sexta-feira, 25 de março de 2011

Amor à primeira amizade?


A minha religião é a do amor à primeira vista. E não é que seja intolerante, mas admito que tenho alguma dificuldade em perceber o amor à primeira amizade.
Como é que a coisa funciona? Um dia acordamos e percebemos que aquele amigo que conhecemos há anos, com o qual partilhámos lágrimas, bebedeiras, charros, desgostos de amor, confidências, e até detalhes de alguns truques sexuais, subitamente, se tornou o amor da nossa vida? Notem bem que não estou a dizer que é impossível de suceder. Gostava era que me explicassem como é que a coisa acontece… a ver se acontece comigo.
Acorda-se e já está? Bate-se com a cabeça na esquina da mesa e já está? Faz um xixi e já está?
É que eu sempre tive como melhores amigos os meus namorados. Mas a ordem cronológica das coisas foi a inversa: primeiro tornaram-se namorados e depois melhores amigos. Até já podiam ser amigos antes disso, mas… enfim, mais daqueles conhecidos com quem se sai de quando em vez e se bebe um café no meio de um grupo alargado. E alguns nem isso.
Porque eu, já se sabe, eu sou um terramoto. Eu sou de emoções fortes, de intensidades tão intensas que fazem com que ao pé de mim um vulcão seja uma mera fogueirinha de praia. De modo que do meu historial amoroso sempre fizeram parte paixões assolapadas ao primeiro cruzar de olhos. Com flechas de Cupido e tudo o mais a que as histórias fulminantes de amor têm direito. Depois sim, vem a amizade, a partilha, a confidência, a ponto de poder dizer que o final das minhas relações foi (sobretudo) devastadora porque mais que perder um amor perdi um melhor amigo.
Mas isso são coisas passadas, bem enterradas cá dentro, naquele sitio onde nem vale a pena remexer.
Ora, ultimamente dou por mim a pensar como seria essa “coisa”, esse “fenómeno científico” de me apaixonar por amigo.
Esta hipótese soa-me particularmente estranha porque em boa verdade eu estabeleci uma espécie de Apartheid nas minhas relações sociais.
Assim, de um lado da barreira tenho os meninos (por vezes tão próximos que são quase meninas), os meus amigos, em quem confio, que nunca me deixam mal, nunca chegam tarde, nunca mentem, nunca deixam de gostar de mim.
Do outro lado, numa espécie de ghetto emocional, tenho os gajos. Os tipos. Esses homens altos que me fazem perder a paciência, a cabeça, o juízo e, na maior parte das vezes, o coração. Os que me mentiram, me traíram, me deixaram cair.
Há dias um desses amigos acusou-me de ser close-minded, limitada, tacanha mesmo, por permitir que os “de lá” passem para o “lado de cá” e se tornem amigos, mas nunca que os “deste lado” pisem espaço algum do “lado de lá” e passem a mais que amigos.
Ora, eu posso ser teimosa e caprichosa, mas de vistas curtas é que não. Não fiquei propriamente ofendida com o reparo, mas não posso evitar pensar no assunto. E chego a desejar que me apareça por aqui um qualquer Nelson Mandela que me acabe com este Apartheid emocional. Que me mostre que são todos iguais, para o melhor e para o pior. Eu sei que sim, mas preciso de uma confirmação adjacente, que me diga que os meus meninos também mentem (ainda que não a mim), também traem (mesmo que não a mim), também são filhos da puta (embora nunca o tenham sido comigo). Mas, ao mesmo tempo, que podem ser românticos, e especiais, e arrebatadores e deixar-me em pele de galinha.
Até hoje nunca tal aconteceu, mas, já sabe, nunca digas desta bolacha não comerei.
E confesso que sei com toda a clareza que já perdi oportunidades únicas de ter coisas especiais com pessoas especiais, que tiveram a infelicidade - ou melhor, a infelicidade foi minha, não deles – de se tornarem antes de tudo meus amigos, meus confidentes, e depois dessa relação fraternal já não sobrou espaço para mais nada.
Termino esta reflexão com um episódio de um das minhas vidas passadas. Eu estava na praia com ele. Doido. Nerd completo. Inadaptado social. Enfim, o tipo de gente com quem acabo por sentir empatia. Olha para o céu e começa a cantar: “sabes bem que os opostos se atraem”. E eu, no meio das leituras cor-de-rosa, respondo da minha espreguiçadeira. “é verdade não o podes negar”. Ele levanta-se de rompante e afirmou, quase em pânico: “nunca conheci ninguém que conhecesse o resto da letra. E disse para mim mesmo que no dia em que encontrasse alguém assim ela seria a mulher da minha vida”.
Nunca tal aconteceu. E não apenas porque a fasquia dele estava baixinha (afinal, quem nunca viu anúncios ao martini?), mas porque ele era o meu melhor amigo, o meu irmão, aquele a quem eu apresentava namoradinhos de fraca qualidade. E recordo bem as palavras que ele disse a um desses projectos de namorado: “Só há uma coisa que tens que saber acerca dela: quando te começar a ligar às 4 da manhã a falar de dramas existenciais… esquece! Passaste a “amiguinho” e nunca mais vai ter nada com ela”. Na altura eu ainda não tinha compreendido isto, mas ele sabia-o porque já aí me conheci melhor que ninguém.

5 comentários:

  1. Kika, vou contar-te um episódio frequente da minha vida doméstica.
    A mamã vem, pé ante pé, com a conversa do costume de fulano de tal e mimimi que é tão bom rapaz, que é tão atencioso contigo, que até connosco é irrepreensível, que te liga tantas vezes, que se penduram no telefone às horas inteiras, que têm os mesmos gostos, amigos comuns, que por certo só está tímido e tréu-téu-téu-pardais-ao-ninho (já sei a lenga-lenga de cor... há anos que é a mesma, com a mesma vítima). Vai daí, eu ouço, ouço, ouço, ouço, ouço, vou acenando e concluo, invariavelmente, com um "somos só amigos". É chegada enfim a hora em que ela saca da sua brilhante pérola "Todos devíamos casar com amigos. Com grandes amigos. Reduzíamos o risco de um dia acordarmos e não conhecermos quem dorme connosco ou... pior, descobrirmos que é um inimigo" :)

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  2. Nunca ouviste dizer que as mamãs têm sempre razão miúda?

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  3. Engraçado o seu texto, deve ser bom não ser seu amigo!!!

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  4. Não creio que os meus amigos tenham razão de queixa.
    Mas em boa verdade nunca lhes mostrei o Livro de Reclamações...

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  5. Ouvi. Mas ele talvez não :p

    Beijinhos, Pipoca!

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