sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
A minha vida é um filme (não indiano, mas a preto e branco)
Nos filmes a vida é bem mais interessante. Acontecem mais coisas. As pessoas são mais bonitas. O céu é mais azul.
Nos filmes sabemos que mesmo que o nosso herói seja no momento um desgraçadinho está destinado a grandes voos, e em breve vai conhecer o amor da sua vida num corredor de supermercado, ou vai ser condecorado com uma medalha, ou receber uma herança, ou matar alguém. Ou então acontece-lhe tudo isto ao mesmo tempo. Sobretudo a primeira hipótese, que já se sabe que nos filmes ninguém fica sozinho e longa-metragem que se preze tem sempre uma história de amor à mistura, que mais não seja para mostrar como faz mal às pessoas estar apaixonado.
Ora, dizia eu que nos filmes ninguém fica sozinho. A verdade é que não é bem assim. Nos filmes de hoje em dia toda a gente vive infeliz, as histórias de amor terminam mal, os cachorros morrem no último take. Enfim, um mar de lamentações. Quase chego a crer que actualmente, para um filme ser bom, o final tem que ser dramaticamente triste.
É por isso eu que prefiro os filmes a preto e branco. Neles todos os finais são felizes e toda a tempestade dá lugar a arco-íris.
Parece que há um par de décadas atrás o que fazia agitar o público do grande ecrã eram casamentos perfeitos, amantes abençoados, despedidas logo seguidas de reencontros. Enfim, lá havia um ou outro que escapava a esta corrente de felicidade e que ainda assim conseguiu ser grande sucesso de bilheteiras. Recordemos que a Scarlett não ficou com o seu Rhett Butler. E que a Ingrid (Berman) e o Humprey (Bogart) foram cada um para seu lado, apenas partilhando as memórias de tempos felizes em Paris. Mas estas são ovelhas negras num enorme rebanho de películas cujo último frame é um daqueles beijos ofegantes, boca com boca com toda a força possível, nem sinais de língua, a menina quase a desmaiar nos braços do galã. Assim vale a pena a vida ser um filme!
Hoje, em contrapartida, não há filme oscarizado que não termine em tragédia: uma morte, uma fuga, um divórcio, um carro a partir, uma despedida, um choro. É como se os realizadores soubessem que para cair nas boas graças da Academia têm que fazer o público chorar amargamente e, como se isso não bastasse, deixar-lhe uma memória bem triste para o acompanhar o resto da noite. Alguma coisa que nos amedronte e nos faça perder toda e qualquer esperança de a nossa própria vida ter também o seu happy end.
Aliás, nós mesmos, público, alimentamos essa tendência. Afinal, que dizemos nós quando saímos do cinema após ver uma daquelas comédias românticas em que tudo termina bem? “É giro o filmezito. Daqueles que termina bem, sem muito para contar, mas foi um bocadinho bem passado”. Notem bem: para já o “giro” vem sempre à baila, na melhor das hipóteses substituído pelo sinónimo igualmente paternalista do “é engraçado”. Depois, os malfadados diminutivos: “filmezito”, “bocadinho”, “historiazinha”, e aí por diante. E fazemos questão de frisar que o filme não pode aspirar a mais do que isto, ou seja, não sobe mais na nossa opinião precisamente devido ao seu final feliz. Moral da história: se a dita comedida romântica, que nos fez rir durante uma hora e tal, terminasse com um coração partido e alguém derramado em lágrimas, ah, aí já seria um filmezão.
Sim, porque se há coisa que nos entusiasma a nós, chacais da cinematografia, é um daqueles trágicos relatos, repletos se baba e ranho, com muito berreiro e muita desgraça, e se possível com pelo menos uma morte, uma traição, uma mulher abandonada (preferencialmente grávida), um órfão, e um cãozinho sem uma pata. Filme com tudo isto arrisca-se a arrebatar o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Mas basta que contenha um destes elementos para já obter boas críticas entre os especialistas da sétima arte. Quando abandonamos a sala de cinema depois de um épicos destes, de olhos vermelhos e um nó na garganta, juramos a pés juntos que não vamos esquecer historieta nunca mais, e que tencionamos recomendar o título a amigos, primos, filhos de amigos e filhos de primos. E à vizinha da frente, se se portar bem.
E quanto mais apreciarmos um filme trágico mais bem cotados ficamos em termos intelectuais e de sofisticação. Pois já se sabe que só o povão gosta de finais felizes. As pessoas cultas alimentam a alma com aqueles filmes suecos entediantes, onde cada imagem tarde cerca de 10 minutos em ser substituída por outra, e os personagens dizem coisas incompreensíveis, desde logo porque o dizem em sueco, já se vê, mas a verdade é que tradução não ajuda em nada a decifrar um bando de frases sem sentido e com muitas pausas. Mas quanto mais sem sentido mais inteligente deve ser o diálogo, por isso vamos lá fazer cara de circunstância e preparar um aplauso no final. Rectifico: os aplausos são para o povo que gosta de coisas felizes. As pessoas iluminadas deixam a sala no mais profundo silêncio, entre suspiros e olhares de quem percebeu tudo e sabe que carrega em si o peso do mundo.
Ora, eu não quero que a minha vida seja um desses dramalhaços. Não quero um daqueles finais que permanecem na memória das pessoas, que mais não seja para lhes mostrar o que as espera a elas e às suas respectivas histórias de amor.
Eu quero ser uma comediazinha romântica. Eu quero ser um filme a preto e branco. Eu quero um final feliz.
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