Mas queria o reconhecimento da falta. É que o dinheiro custa-me a ganhar. Por isso, quando o gasto gosto de saber que é por uma boa causa: fazer-me feliz e ser bem tratada.
Curiosamente, a partir desse segundo começámos as duas a falar animadamente, e dei comigo a confessei-lhe que seria incapaz de ter o estômago dela para aturar bebedeiras e afins. E digo aqui publicamente que tenho a maior admiração por quem trabalha na noite… só que eu não me inseria em nenhum desses “afins”, pelo que merecia melhor do que uma tromba.

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