quarta-feira, 30 de março de 2011

Um pensinho de nicotina para viciados emocionais


Vícios. Uma coisa terrível. Que nos consome. Que nos arrasta para a penúria. Que esgota as nossas forças. Há quem fume 2 maços de cigarros por dia. Quem seja tão dependente do álcool que chegue a beber água-de-colónia. Quem tenha pilhas de caixas de sapatos a forrar as paredes de casa. E quem esteja viciado numa pessoa. Não em pessoas, note-se. Não me refiro propriamente a esses animais sociais que animam qualquer festa. Refiro-me a uma particular pessoa.
Ora, se existem os alcoólicos anónimos, porque não exsitir os apaixonados anónimos? E clínicas de reabilitação para apaixonado-dependentes. Mais fácil ainda, porque não inventar um raio de um pensinho de nicotina para viciados emocionais?
Quero crer que já todos passámos por isso. Assim como um toxicodependente começa a tremer e a transpirar quando lhe falta a droga, também o nosso coração começa a bater mais forte com o telefonema que não chega. Sentados no sofá, telemóvel entre as mãos, olhos no visor não vá aquela porcaria estar no silêncio sem nos apercebermos, e ali ficamos, na dúvida se devemos ou não ligar. E que tal uma mensagem? Parece menos intrusivo. Mas assim não lhe ouvimos a voz. Mas…e se ligarmos e ele não atender? E se por algum motivo o registo da chamada se perder no meio de tantas outras não atendidas e ele nunca souber que ligámos? Mas não será (demasiado) patético sermos nós a ligar?
Até que o telefone toca. E vamos a correr. É só uma amiga tonta a lamentar-se daquele namorado horrível que não a deixa estar tempo suficiente nas lojas. E temos que a despachar com a desculpa de outra chamada em linha, não vá ele querer ligar e estar o telefone ocupado.
Até que toca de novo. É mesmo ele. Ofegantes, tentamos desacelerar o coração e fazer aquela voz normalíssima de quem passou por acaso pelo telefone naquele mesmo instante, no meio de uma agitada vida social.
E se ele não liga mesmo? Resta pedir a um amigo - daqueles que nos limpam as lágrimas e nos aturam as birras – para nos dizer o óbvio, aquilo que já sabemos mas que ainda assim precisamos de ouvir de outra boca que não a nossa para se tornar mais verdadeiro: “Não lhe ligues. Acabou”.
Vícios, esses malandros disfarçados de paixão, que anos arruínam a existência. Que fazer para ganhar esta batalha?
Uma amiga minha ia para o ginásio correr como se não houvesse amanhã. Outra encheu a agenda de tantos eventos sociais que mal dormia com tal número de compromissos. Outra começou a passar tanto tempo no trabalho que quase se diria que dorme debaixo da secretária. Enfim, os viciados fazem coisas estranhas para tentar superar os vícios ou, pelo menos, para tentar levar uma vida normal com os ditos agarrados a si.
Como qualquer outra droga, estas pessoas raramente nos fazem bem. Não nos fazem mais felizes. Uma parte de nós sabe que estaríamos melhor sem elas. Mas a outra parte – a parte idiota, vá lá – vai alimentando esta addiciton com memórias de momentos felizes, muitas vezes mais irreais do que reais.
Mas, tal como os demais viciados, há um dia em que alguma coisa acontece cá dentro da cabeça. Um click, um momento iluminado, em regra um grande desgosto, daqueles choques emocionais que nos electrocutam o coração.
Não passa por mero acaso. O vício não passa assim. É necessário, imprescindível mesmo, submeter-nos a um tempo de desintoxicação durante o qual é admitido rir, chorar, beber, usar saias mais curtas e saltos mais altos. Em circunstâncias muito, mas mesmo muito excepcional, até está autorizado uma pequena leviandade. O que for necessário para nos mantermos à tona, dentro dos limites daquilo que cada um permite a si próprio para se conseguir olhar ao espelho, o que, já se vê, varia de acordo com as barreiras morais de cada um de nós.
O quer me traz de novo à minha teoria inicial: quão mais fáceis seriam as coisas se tivéssemos o tal pensinho de nicotina. Muita dor, muita patetice e muitos traumas se evitariam.
Mas provavelmente precisamos mesmo de percorrer este caminho árduo e espinhoso, para que da próxima vez que estivermos prestes a apaixonarmos termos bem vincada na memória o desfecho que nos espera.
Se beber não conduza. Se viver, não se apaixone.

3 comentários:

  1. Como metade do outro é criação nossa…
    A dentada de um cão…

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  2. Mais um texto lindo.. descreves perfeitamente a situação.
    Quando arranjares um pensinho de nicotina desses avisa-me..:p

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  3. Se eu encontrar um pensinho desses vou patenteá-lo e ganhar dinheiro suficiente para pagar uma clínica de desintoxicação e uma terapia de sapatos.
    Obrigada Alice

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