sábado, 5 de março de 2011

O efeito “pessoa feliz”


Há dias assim. Tudo começa bem… até que começa a correr mal.
Acordamos bem-dispostos, etc e tal, mas depois tropeçamos mal pomos um pé fora de casa.
Chegamos à paragem do autocarro e a fulana que lê a revista de cusquices nem sequer se desvia para nos deixar sentar, de modo que ali ficamos encolhidas num cantinho do banco enquanto ela, no meio do dito, se estica para todos os lados como se estivesse no sofá da sua sala.
Vamos a subir para o autocarro e alguém nos passa à frente na sofreguidão de ser a primeira.
Imprimimos o documento errado.
Sujamos a secretária com café.
E, como se tudo isto não bastasse, chegamos ao ginásio, já cansadas antes mesmo de calçar os ténis, arrumamos a nossa tralha no cacifo mais próximo, e vamos fingir que ainda há esperança de recuperação para o nosso corpo. Regressamos arrastando-nos pelo chão, e só queremos um bom banho e que ninguém nos chateie. Mas porque não somos umas bestas pedimos amavelmente à pessoa do lado que está sentada frente ao nosso cacifo se nos dá licença para podermos tirar as nossas coisas. Mas, porque há de facto pessoas que são umas bestas, e a nossa vizinha do lado calha a ser uma delas, a tipinha olha para nós, com o ar mais aborrecido que alguma vez se viu neste lado do universo, e nem se mexe. Como não temos outra opção ficamos ali a olhar para a dita cuja, na expectativa que ela se aperceba que se quer mordomias terá que construir em casa o seu próprio local de treino. Finalmente levante aquele rabo gordo do nosso lugar e diz (sentem-se bem e não caiam da cadeira com esta):
“Mas porque é que ficou neste cacifo? Devia deixar um de intervalo! Há tantos cacifos vazios ali ao fundo!”
Ora, euzinha, no meu estado normal, ter-lhe dado as informações para ela ir ter a um certo sitio que eu cá sei, porque uma senhora é uma senhora mas uma mula é uma mula e merece ser tratada como tal. Mas euzinha estava cansada, transpirada, esfomeada, e já agastada pelo dia tenebroso que me calhara na lotaria. Por isso euzinha respondeu apenas: “Fiquei aqui porque quis ficar aqui”.
Despi-me, fui para o chuveiro com o arsenal de cremes e champôs, e enquanto a água quente me batia na moleirinha pensava de mim para mim que a minha existência no mundo era não mais que dar pérolas a porcos. Fui invadida por aquele desânimo que se apodera de nós quando percebemos que o mundo não é cor-de-rosa nem feito de algodão doce, mas um sítio sombrio povoado de gente pequenina, limitada, mal-educada, snob. Voltei para o meu sítio, o meu cacifo agora liberto de investidas externas, e enquanto me limpava só pensava o quanto irritada eu estava e na pouca paciência que me restava. Dá que tenha respondido mais secamente à voz que me perguntou se queria utilizar o secador. Não fui rude, isso não. Mas seca e concisa, sem sorriso para oferecer.
A páginas tantas dei pelo facto da minha toalha estar a no espaço de outra pessoa – a pessoa da voz – e pedi-lhe desculpa pela invasão de território. Ao que a Voz responde: “Não faz mal. Sabe que eu não sou mal-educada como a senhora que estava ao seu lado”. Eu olhei para ela. A Voz olhou para mim. Disse que tinha ficado estupefacta com a cena, blablabla… nem sei ao certo o que ela disse, mas no final sorriu. Fez-me sentir apoiada, tranquila, compreendida. E, sobretudo, feliz.
E eis aqui a minha tese, excelentíssimo júri: as boas pessoas são felizes, porque tornam os outros felizes e os outros tornam-nas a elas felizes. A contrario sensu, as pessoas más são infelizes e deixam os outros infelizes.
Nada sucede por acaso. Tudo aquilo que fazemos acaba por ser o resultado do que alguém nos fez a nós, de modo que quando os nossos actos deixam de abonar em nosso favor devemos quebrar o ciclo. Transformar-nos no elo de uma cadeia diferente, onde atrás de nós está uma boa pessoa, que nos faz feliz, e consequentemente faremos nós felizes o próximo que esteja na fila.
Eu, que me preparava para um dia a ser azeda e amargurada, fui contagiada pelo sorriso de uma estranha que, entre roupa transpirada e toalhas molhadas, me mostrou que o mundo está cheio de boas pessoas que não merecem nada mais senão gentileza, delicadeza e apreço. Se a voz não me tivesse interceptado eu teria saído dali amarga, e esvaziaria todo essa amargueza na próxima pessoa que não me segurasse a porta ou que abrisse a boca para dizer algum disparate. Em suma, passaria o dia infeliz e a fazer os outros infelizes, e esses outros iriam para as suas casas e fariam infelizes as mulheres, os maridos, os filhos, os cães e os canários.
Mas o mundo foi salvo meus caros. Bastou uma pessoa e um sorriso franco para eu voltar a acreditar na bondade humana. E assim, durante o que restou do meu dia, tentei fazer os outros sentem-se apreciados. Quem sabe se não terão ido jantar também eles com a intenção tornar felizes os maridos, as mulheres, os cães e os canários.
Este é o efeito “pessoa feliz”.

1 comentário:

  1. Tu Inspiraste-me hoje! A tentar ser uma "pessoa feliz"! Obrigada. Bjinhos

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