terça-feira, 19 de abril de 2011

Aquilo que eu não tenho


Aquilo que eu não tenho é exactamente aquilo que mais quero. O que é perfeitamente ridículo atendendo a tudo aquilo que tenho, que é muito, e bom, e gratificante. Mas no meio de tudo isso está o vazio daquilo que eu não tenho.
My perfect big life…
Até nas vidas perfeitas se sente a falta de alguma coisa, seja lá o que for. Porque essas vidas só são perfeitas para quem está de fora, a assistir e a invejar. As vidas dos outros parecem sempre tão melhores do que as nossas! E na inocente ignorância de espectadores pensamos que naquela felicidade imensa não poderia caber mais nada. Mas as pessoas que têm vidas perfeitas choram muitas vezes na cama, mancham a almofada de rímel (já este pormenor torna as suas vidinhas menos perfeitas), e acordam durante a noite sem saber o que fazer. As pessoas que têm vidas perfeitas vão chorar para a casa de banho e escondem as olheiras por baixo de maquilhagem, não vá o público das vidas perfeitas vaiá-las. As pessoas que têm vidas perfeitas passam muitas noites sozinhas, escondidas na sua perfeição, a olhar e a contar tudo aquilo que têm para ver se esquecem o que não têm, mas verdade é que este vazio é sempre maior que o espaço que tudo o mais ocupa.
Estou em crer que as pessoas com vidas perfeitas desejariam muitas vezes uma vida imperfeita. Daquelas onde falta dinheiro, saúde, vigor físico, amizade, amor. Porque talvez perante a falta de tanta coisa já não se notasse tanto a imensa falta que lhes faz a única coisa que não têm. E pelo menos não teriam que fingir a constante perfeição porque já ninguém esperaria que estivessem felizes o tempo todo. Poderiam chorar sem censura. Que mais se pode esperar dos coitadinhos? Chorem à vontade. Já as pessoas de vidas perfeitas nunca podem chorar. Que tamanha ingratidão chorar pela mísera migalha que se não têm quando se leva debaixo do braço um pão inteiro?
É para além de se ter tudo, sente-se a culpa de se ter tudo e, ainda mais, a culpa de não apreciar o que se tem, de querer esse tudo e um bocadinho mais. O que haverá para além do tudo? Que maravilhas insuspeitas se escondem por trás das vidas de quem tem menos (e bem menos) que tudo?
É que aquilo que não temos é o que mais falta nos faz. Podemos ter tudo, excepto aquilo que não temos, e é exactamente esse aquilo cuja ausência se torna gigante, a ponto de tudo o mais que efectivamente temos se tornar pequenino demais para encher as nossas vidas.
Aquilo que eu não tenho ofusca tudo o que eu tenho. Como é que uma coisa que não existe pode ser mais importante do que uma coisa que existe? Como pode pesar mais do que todas as coisas que existem? É a não existência mais valiosa do que a existência?
Aquilo que eu não tenho é exactamente o que mais quero. Com o perigo, porém, de depois de o ter poder deixar de o querer. Ah, mas quem pode ser feliz assim, se só quer o que não tem? Não sei. Só sei que enquanto o não tenho gasto-me e desgasto-me a descobrir formas de o ter, a lamentar-me por não o ter e inclusivamente chego a ser indulgente comigo precisamente porque o não tenho.
Ao fim ao cabo, com tão grande ausência, a tal vida perfeita não é tão perfeita assim. Ou não será que ela é perfeita precisamente em virtude da tal ausência? Será que eu estou melhor por não ter aquilo que não tenho? Será que se o tivesse a minha vida deixaria de ser perfeita? Than again, who in hell wants a perfect life?
Dêem-me aquilo que eu não tenho e deixe-me ter uma vida imperfeita.
É que a perfeição é altamente sobrevalorizada.

5 comentários:

  1. O ser humano é por natureza insatisfeito! O problema é que essa eterna insatisfação persegue-nos de tal modo que não nos deixar fruir plenamente aquilo que possuímos (que aos nossos olhos parece sempre pouco).... depois quantas vezes não choramos por aquilo que tivemos e não soubemos valorizar!?

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  2. Coisas que as nossas avós diziam: só damos valor às coisas quando as não temos.

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  3. É verdade... há muita sabedoria nas palavras das avós :)

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  4. "You can’t spend all your time worrying about where your next Twinkie is going to come from, so follow rule #32 and Enjoy The Little Things."

    Zombieland

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  5. Rule 33: Enjoy the little things, unless they are men. Then, enjoy the big things.

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