segunda-feira, 21 de março de 2011
Don’t ask, don’t tell
Há coisas que não se devem perguntar, desde logo porque não se devem responder. Percebo perfeitamente a política tomada no exército norte-americano em relação a homossexuais: a orientação sexual é (devia ser) irrelevante para o desempenho de cada um na defesa da Nação.
Eu assumi esta mesma política face à minha balança: eu não lhe pergunto quanto peso e ela escusa assim de me dizer. E vivemos ambas felizes, eu na minha ignorância, ela no seu silêncio. Ao longo dos anos fui até aprendendo uns truques sobre como enganar a malvada. Pezinho mais para a frente, pezinho mais para trás. Força no calcanhar ou no dedo gordo do pé. E sempre que me obrigam a subir a uma balança em público sublinho e resublinho as gramas de roupa que tenho em cima, o copo de água que acabei de beber e até o peso brutal destes caracóis que teimam em fazer oscilar o ponteiro da balança.
Não que eu desconheça completamente as minhas variações de peso. Muito pelo contrário, conheço-as como ninguém. Basta-me agarrar um bocado de carnuça para logo perceber o diâmetro da coisa. E, se dúvidas persistirem, sempre temos aqueles jeans bem justinhos, comprados em tempos de faculdade e dos meus 40 e tal quilos, que servem para demonstrar o grau da hecatombe dimensional do meu corpo.
Isto é uma coisa. Coisa diferente é dar um valor ao meu peso. Determinar-lhe um número.
É que não se já sei se já se aperceberam mas as pessoas vivem muito mal com quantificações. Os números – dos mais variados tipos – são o calcanhar de Aquiles de todos nós. Há muitos anos atrás o Futre irritou-se com a Manuela Moura Guedes porque ele lhe perguntou na televisão quanto é que ele ganhava. Os arguidos têm o hábito de se remeter ao silêncio quando o Ministério Público lhes pergunta quantos crimes cometeram. O Ministro das Finanças fica sempre incomodado quanto a oposição o questiona sobre quais os novos números das mais recentes medidas de austeridade. Nós, os sportinguistas, não gostamos de falar de quantos golos já sofremos. Uma amiga minha não tolera que lhe perguntem com quantos homens já dormiu. E, vá lá, não há homem que aguente ser questionado sobre quantos centímetros mede o seu pénis.
Ora, os centímetros (ou milímetros) da pilinha masculina estão para os homens na mesma relação que os quilos que a balança marca estão para as mulheres. São assuntos sensíveis para ambos. Por isso, se não há questionário que indague os homens sobre essa questão tão melindrosa, porque raio é permitido perguntar isso às meninas?
Ainda há dias estava eu num hospital, a preparar-me para um exame médico, quando me passaram para as mãos o questionário da praxe, onde ao lado de perguntas relevantes como alergias e doenças de família, lá vinha a questão do peso. Hesitei. Escrevi. Risquei. Escrevi de novo. Não me contive e tive que indagar sobre a pertinência de tal pergunta, quando nunca ninguém se lembraria de perguntar a um senhor, antes do TAC ou da radiografia, quanto media a respectiva pilinha. A senhora do outro lado do balcão foi compreensiva porque, afinal, falamos a mesma linguagem. Mas, meus caros, garanto-vos que se o meu interlocutor fosse um cavalheiro lhe perguntaria se me queria tomar o peso e ser ele mesmo a escrevê-lo. Ou melhor, rectifico – se fosse um cavalheiro alto e moreno – dirigia-lhe esse pedido. Mas como não era não me restou mais nada senão mentir com quantos dentes tinha na minha boca (que, aliás, se estivesse mais fechada, me teria feito mentir menos)
A verdade é esta: o peso de uma mulher interessa a um grupo restritíssimo de pessoas: à costureira, ao personal trainer e à pessoa com quem mantem intimidades, que mais não seja porque a certa altura acabam por estar um por cima e outro por baixo Não interessa a mais ninguém.
De modo que não pergunte. Porque se quer mesmo uma resposta vai ter que me levar ao colo.
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Falo sempre do meu peso com 5 kilos a menos e acredito. No sabado fui a consulta e apesar de ver 66kg... Ainda acho que peso 60 :D
ResponderEliminarEliana, mas tu pesas 60kg na verdade. O resto é o peso dessa personalidade imensa :)
ResponderEliminarVai ter culpa de não ser oca?