sábado, 2 de abril de 2011

Os despojos de uma relação


Amigo, vou embora.
Empacoto os meus livros, os meus cremes, esta minha tralha toda que durante tantos meses te tirou espaço nas prateleiras da casa de banho e nos móveis da sala.
Amigo, que pena tenho eu que nós tenhamos chegado ao fim. E no final o que ficou foi apenas isto… uma data de palavras ditas que deveriam ter ficado caladas e, quero crer, outras tantas por dizer. No fim de tudo, estes são os nossos despojos.
Eu própria me sinto como uma espécie de lixo. Aquilo que não queremos é lixo… certo? Mas estes despojos humanos têm uma particularidade importante face às latas vazias e às embalagens de leite: é que aquilo que alguém não quer acaba por ser querido por outra pessoa qualquer.
A coisa mais parecida às lixeiras humanas de relações estragadas ou passadas do prazo são os barezinhos de hotéis de duas estrelas, onde um tipo gordo vai folheando revistas pornográficas enquanto termina com a garrafa que já tem o seu nome no bar, e uma loira oxigenada revê a lista de nomes no telemóvel tentando descobrir ao quarto de quem vai dormir naquela noite. Pelo menos é isto que se vê nos filmes.
Mas a mim não há-de ser isso que me espera. Vou inscrever-me num ginásio e perder 2 quilos. Vou comprar um vestido novo e, quem sabe até, mudar a cor do cabelo. Vou sair, dançar, sorrir para homens e mulher, para no final concluir que há vida sem ti e depois de ti. Nada que teoricamente eu não saiba já, mas a minha mente de cientista exige a demonstração prática desta teoria.
Parto com o sentimento de missão cumprida. Da minha parte não poderia ter tentado mais, esperado mais e dado mais tempo. Não que não tivesse cometido erros, claro que sim. A culpa não morre sozinha, e uma relação também não. Se esta terminou foi porque não consegui ser suficiente interessante, suficientemente sedutora, suficientemente bonita, suficientemente tolerante. Não fui suficiente, pronto. Diria o Principezinho que não te soube cativar.
Mas aparte estas minhas incapacidades naturais sei que tentei, e depois tentei de novo, e voltei ainda a tentar. Porque durante todos estes meses fui empurrada por aquele secreta esperança que move os tontos e os apaixonados. De modo que eu sei que não fui eu quem te perdeu. Não fui eu que deixei morrer o que tínhamos.
Mas a verdade é que tu também não me perdeste. É que nós só perdemos aquilo que um dia tivemos ou que algum dia quisemos. Se é certo que tu me tiveste como muito pouca gente teve alguém alguma vez, já menos certa estou que algum dia me tenhas querido. Por isso ninguém perdeu ninguém.
Por isso meu amigo – porque não passamos disso mesmo – vou embora agora mesmo.
Se eu ficasse mais um dia, mais um dia que fosse, isso nada acrescentaria a tudo o que eu gosto de ti, mas diria muito acerca do que eu gosto de mim.

6 comentários:

  1. às vezes, gostava mesmo que conseguisse dizer "Adeus, meu amigo!", mas pela vontade maluca de amar, ou pelo exagero de dependência emocional: não consegue dizer isso!

    podemos criticar isso? Claro que não!

    de qualquer maneira, conseguir sair e partir para outra viagem é sempre positivo!

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  2. Quero acreditar muitas vezes a seguir ao "Adeus bem amigo" se segue um "Meu amigo, ainda bem ligaste. Senti a tua falta".

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  3. Muito sábias palavras. é preciso coragem para dizer este adeus, que é um adeus aos comodismo e às falsas esperanças. É um adeus necessário, mas difícil. E passam anos, sem que se consiga pronunciar este adeus. E as pessoas desgastam-se, as almas apagam-se, e tudo o que acaba por sobrar é apenas isso - restos, despojos - Lixo.

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  4. "Meu amigo, ainda bem ligaste. Senti a tua falta". Sim, compreendo. Mas não será isso uma espécie de "compensação" egoísta? M.C.

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  5. Não sei se é egoista, ou uma compensação sequer, mas pelo menos impede que nos deliguemos de alguém com sentimentos de rancor ou de ressentimento.

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  6. Subscrevo o texto. ´Transcreve o que senti com a minha separação. Parabéns.

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