terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

História de uma história de amor (ou história de quem só estás aqui porque quer)


E então ele disse-me: “Só estás aqui porque queres!”. Os olhos dela estavam húmidos ao relatar o episódio. E ficaram assim durante toda a tarde. E se calhar toda a noite, mas eu já não estava lá para ver. Nem nunca mais a vi assim.
Tinham discutido. O que não era raro. Ele, de forma também não rara, terminou a discussão da seguinte forma: “Só estás aqui porque queres”. E ela pensou para com ela (porque ela estava sozinha com ela) que, de facto, só estava mesmo porque queria. Isto é, não precisava do dinheiro dele, porque tinha o seu próprio salário, que não sendo glorioso chegava bem para as despesas correntes e para os caprichos ocasionais. Não estava pela companhia, porque tinha amigos em todos os números da sua agenda telefónica, os convites choviam ao som das mensagens que lhe interrompiam o sossego das suas tardes e das suas noites caseiras e, além do mais, ela não desgostava assim tanto da solitude a ponto de querer estar desesperadamente acompanhada. Não estava pelo sexo, que estes tempos liberais (ou até libertinos) deixam ampla margem de manobra para devaneios a moça descompromissada, com (mas também sem) palminho de cara. Não era pelo receio de ficar sozinha até ao final dos seus dias, porque já se sabe que o que hoje termina recomeça amanhã com nova personagens.
Então, porque estava ela?
Era ponto assente – para mim e para ela – que poderia partir a qualquer momento. Arrumava os seus parcos pertences espalhados pelas gavetas do apartamento, apagava o número dele do telemóvel e saía por aquela porta por onde tantas vezes entrara. Mas era também assente – para mim e para ela – que não queria partir.
Isto só não era ponto assente para ele. Ele, que não sabia nada de nada de sentimentos, de paixões, de carinho, de gostar, de ficar. Ele, que pensava que as pessoas partiam quando bem queriam, que pensava que se gostava e desgostava ao sabor das conveniências da vida, que não percebia o absolutamente fascinante e excepcional que é ter alguém ao nosso lado que está ali… só porque quer.
Certamente que nos conforta que alguém aceda a estar connosco, que perceba a falta que nos faz e fique. Mas então não estará ali por si mesmo, mas por nós. Coisa diferente é alguém ficar porque quer. De forma absolutamente livre, desimpedida, imune a qualquer tipo de constrição, fica. Como ela ficou.
Há muitas razões que nos podem levar a ficar ao lado de alguém. O amor, desde logo. A compaixão. O remorso. A ambição. A lástima. O agradecimento. O medo. A luxúria. Qualquer um destes motivos já deu corpo a grandes histórias de pseudo-amor. Encheu páginas de romances e ecrãs de televisão. Mas quando damos por nós a desejar uma vida para vivermos, é sempre aquele primeiro motivo o que aparece. Enfim, todos nós, menos ele. Ou talvez até ele o tenha desejado mas simplesmente, não o achasse possível. Ou talvez lhe fosse mais confortável explicar a presença dela por via de qualquer um dos outros motivos porque assim não se sentia tão pequenino por não conseguir estar à altura da história de devoção que se desenhava perante os seus olhos.
Não existem sanções nem censura para amores incorrespondidos. Mas já é de censurar a leviandade com que se tratam os sentimentos dos outros. Por outras palavras, ele não tinha que gostar dela em troca do que ela gostava dele, que isto das relações humana não é propriamente uma caderneta de cromos por cada sentimento se dá outro em troca. Mas tinha que o compreender, que o valorizar e que o admirar. Sobretudo, estava absolutamente proibido de o usar contra ela, como se fosse um defeito ou uma atitude reprovável.
Foi tudo isto que eu lhe disse. No finalzinho do sermão ela levantou-se e saiu em silêncio. Soube depois que nessa mesma tarde tinha arrumado os tais parcos pertences, tinha apagado o tal número do telemóvel e tinha fechado com estrondo a porta da casa do tal “ele”. É que, de facto, ela só estava porque queria. Ele já lho tinha dito muitas vezes, mas era o último a acreditar nas suas próprias palavras. Ela, por ela, ainda queria ficar. Mas partiu só para lhe demonstrar o quanto ele tinha razão.

A história até terminaria razoavelmente bem se ficássemos por aqui. Ele feliz sozinho. Ela menos feliz sozinha, mas à espera de querer ficar com outro alguém.
Mas sei que até hoje ela ainda não quis ficar com ninguém Nem ele quis ficar com ninguém. Nem ninguém quis ficar com ele.
De modo que passam os dois as noites sozinhos, ela a pensar porque ficou tanto tempo, e ele a pensar porque não ficou ela um bocadinho mais.

4 comentários:

  1. o que ele tem ou é o medo de amar, de estar ao lado de alguém...
    ou ela ainda não é a pessoa certa para ele?

    pois é, ela está, ainda, sozinha, também porque quer.

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  2. Tantas perguntas e eu sem respostas. Nem sei se eles te saberiam responder. A única esperança será perguntar ao prof. Marcelo.

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  3. Que sorte, por vezes a resposta que sempre resultou não funciona e tudo muda, tem sempre a vantagem da aprendizagem, mais um recurso psicológico adquirido.
    Sozinhos mas mais fortes, ou não.

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