segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Coisas pelas quais vale a pena chorar


O meu carácter esquizofrénico oscila entre duas personalidades tão opostos entre si como um Óscar e uma Framboesa de Ouro. Uma tem uma enorme dificuldade em chorar e engole as lágrimas das milhentas dores do dia até ao ponto em que abre as comportas como uma barragem e chora baba e ranho até estar prestes a afogar-me. A outra é uma chorona empedernida, que até nos desenhos animados derrama lágrimas, desde o momento em que morre a mãe do Bambi até àquele em que o pequeno dinossauro se perde da sua manada.
Porque sou conhecedora do tema, decidi então meditar um pouco sobre as coisas que nos fazem chorar. E na tentativa de tornar a coisa mais científica levei a cabo um estudo destinado a concluir quais dela valiam a pena e quais eram uma total perda de tempo e de fluidos.
Coisas pelas quais não vale a pena chorar:
i) Por zangas com familiares: os laços de família são altamente sobrevalorizados. O que conta são os laços efectivos, que nos podem ligar a pessoas que não têm connosco nenhuma semelhança genética. Se o avô prefere os outros netos, ou se a tia mesquinha nos acusa de andarmos atrás de heranças, isso é problema deles, não nosso;
ii) Por vicissitudes do trabalho: no trabalho há que ser duros e implacáveis. Olhos inchados não se compaginam com o exímio profissional que todos queremos ser. Por isso, o melhor é fazer das lágrimas força, fúria mesmo, e utilizar toda essa energia para trabalhar pela noite dentro, já+a que chorar na almofada dá dor de cabeça e retira a concentração;
iii) Partir uma unha: as unhas longas estão demodée. Viva as unhas curtas que não nos magoam ao tirar as lentes de contacto;
Coisas pelas quais vale a pena chorar.
i) Perder um amigo: os amigos, tal como os guarda-chuvas, podem ser facilmente perdidos. Não que nos esqueçamos deles em algum lado, simplesmente, esquecemo-nos deles. Ou eles de nós. O que equivale ao nosso próprio guarda-chuva esquecer-se de nós. E assim como as pessoas sem guarda-chuva se molham e podem ficar constipadas, em última instância apanham pneumonia e morrem, também a perda de um amigo mata um bocadinho de nós porque aquela pessoa já se tinha integrado entre a nossa epiderme e a nossa derme;
ii) Estragar um sapato: porque os sapatos são nossos amigos e, por conseguinte, equivale a perder um melhor amigo;
iii) Ganhar 5 quilos: neste caso não choramos apenas pelo facto de nos termos aproximado de mamíferos marinhos, mas também porque chorar deve, certamente, gastar algumas calorias;
Se há coisa pela qual não devemos, de todo chorar, é pela ruptura de uma relação. Claro que é a minha vertente racional a dizer isto, porque em boa verdade quando sou eu a interveniente de um desses dramazecos de filmes de série B, choro como se o mundo fosse acabar naquele mesmo momento. Ora, quando um, ou os dois, decidem terminar uma relação não se está a perder nada, mas sim a ganhar. A ganhar a oportunidade de poder encontrar o verdadeiro amor da nossa vida. Basta que um não esteja bem na relação para tomarmos isso como um sinal de que não é aquilo que andamos à procura. As histórias de amor pelas quais vale a pena chorar são aquelas em que as coisas terminam por motivos completamente alheios à nossa vontade, e isso apenas acontece quando o amor da nossa vida morre. Como nos filmes e nos romances. Como da Dama das Camélias. Aí as coisas terminam de uma forma que não podemos evitar. Em todas as outras situações podemos inventar mil e uma desculpas para as coisas não resultaram, mas, em boa verdade, se não resulta é porque não queremos que resulte, porque as nossas prioridades assim o ditaram. Não é a vida, nem as suas circunstâncias, que nos controla a nós e que decide o nosso destino. Somos nós que orientamos a nossa vida como bem entendermos. Se achamos que um trabalho, um capricho, uma queca, uma noitada com amigos, que tudo isso vale mais do que a relação, então, trata-se de uma decisão nossa. De modo que terminar uma relação não é motivo para lágrimas, mas para esperança por dias melhores e pela possibilidade que se abre de poder encontrar a real meia-laranja. Se ainda assim quiserem derramar umas lágrimas, não chorem por um suposto amor perdido, mas sim pelo tempo que perderam com ele.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O mundo não é tão pequenino assim



Num tempo em que tanto se fala da aldeia global quase nos convencemos que o mundo diminuiu de tamanho. E é bem verdade que quando preciso de uma decisão de um obscuro tribunal alemão me basta ir à net buscá-la, que logo que o meu avião aterra noutro continente me basta ligar o telefone para ouvir a voz da minha mãe e que à custa de mails, do msn e do FB posso seguir de perto – por vezes perto demais – as vidas dos amigos que fui fazendo nas viagens.
Acabaram-se as cartas enviadas por navio e as chamadas telefónicas pedidas à telefonista. Quase parece possível alimentar um amor à distância, sobretudo desde que os senhores inteligentes inventaram webcam’s. O phone-sex e o cyber-sex já não são só coisas de tarados ressabiados que pagam ao minuto, mas o dia a dia de muita gente separada por fronteiras e mesmo oceanos. Resumindo, se fossemos Penélopes e o nosso Ulisses se fizesse ao mar dificilmente ficaríamos a tecer uma concha interminável de tricot. Mais depressa comprávamos um Mac e um Blackberry e nos metíamos a enviar smiles e abreviaturas próprias de putos de 14 anos.
Infelizmente, o romance vivido a quilómetros é pura utopia, e nem os Bill Gates deste mundo a conseguiram até agora tornar realidade.
Foi a consciência desta impossibilidade que me levou a abandonar de vez paixonetas por polacos, libaneses and so on e decidir que, se queria mesmo uma casa com uma cerca branca, um cachorro e dois gémeos tinha que começar e encontrar encantos vários no produto nacional. Não desdenho do que temos, até porque o que é nacional é bom. Mas tempos houve em que preferia os made in qualquer outro sitio, até porque, em bom rigor, a minha existência de saltimbanco a isso conduzia.
Mas a vida é traiçoeira qb, e bem pode suceder que o tuga das nossas vidas seja um desses tipos que não pare muito tempo no mesmo sítio: um futebolista, um piloto, um tipo qualquer que ande com a casa às costas?
Já disse e redisse que as relações à distância estão condenadas ao fracasso, por melhores que sejam as nossas intenções, por maior que se revele a nossa força de vontade, por mais bem formados que sejamos ou por muito apaixonados que estejamos. É que a solidão é um monstro aterrador e mais tarde ou mais cedo vai-nos fazer procurar um ombro amigo. Nesse altura tenho para mim que pouco valerão as conversas no msn, as fotos que se enviam, os mails com poemas, as mensagens antes de dormir. O que o ser humano precisa é de toque de pele. Não sexo necessariamente. Mas o toque quente de outro corpo, na mão, no rosto, no joelho que seja.
Antigamente não era bem assim. Todos conhecemos histórias de emigrantes, de aventureiros, que partiram em busca de um sonho, de uma vida melhor, deixando por cá namoradas e mulheres, e assim as encontrando no seu retorno. A diferença é que nesses tempos a vida as mulheres era bem mais reprimidas, de modo que nem a sociedade lhes admitia que procurassem uma vida mais feliz fora da sua existência solitária, nem elas tinham sido educadas para isso. E assim esperavam. Por vezes traiam e esperavam. Mas esperavam sempre. Ou então iam com eles. É que esses tempos idos as mulheres não tinham que se preocupar com carreiras, e como a maioria tinha por profissão lavadora de louça ou cuidadora de filhos tanto o podiam fazer cá como do outro lado do mundo. De modo que era bem mais simples ser uma Pochahontas que deixa tudo (o pouco que tinham) para trás e partiam com o seu John. Hoje em dia o mundo complexificou-se. Já não é tão fácil para uma mulher fazer a mala e partir. E o doutoramento? E a empresa? E a nova promoção? E a realização profissional? E a realização pessoal? E todos os anos que andei a estudar? Por outro lado, muitas vezes somos nós as que partimos e eles os que ficam e, verdade seja dita, não tenho conhecimento de nenhum espécime masculino que tenha deixado a sua vidinha para acompanhar a cara-metade nas suas viagens pelo mundo. É que ter o eterno estatuto de “mulher do…” parece, apesar de tudo, mais aceitável do que ser o “marido da”, sem mais nada, mas apenas isso.
Quando confrontados com a aproximação de uma partida reagimos de formas diversas. Há quem chore na almofada antes de dormir. Há quem enverede pela chantagem emocional e por mais apoio que tenha dado no inicio ao projecto da cara-metade agora faz-se de sofredor na vã tentativa que o outro ceda, sem perceber que, afinal, é a relação que está a ceder. Há quem seja mais espevitado e comece a fazer planos para uma partida conjunta. E há quem, pura e simplesmente, se decida a terminar já tudo para não vir sofrer mais no futuro.
São decisões complicadas, que implicam que estejamos bem certos das nossas prioridades e do que queremos das nossas vidas. No meu caso, de uma coisa estou certa: a internet pode até resolver os meus problemas de pesquisa científica, mas nunca poderia substituir uma mão forte na minha.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Preciso que precises de mim


Desde que sou pequenina que quando estou doente o que mais quero é ter a minha mãe ao pé de mim. Ainda que seja para não fazer nada. Só mesmo para estar ali.
Quando há muitos anos atrás a minha vida sofre um revés daqueles que nos fazem questionar tudo o que existe só sobrevivi porque uma amiga se mudou de armas e bagagens lá para casa e cuidou de mim como se eu fosse a irmã que ela não tinha. Coisas que nunca esquecerei, imagens que ficaram para sempre marcadas da minha memória e que não conto aqui por algum pudor.
Há pouco tempo voltei a passar por uma tragédia pessoal e, mais uma vez, me vi na contingência de ligar aos amigos mais próximos, que chegaram ao ritmo dos segundos para me tirar dali e me pôr a salvo. E perante a imensidão da minha tristeza pedi a uma amiga, daquelas que sempre nos acompanham, para me fazer companhia nessa noite. Precisava que ela estivesse ali.
Esta é, no geral, uma característica das mulheres. Umas mais, outras menos, nenhuma de nós se inibe de emitir um SOS para uma amiga ou, quando estamos apaixonadas, para o Ele. É por isso que gostamos de vos contar todos os pormenores do nosso melodrama, para depois chorar no vosso ombro. E ficamos ali, só por sim.
No meu caso particular, o facto de ter sido tão mimada ao longo da minha vida pode explicar esta necessidade de nas situações limite ter outro coração a bater junto ao meu. Habitei-te desde cedo a ter ali alguém – o pai, a mãe, a prima, um amigo – e apesar de a idade me ter tornado mais individualista, mais forte, ter endurecido a minha casca, ainda hoje não me envergonho de estender a mão e pedir uma presença.
Por isso mesmo tenho alguma dificuldade em compreender porque é que vocês não o fazem. Vocês, os homens. Ai, os homens. Não importa que estejam nas urgências do hospital a contorcer-se de dores ou em casa a arder em febre, não importa que tenham perdido alguém que lhes é muito querido, ou sofrido um grande desgosto, ou tido um revés no trabalho, ou mesmo perdido o emprego, ou caído da mota, não importa que o vosso mundo acabe mas, basicamente, nunca precisam de ninguém. Não percebem que essa não é a vossa força, mas sim a vossa fraqueza?
Será que no dia em que vos ensinaram que um homem não chora também vos disseram que um homem aguenta tudo sozinho? Um homem chora, e não apenas quando entala a pilinha no fecho das calças. Chora quando perde alguém ou está na eminência de perder. Chora quando lhe magoam o coração. Vou assumir que, ao contrário de nós, não chora porque já não há sapatos do seu número. Mas depois soluça que nem um bebé quando a sua equipa perde a taça. So what?
Ah, raça malvada!
Recordo-me da minha prima teenager ter no quarto uma pedra que ela própria pintara à mão, e onde desenhara artisticamente uma frase. “Nenhum homem é uma ilha”. Escusado será dizer que aos olhos dos meus 8 ou 9 anos aquela afirmação era indecifrável. Talvez pelo seu mistério nunca a esqueci e revejo agora a pedra na minha cabeça, com todos os seus pormenores. Nenhum ser humano é uma ilha. Não o são as mulheres, apesar de os poetas gostarem de retratar o nosso corpo como tal. Não o são os homens. Todos precisamos daqueles que mais gostamos. E esses que mais gostamos, e que também mais gostam de nós, precisam que precisemos deles. Porque aquela voz ao telefone que nos diz “Vem até cá, por favor, preciso de estar contigo”, diz muito mais do que isso na verdade. Diz-nos que nos tem como uma pessoa especial, em que confia, que a nossa mera presença é suficiente para o tranquilizar. Precisar é amar.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O dia em que me senti uma pilinha a entrar num preservativo



Namorei -o com os olhos desde o primeiro momento em que o vi na loja. Não me refiro ao empregado, mas ao vestido. Lançava-lhe olhares gulosos do lado de fora da montra, toca-o com a ponta dos dedos enquanto passeava pelos cabides e contava os dias até à época de saldos. O que eu não contei foi com a conhecida lei de Murphy que nos diz que entre as escassas peças que não entram em saldos vai estar exactamente a que mais gostamos. Depois de lutar comigo primeiro venci-me a mim própria e lá me convenci a comprá-lo, ainda que o preço que estava na etiqueta (e que se tinha mantido inalterado desde o primeiro dia até ao finalzinho dos saldos) ultrapassar uma coisinha de nada o meu budget habitual. Too late, too soon. O único “exemplar” que sobrevivera à fúria comercialista das mulheres era um tamanho L, que literalmente cairia de mim abaixo aos primeiros passos que desse com ele. Fiz aqueles olhitos de gatinho do Schreck, e a senhora da loja sugeriu ligar para um outro posto de venda, na expectativa de lá andar perdido o meu “s”. Sim, de facto, lá estava ele, guardado para outra voraz consumidora, doravante conhecida como “A Cabra”. Informaram-me, porém, que o prazo de reserva terminava naquele mesmo dia e que eu seria a próxima da lista a quem eles ligariam. “A próxima da lista”… ena! Muito à frente!
Ligaram-me numa 6.º feira quente e preguiçosa, estava eu acabadinha de sair do ginásio, com o pior aspecto de sempre, transpirada e de cabelo colado à cabeça. “Está sim? Aqui é do Corte Inglês. Só para informar que o vestido que procura ficou livre hoje”.
Nesta altura do campeonato já eu tinha desistido do dito, e entrava em pranto cada vez que imaginava A Cabra com o meu amado. A voz do outro lado da linha explicou-me que A Cabra tinha pedido para o guardarem mais uns dias, mas como não dera sinais de vida iam pô-lo
à venda de novo. Haja descaramento. Não lhe basta ser uma cabra e querer o MEU VESTIDO, como o reserva sem apelo nem agravo e depois nem aparece. Espero que neste preciso momento esteja fechada na casa de banho cheia de diarreia.
Quanto a mim, irritada como estava com esta situação - com a complacência dos lojistas para com clientes idiotas, com o calor, com a minha fome - respondi que ficasse com o vestido porque a mim não me dava jeito por lá passar. Ainda se me tivessem ligado ontem… Enfim, dei uma de desprezo.
Continuei a caminhar para casa, meio cabisbaixa. Mas depois, num impulso de vaidade que nem pensei em conter, desatei a correr para o metro e, naquela triste figurinha, lá vai ela em direcção a S. Sebastião da Pedreira, e sai em pleno Corte Inglês transpirada como se fosse um pinto debaixo de chuva, de chinelo e cabelo sujo. O que uma mulher não faz por um vestido! Enquanto subia as escadas rolantes de dois em dois degraus só pensava na terrível hipótese de naqueles míseros minutos uma cabra (diferente de A Cabra, ou mesmo a própria Cabra) lá ter entrado e pegado no meu baby dress…. Ui, medo! Chego esbaforida ao balcão e digo ainda ofegante: “Ligou-me à pouco. Sou eu! Estou aqui! Posso experimentar o vestido?”. Ainda temi que a senhora mencionasse o meu desprezo anterior (de há minutos), mas ela teve o bom-senso de não o fazer, ou ter-me-ia obrigada a sair de lá de mãos a abanar mas de nariz em pé.
Para não dar a minha viagem por mal empregue peguei num outro, com o qual também flirtara e vou euzinha, com dois vestidos, para o provadora. O perfeito ménage a trois.
Problema: eu estava transpiradíssima, com o corpo húmido e quente, e o vestido era um daqueles tomara-que-caia, sem fecho e com um corpete com estrutura de varedas. Sabem como é? Enfia-se pela cabeça e vai-se puxando pelo corpo, como se fosse uma tripa ou preservativo. A questão é que, a ser um preservativo, eu era uma pilinha demasiado grande para ele. De modo que ali estava eu, com o dito enfiado na cabeça e tapando-me toda a visão, bracinhos para cima mas a tentar chegar com as mãos ao tecido para poder puxar o bicho para baixo. Coisa que não conseguia fazer por causa das varetas que eu não queria dobrar, não fosse ouvir o “click” que marcava a morte do meu apaixonado. Faço ainda notar que estes provadores do Corte Inglês nem sequer trinco têm, de forma que a qualquer momento alguém poderia abrir aquela porta e dar de caras com moi meme, em cuequinhas (e não particularmente abonatórias, if you know what I mean), cabeça tapada por um vestido aos folhos, na altura completamente preso em mim. Aquilo não ia nem para baixo nem para cima e por força da estrutura rígida do corpete não me podia socorrer das mãos. Das minhas pelos menos, o que me fez desejar um segundo par de mãos no provador. Depois de muitas cabeçadas às cegas nas paredes do vestiário e de alguns movimentos dignos de ioga avançada, lá consegui enfiar-me pelo preservativo, digo, pelo vestido, abaixo. Olhei para o espelho e não obstante estar vermelha que nem uma framboesa e mais desgrenhada que o Robert Smith eu estava LINDA. O sacana era meu. E só por causa das coisas comprei o outro também. Mereci-os por todo o esforço dispendido naquela meia-hora. E, pelo menos, caso nasça pilinha na próxima encarnação já tenho uma ideia do que me espera.

sábado, 21 de agosto de 2010

Será o stalking “some kind of love”?


Para além das paixões que cada um de nós viveu temos ainda aquelas que outros viveram por nós (sendo que, purtroppo, raramente estes dois vectores coincidem) e que merecem igualmente alguma reflexão. Desde logo, merecem o nosso respeito. Nestes tempos em que vivemos tudo é feito de plástico. Não se veja neste reparo alguma má-vontade para com o plástico. Pois que seria dos tupperwares, dos sacos de supermercado, dos copos de piquenique – em suma, o que seria de nós – sem o plástico? Mas se este material cai bem nos referidos itens já não caí bem, digo eu, quando nos referimos às relações humanas (nem, dizem muitos, às mamas, mas neste particular ainda estou em fase de ponderação). Se é tão difícil arranjar amizades puras, e ainda mais arranjar amores puros, tenho para mim que quando alguém nutre um sentimento genuíno por nós lhe devemos, ao menos, respeito e consideração. Não proponho a retribuição do sentimento porque isso são coisas do coração que pouco se deixam condicionar por relações de cordialidade e de rectidão moral. Mas respeito, isso devemos.
O problema nasce quando esse apaixonado ou apaixonada se transforma num stalker. Por mais reconhecidos que estejamos pelo apreço que alguém nos dedica, torna-se então muito difícil manter o tal sentimento de respeito. Não apenas porque corremos o risco da nossa boa-educação ser confundida com aquiescência pela parte contrária e assim alimentarmos uma paixão que nasceu já castrada, mas também porque a páginas tantas damos por nós saturados e irritados com tamanha perseguição e já só lhe desejamos um atropelamento, ainda que suavezinho.
A história começa assim: uma noite, já bem noitinha, tocaram-me à campainha. Pela câmara do intercomunicador só via os traços indefinidos de um rosto, mas depressa conclui que se tratava de um desconhecido. Que me vinha entregar uma coisa, dizia ele. Um presente enviado por um amigo. Expliquei-lhe, na forma mais amável possível para quem vive sozinho e é incomodado quase ao virar da noite, que àquela hora não lhe iria abrir a porta. Que voltasse noutra hora, se assim o entendesse.
Voltou uns dias depois, à tarde. Mal abri a porta dei de caras com um ramo de rosas. E um tipo baixinho escondido atrás dele. Explicou-me que era um mero mensageiro, e todos sabem que não se mata o mensageiro. Era o pombo-correio de um “amigo” meu, que gostava muito de mim e me queria oferecer as rosas. Por muito desinteressados que estejamos, uma pergunta se impõe: de quem se trata? Eu expliquei-lhe de volta que gostava de todos os meus amigos e certamente teria o maior gosto é saber quem era o autor da gentileza. A resposta foi curta, e já deixava adivinhar o que se seguiria: ainda não era tempo de o saber.
O que se seguiu foi um vaivém de idas e vindas do mensageiro, a entregar toda a espécie de presentes, nunca assinados e sempre com a promessa que o desfecho do mistério estaria para breve.
É que, de facto, este gente que nos persegue gosta do mistério. Talvez esperem tornar-se assim mais apetecíveis aos nossos olhos. Mensagem não assinadas, presentes sem cartão, telefonemas sem voz do outro lado, tudo isto faz parte do doce encanto da sedução. Ou do desencanto, depende do contexto. No meu caso, passada a semana de fascínio (reconheça-se que um admirador secreto tem qualquer coisa de Hollywoodesco), depressa chegou o aborrecimento, a irritação e, porque não dizê-lo, o medo.
Olhava constantemente para as pessoas que me rodeavam. Se me olhavam de volta imaginava logo um potencial tarado. Na rua trocava de caminho diversas vezes, observava por cima do ombro se alguém me seguia. Já me imaginava uma estatística de um serial killer ou de um crime passional.
Creio que o ponto de viragem foi a noite do dia dos namorados. Pouco antes de me virem buscar para jantar recebi outra encomendinha. Flores. Um urso de peluche que tresandava a perfume, como se fosse um filme de terror ou um péssimo anuncio de after-shave. Um poema, de duvidoso gosto, com a referência no final a um endereço de e-mail, qualquer coisa do tipo amo.te.vera, arroba, blablabla… E a foto. Uma foto minha, tamanho grande, retalhada em mil pedaços. Foi a gota de água. Aquilo que começou por me acariciar o ego transformara-se definitivamente num pesadelo.
Avisei o fiel mensageiro, a quem nem horas de tortura fariam revelar a fonte da minha desgraça, que tencionava ir à polícia porque a brincadeira se revelara de muito mau-gosto. E ele respondeu o mesmo de sempre: a resolução do mistério estaria para breve.
Creio que foi nessa mesma noite. Mal eu tinha entrado em casa já me tocavam à campainha. O curioso é que ao abrir dei de caras com um conhecido. Não um amigo, mas um conhecido, namorado ou ex-namorado (nunca cheguei bem a perceber) da amiga de uma amiga. Conhecera-o num jantar, e de seguida esbarrei com ele um par de vezes durante as saídas de falámos mais de 10 minutos, jamais sozinhos, em regra na presença da namorada. Conversa do mais banal. “Olá, como estás? E o curso? Está bom ambiente lá dentro?”. Pois parece que isto foi o suficiente para o senhor decidir que estava apaixonado por mim. Naquela noite, à soleira da porta, fez-me mil jutas de amor. E eu, imbuída pelo tal espírito de respeito por quem gosta de nós, expliquei-lhe amavelmente que ele estava confuso, provavelmente sentia-se sozinho, que aquele comportamento era totalmente inadequado porque eu tinha namorado e ele estava num limbo emocional. Foi-se embora, pouco convencido. E eu pouco convencida fiquei que a história parasse por ali.
Seguiram-se telefonemas. Das primeiras vezes mantive a postura de compreensão, e até alguma solidariedade existencial. Expliquei-lhe que nunca pensara nele dessa forma. Mas que lhe desejava o melhor e não o queria magoar. Mas depois a impaciência levou a melhor sobre a minha teoria de que nos tempos que correm devemos o mínimo de respeito por quem gosta de nós. Mas quando a sua insistência ultrapassou o limiar daquilo que eu acho de bom-tom, estalou-me o verniz. Eu tinha que gostar dele, só porque sim. E se me preocupava com ele tinha que sair com ele. E gostar dele. Por causa dele. E este “ele” chegou-me ao meu nariz arrebitado e num instante meti fim à conversa com algum comentário abrupto que já não recordo.
Confesso que com algum receio. Ele era um tipo emocionalmente inconstante. E, credo, enorme. Com amigos enormes, daqueles que vão para o ginásio levantar ferro e tomar substâncias que matam os neurónios. Resultado: nos meses que seguiram limitei as minhas saídas da noite, e quando o fazia andava de coração nas mãos, porque por milagre do stalkerwismo o tipo aparecia sempre no sítio onde eu estava, rodeado de um ou dois amiguinhos, e com olhar de filme de suspense. Já para não falar da vez em que o amor da altura me levou ao meu carro e lá estavam, um bando deles, todos encostados ao meu baby-car, como que numa espera. Mas não se metem com uma mulher de salto alto! Mandei o outro entrar comigo, abri a porta do carro com desdém, acendi os faróis, e lá vai ela … quase fiz xixi nas cuequinhas, mas ficou o personal statement.
Nunca mais soube nada dele. Espero que esteja bem, a sério que sim.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

BAD BOYS


Desde tempos imemoriais que as mulheres gostam de bad boys. Por algum motivo as princesas abriram as portas da torre aos príncipes que matavam dragões com as suas lanças e não àqueles que faziam festinhas aos bichinhos e lhes davam leitinho.
Ainda hoje são os maus rapazes que nos dão volta à cabeça. Recordo uma amiga que, perfeitamente desesperada, me falava do seu dilema durante um jantar: ficar com o homem que a tratava como uma princesa, ou com o sacana que a desprezava? O primeiro era um tipo amável e gentil, que queria conhecer a filha dela, pormenor este capaz de derreter qualquer mulher. Para evitar que a coitadinha se levantasse e fosse a correr para a casa lavar a cabeça com o seu champô especial para cabelos pintados e untar-se com o seu creme especial para peles secas, chegara ao ponto de encher o armário da casa de banho dele (e todas sabemos como eles veneram o espaço dos respectivos armários, com os diversos frascos de after-shave e comprimidos comprados pelas mamãs) com os ditos produtos, tudo da melhor qualidade, e especificamente dirigidos para mulheres de cabelos pintados e pele seca. Já o outro… bem, o outro, tinha namorada, ou melhor, tinha “espécies de namoradas”, recebia telefonemas estranhos durante a noite, ignorava-a em público, tratava-a com rispidez e aparecia e desaparecia conforme lhe desse na cabeça. Porém, ele era um bad boy, de modo que todas estas gafes se tornavam aspectos deliciosos de um rufia da pior espécie.
Que digo eu disto? Been there, done that… and than I grew up.
Tive a minha época áurea de maus rapazes, onde qualquer tipo que desafiasse a ordem estabelecida e se tornasse inacessível aos meus encantos me parecia a 8.ª maravilha do mundo. Assim se explica que tenha aguentado um namorado libanês que só faltou enfiar-me numa burka, ou um outro que me traiu com meia cidade e tentou com outra meia. E eu perdoava constantemente, na esperança de ser eu, euzinha, a tornar aqueles meninos maus em meninos bons. Porque acho que no fundo é isso que nos leva a gostar deles: a expectativa de sermos salvadoras da pátria, heroínas nacionais de um coração rebelde.
Gente problemática é muito mais interessante do que gente com boa onda. Vejam-se os romances de filmes e livros: não há histórias de amor que nos falem de relações pacificas e felizes. São todos amores tortuosos, com parceiros abusivos, cheios de traumas de infâncias, que descarregam nas virtuosas donzelas ódios pela mãe, pela prima, pela tia e pela avó. Se nos filmes é assim, é óbvio, mas óbvio mesmo, que na vida real não pode ser de outra forma. As mulheres gostam de coisas complicadas. Por isso procuramos relações que nos fazem viver no abismo, onde nunca sabemos o que pode acontecer, não sabemos onde pode ele estar, com quem, em suma, quando nos vai deixar. E é esta adrenalina que vai alimentado a nossa paixão, há falta de alguma coisa mais substancial que o faça.
E quanto mais inteligentes são as mulheres, maior o grau de complicação que procuram. Dito isto, confesso que devo estar a “desinteligentar”. Porque hoje em dia o que me arrepia são os bons rapazes. Os que nos revelam valores e princípios que nós desejaríamos ter. Os que nos levam o pequeno-almoço à cama. Os que aguentam pacificamente as nossas horas de compras sentadinhos na esplanada, prestes a definhar. Os que desmarcam jantaradas com amigos só para nos fazer festinhas na barriga porque estamos doentes. Hoje que vão até ao fim do mundo para comprar o champô que melhor cuida dos nossos caracóis. Hoje acho isso tremendamente apelativo aos sentidos
Ainda me recordo da noite em que jantava com o meu “good boy” e lhe perguntei porque carga de água tinha decidido agora, já trintão e com uma carreira estabelecida, mudar completamente de vida e tirar finalmente o curso que sempre sonhara desde pequenino. Enfim, porque não o tinha feito logo com 18 anos, como o comum dos mortais, e perdera tanto tampo num trabalho que não apreciava particularmente? “Porque o curso é caríssimo – respondeu ele – e depois de tudo o que os meus pais fizeram por mim não lhes podia impor mais este encargo absurdo”. E eu babei. Note-se que não foi por causa do bolo de chocolate que tinha à frente, mas por causa da rectidão moral do homem que tinha à frente.
Não há coisa mais sexy do que gente com valores, que sabe bem de onde vem e para onde vai, que me olha como uma princesa e que trata os dragões que tenho comigo (e já são 4) como se fossem bichinhos de estimação.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Até um dia - Lyric

Até um dia, se Deus quiser

Lição n.º 1. Nunca, mas nunca, ter um namorado surfista.
Lição n.º 2. Nunca, mas nunca, nunca, nunquinha, ter um namorado carioca.
Lição n.º3. Jamais (na versão franciu, “jamais”) violar conjuntamente as regras n.º 1 e n.º 2
Nos meus anos dourados de namoradeira namorei com um surfista carioca, o que me retirou para sempre da lista das mulheres sensatas.
Tudo começou com uma espécie de brincadeira. Ele era um player. Eu era uma miúda sem attachments nem grande vontade de os ter. Nem me recordo ao certo como tudo começou. Sei que os nossos respectivos grupos de amigos se interpenetravam em algumas ocasiões, mas sou incapaz de citar o momento decisivo. Marcámos um café/jantar/qualquer coisa que não recordo para falar da minha viagem ao Brasil que se avizinhava, e de repente éramos um do outro todas as noites. Todos os fins-de-semana. Todas as ondas. Sim, durante uns tempos foi uma surf babe.
Muitos pormenores desta história estão nebulosos na minha memória. Mas há recordações inabaláveis pelo tempo. Como conduzir o meu Honda civic vermelho por uma Luanda quente e sedutora rumo à ilha, Cássia Eller no rádio (um dos grandes contributos que ele trouxe à minha vida):

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você
O sal viria doce para os novos lábios
Colombo procurou as índias mais a terra avisto em você
O som que eu ouço são as gírias do seu vocabulário
Estranho gostar tanto do seu All Star azul
Estranho pensar que o bairro das Laranjeiras
Satisfeito sorri, quando chego ali
E entro no elevador
Aperto o 12 que é o seu andar
Não vejo a hora de te encontrar
E continuar aquela conversa que não terminamos ontem
Ficou pra hoje”
(Cássia Eller, All Star)

Se eu tardava em chegar ele ligava-me. Perguntava-me porque motivo não entrava ali de rompante, assinando por “Vera Fisher” na recepção do hotel para que me sussurrasse coisa doce ao ouvido. E eu voava por aqueles escassos quilómetros, sabendo que aquilo se tornara mais sério do que os meus planos iniciais, mas engano-me dizendo que não passava de um jogo.
Veio a viagem. Uma ausência de um par de semanas. Mas um player não pode ficar sozinho tanto tempo. I should have known better. Mas que poderia eu fazer? Nunca sair para o poder controlar? Nunca me apaixonar para manter o desafio?
Ele tinha ficado de me ir buscar ao aeroporto quando regressasse. Não foi. Apanhou-me mais tarde em casa. Nessa noite disse-lhe que estava a começar a apaixonar-me por ele. Definitivamente, arredada da lista das mulheres sensatas. A partir daí tudo mudou.
A mim nem me incomoda propriamente que as pessoas percam o interesse, o que me mata é a inabilidade – que se lixe… a cobardia – para o dizer. Eu sabia. Nós sabemos sempre. Mas sou desprovida daquela capacidade de fechar os olhos e ignorar. Sou tão assertiva naquilo que digo como naquilo que exijo que os outros digam. Duas ou três noites após o meu regresso encostei-o às portas do carro e confrontei-o com a situação. Primeiro a negação. Depois a concessão. De seguida, a desculpa forjada. E finalmente a admissão de que chegara ao fim.

“Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando onibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar”
(* Cássia Eller, Malandragem)

Passava da meia-noite, já tínhamos entrado no dia do meu aniversário. Poucas pessoas neste mundo se podem vangloriar de um tiro destes no dia de anos. Inicialmente a angustia e o desespero tomaram conta de mim. Mas rapidamente vieram a raiva e a vingança. Recompus-me. Limpei as marcas do rimmel. Abri a porta do jipe de onde ele tinha tanta pressa que eu saísse para ir ter com a outra (não estou a dramatizar, ele disse-me efectivamente que a outra estava à espera dele), atirei para fora do carro uma das pernas de modo a apoiar no chão o salto do meu sapato e, finalmente, olhei-o. Olhei-o como se olha um velho inimigo que ainda esperamos encontrar. E disse-lhe “Até um dia, se Deus quiser”. Isto porque na rádio tocava na altura aquele kizomba que tantas vezes tinha dançado sem perceber o sentimento subjacente.
No outro dia fiquei de cama até que a minha Teresa (um misto de empregada, mãe e irmã mais velha) me obrigou a deixar a auto-comiseração e a festejar a minha vida, mais um ano da minha vida.
Tardei a recompor-me. Especialmente porque nessa noite, quando saí para festejar a minha aparente felicidade, o encontrei já com a outra. Aliás, durante muitas semanas não via eu outra coisa senão a ele com uma das várias outras que se sucederam. Até ao dia em que foi para mim que ele voltou, deixando a outra sozinha. E eu fiz-me perseguir. Durante meses. Para finalmente lhe dizer que não tinha sido tão bom assim. E foi nesse dia que o tirei da cabeça. De facto, eu tinha-lhe prometido que até um dia. Se Deus quiser.

domingo, 15 de agosto de 2010

V.I.P. (Verdadeiramente Idiotas Patéticos)


I like parties as much as the next guy. Por isso talvez que a um olhar menos atento pareçam surpreendentes as caretas que faço quando uma amiga mais festeira e cheia de boa vontade me anuncia “deixei o teu nome na lista!”.
Longe vão os tempos em que para ir a uma festa bastava ter a vontade e a capacidade de tornar uma noite memorável. Hoje em dia isso, na verdade, isso releva bem pouco. O factor X tornou-se o desejo de ser visto em certo e determinado sitio e com certas e determinadas pessoas. A chave dourada para isso acontecer é “ter o nome na lista”. Lista? Que lista? A lista. Que lista? A lista. Que lista? A lista. Que lista? A lista. Que lista? A lista. Que lista? A lista. Que lista? O papel. Perdão, a lista.
A so called “lista” é, segundo me explicaram, o mecanismo encontrado para seleccionar as pessoas que serão agraciadas com o tremendo privilégio de poder estar presentes na festa. Ora, esta explicação suscita-me um manancial de dúvidas:
Primeiro, porque orque é que uma festa carece de seleccionar os convidados? Afinal já nem os jogadores para a selecção são propriamente seleccionados, mas desconfio que chamados segundo o critério do pitui-pituá.
Depois, e mais importante, com que critérios é operada a dita selecção? Mérito pessoal? Grupo social a que se pertence? A questão é que – e digo isto atendendo ao escassíssimo número de festas em que tenho tido a honra de ser “listada” – em regra fico bastante decepcionada com a selecção humana. Por conseguinte, tudo me leva a crer que os restantes convivas sofram a mesma desilusão que eu. Certamente que muitos olharão para mim e pensarão como diabo terei eu conseguido ali entrar, uma fulana como eu que não dá conversa, nem sequer um sorrisinho. Estou absolutamente convicta que os outros membros da lista preferiam que ali estivesse outra pessoa mais, digamos, “aberta” à bebida, ao flirt, até mesmo a conversa fútil com um par de mamas de plástico (com a ressalva que eu até adoro futilidades). Isto porque em regra eu também preferiria que a maior parte dos outros ali não estivesse, porque os acho demasiado abertos aos copos, ao engate de fraquíssimo gosto e a conversas fúteis com mamas de plástico.
Uma dúvida final, mas não menos importante: qual o sentido de haver convidados VIP numa festa? E, sobretudo, que raio é isso do “VIP”? Ou seja, como se decide que eu sou VIP mas tu não? Com base no QI? Nos prémios ganhos? No montante da conta bancária? No número de operações plásticas? Na quantidade e divórcios e ex-namorados que se tem no currículo? Nas aparições em Novas Gentes and so on?
Em via de princípio não tenho nada contra VIP’s. Com muito gosto o meu pezinho pisaria uma festa em que uma parte dos convidados tivesse um cartãozinho vermelho ao pescoço, ou uma pulseira colorida, que lhes desse o direito a uma cadeira especial ou a um copo maior, ficando eu feliz apenas de respirar o mesmo ar que eles. Com a ressalva dos ditos serem vencedoras de Óscares, brilhantes directores de cinema, cientistas que acabaram de descobrir a cura do HIV, atletas olímpicos, empresários astutos. Acontece porém que as “pessoas muitos importantes” que dão ares de gala nas nossas festarolas são um bocadinho - coisa de nada - menos importantes que isso. Em regra falamos de modelos que nunca ninguém viu na vida em cima de uma passerelle, actores dos Morangos com Açúcar (eu, pessoalmente, prefiro com iogurte, mas há gostos para tudo), ex-mulheres e ex-namoradas de futebolistas caídos em desgraça (ou verdade, seja dita, qualquer ex de quem quer que seja), os próprios caídos em desgraça, gente que se submeteu à extrema humilhação de ter todos os seus movimentos – incluindo sexo e cocó – filmados por uma câmara e visto por todos aqueles que ainda tenham paciência para isso, vulgarmente chamados “ex-concorrentes do Big Brother”, e, de modo geral, qualquer criatura humana que apareça em público com pouca roupa. Está bem de ver que tenho alguma relutância em passear o meu palminho de cérebro no meio de VIP’s destes. Chamem-lhe sobranceria intelectual se quiserem, mas seria bom, para variar, querer estar num sítio com pessoa que admiramos e não com gente acerca de quem gostamos de coscuvilhar (eu, pelo menos, gosto).
Mas de quando em vez gosto de sair da minha gruta e dar um arzinho da minha graça numa dessas festas, que mais não seja para ver como vivem os “in” cá do burgo, ou seja, os modernos e famosos. Sempre com a consciência de que não pertenço a esse mundo. I’m just a simple girl from Kansas. E no meio da festa acabo invariavelmente sentada, sozinha, a um canto a pensar: “Toto, I've a feeling we're not in Kansas any more”.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Amor: à conta, ao peso e à medida


Nunca consegui encher um saco com o exacto quilo de morangos que me propusera comprar. Nem tão-pouco cozinhar a quantidade exacta de comida para uma refeição, de modo que sempre acabo por comer restos o resto da semana ou por ficar com um restinho por encher no estômago enquanto rapo o restito no tacho. Já em matéria de roupinha tenho mais olho para a e coisa e só de olhar o vestido já sei se me serve ou não. Mas deve esta a única excepção de sucesso na minha inabilidade para medidas, pesos, volumes, quantidades e distâncias. De modo que não surpreende que até hoje nunca tenha conseguido amar alguém na mesma dimensão em que o alguém me ama a mim. Nem mesmo numa medida aproximada.
O que não seria mau de todo se a balança dos sentimentos pendesse a meu favor. Na verdade a coisa já se desenrolou nestes termos e, caramba, que bom que era! O ego sempre em alta, autoconfiança absoluta, alguém para satisfazer os meus ínfimos e surreais desejos. Foi bom. Mas inconsequente, mas como os amores não correspondidos o são. E rapidamente voltei ao meu rumo habitual de me atirar de cabeça para piscinas vazias. Nem precisaria de dizer isto, mas digo na mesma: dói.
Looking back now vejo que o meu historial amoroso é uma parada de devoções incondicionais da minha parte, confrontadas com devoções altamente condicionadas da parte contrária. É que o meu coração tem este karma de bater por tipos bem menos impulsivos, apaixonados, quentes, do que eu. Em termos científicos diria: “indivíduos com dificuldades para se relacionarem emocionalmente”. Ou, provavelmente, esta é uma tolice que eu digo a mim própria para me sentir salvadora do mundo e, especialmente, deles. Para me sentir amada. O mais certo é eles nem gostarem assim tanto de mim. E neste ponto estamos. Resumindo: não é fácil ser eu.
Ora, a questão que se impõe é a seguinte: devemos escolher aquele que mais gostam de nós ou aquele de quem mais gostamos? Eu e as minhas “dúvidas pertinentes”…
Uma coisa é certa: todos temos neste mundo, pelo menos, uma ou duas pessoas que gostam muito de nós. Que fariam de tudo. Que nos adorariam. Que nos fariam felizes. Ou não? Será que a felicidade está em amar ou em ser amado? Claro que parto do pressuposto que estes dois binómios não se encontram na mesma trajectória. Haverá vezes em que conseguimos ter tudo. Mas a verdade é que, a para além dos filmes e dos livros do Nikolas Sparks, na vida real isso só acontece aos outros.
Como se a questão não fosse já complexa, vamos adicionar-lhe ainda outra condicionante: é que tudo muda. O “tudo fui” de Heráclito também se aplica ao amor. Eu hoje gosto, mas posso deixar de gostar a cada momento. Nesta coisa do sentimento não há certificado de garantia nem loja onde possa devolver um produto que já não me satisfaz. Ou a quem eu já não satisfaço. A solução é mesmo uma discussão daquelas de baba e ranho, fazer as malas e partir. Ou seja, os papéis invertem-se. Aquele que me ama muito pode amanhã cair de amores por outra loura qualquer. Mas então, o inverso também pode ocorrer, e quem sabe se um destes dias aquele que me gosta medianamente não cai em apaixonada loucura. Quererá isto dizer que vale a pena esperar que tal aconteça? Mas, por quanto tempo? E não haverá aqui um estudo de probabilidades, como acontece nas apostas de futebol e nas corridas de cavalos? Qualquer coisa do tipo: “as possibilidades estão de 1/10 em que ele se apaixone perdidamente no prazo de 3 anos…”. Tanta gente a ganhar prémios Nobel e nenhum estudo cientifico de jeito nesta matéria.
A verdade é que a matemática tem muito pouco uso neste ensejo. Se tivesse estaríamos perante uma rigorosa equação, e que tudo aquilo que eu gosto e dou de mim seria exactamente igual a tudo aquilo que ele gosta e dá dele. Mas não é. Um de nós vai estar sempre um milímetro, um passo, um metro, um quilómetro, um universo, mais longe no gostar. O que temos que escolher é quem queremos nós ser: o que ama de mais ou o que ama de menos?
Serão as relações humanas uma espécie de leilões, em que lançamos para a oferta aquilo que temos para dar – o nosso melhor e nosso pior também – e alguém atira para o ar uma oferta? “Eu dou amor medianamente sentido”. “Eu dou amor com sexo e paixão carnal, mas ressalvo o carinho”. “Eu dou amor, mas sem filhos nem compromisso”.
Vendido ao senhor lá do fundo que dá amor com devoção incondicional.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Outra


A Outra é aquela que eu não sou.
A Outra senta-se onde um dia eu me sentei, deita-se onde me deitei e é amada como eu fui. A Outra vive a vida que era para ser minha. A Outra é tudo aquilo que eu fui e que um dia quis ainda ser. E mesmo quando o deixei de querer, continua a ocupar um lugar que sinto que é meu, e não dela.
Durante muito tempo aguentei ressentida a presença da Outra. Nunca a odiei. Não porque esse sentimento esteja completamente afastado da pessoa que sou. Gostava de poder dizer isso, mas estaria a mentir. Mas porque a dor era tão grande que não deixava espaço para o ódio. Há dores assim. Consomem-nos tanto que aniquilam qualquer outra emoção, positiva ou negativa. Simplesmente, doía-me vê-la. Mais ainda, doía-me imaginá-la. Não invejava o sítio que ela ocupava, porque antes já eu lá tinha estado e bem sabia que não era, definitivamente, o meu sítio. Mas havia ali um sentimento de ter sido usurpada, espoliada, expropriada, enfim, qualquer outra forma verbal que exprima a excisão de uma parcela que pensamos, ainda que ilusoriamente, que nos completa e define. Sempre soube que não foi ela a responsável pelos meus males. Não fora ela a rejeitar-me, a magoar-me, a destruir o futuro que tinha já marcado no meu calendário de vida. Mas por algum motivo era tão mais fácil culpá-la a ela do que a ele, e foi isso que eu fiz.
Não que alguma vez tivesse desejado verdadeiramente trocar de lugar com a Outra. Nem quando andei perdida. Muito menos quando me encontrei. Mas o res(sentimento) pela Outra esteve sempre lá. Independentemente de quem ela fosse. A Outra foi loura, morena, mais alta, mais baixa… pouco importa. Não é o ADN que determina quem é a Outra. Tal como o Presidente da República não é uma pessoa mas um cargo, também ela não é uma mulher, mas uma posição.
Nunca deveria ter querido saber coisas acerca dela. Mas há uma parte de mim (de nós) que vibra com o desvendar de pormenores mórbidos. Todo e qualquer detalhe se tornou essencial: como penteava o cabelo, como usava os lenços, qual o timbre de voz. E assim fui guardando na memória vários mínimos pormenores das diversas Outras que se sucediam. No final só havia a Outra, um ente abstracto que me gastava os pensamentos.
Se a minha vida fosse um filme – indiano ou outro qualquer – provavelmente um dia far-lhe-ia uma espera, puxava-lhe os cabelos e, se o realizador fosse o Tarantino, era bem capaz de lhe passar por cima com as rodas do meu jipe. Mas como habitamos na vida real limitei-me a sonhar - ou melhor, a pesadelar – com ela e a seguir-lhe os passos com aquele olhar perdido que durante tanto tempo viveu na minha cara.
Como digo, nunca lhe quis mal. Todos os meus neurónios estão conscientes de que ela é tão culpada quanto eu neste drama de novela das 7. Menos culpada ainda. O silêncio da Outra neste enredo é o silêncio dos inocentes. Dito isto resta explicar porque me batia o coração com a sua passagem e me sentia morrer sempre que alguém a trazia à baila.
A Outra é aquela que eu não sou.
Mas não posso esquecer que também eu acabo por ser a Outra de alguém.

domingo, 8 de agosto de 2010

ENCONTROS IMEDIATOS DE 49.º GRAU


Desde que pela primeira vez vi aquele ser esverdeado com pescoço de girafa a pedalar pela lua que sonho em encontrar um extraterrestre. E quase que sei que um dia vou ter um desses encontros imediatos de 3.º grau.
Mas depois há os outros, os encontros imediatos de 49.º grau. Nem sequer em refiro àquelas situações embaraçosas ou, no mínimo indesejadas, em que damos de caras com quem não queríamos ver, ou, pelo menos, não queríamos ver naquele concreto contexto (tipo… esbarrar com o chefe na praia quando se faz topless). Refiro-me antes àquelas outras, em que sentimos a terra tremer debaixo dos pés. Todos já magoámos muito e todos fomos já muito magoados. Da r de caras com essa pessoa, a quem fizemos ou que nos fez a nós e faz-nos gelar o sangue, acelerar o coração. Mas, mais do que isso, são esses episódios das nossas vidas que decidem o tipo de pessoas que somos: a bigger person ou um anão moral?
Há uns tempos atrás encontrei uma pessoa que não esperava rever tão cedo. Pelo menos se o destino dependesse exclusivamente do meu esforço assim seria. E encontrei-a no sitio mais inusitado, da forma mais inesperada. Não tive sequer tempo de ter medo. Ou de encenar uma entrada dramática. Aconteceu e pronto, assim como acontecem as grandes coisas na nossa vida.
Antes de mais cabe sublinhar que a presença das pessoas, mais que “vista”, é “sentida”. Não é tanto o olho a indicar-nos a a sua presença, mas uma espécie de instinto, o tal 6.º sentido, a colocar-nos de alerta.
O primeiro instinto é fingir que não vemos. Para quem é lendariamente distraída e míope como eu a coisa até poderia funcionar. Esconder os olhos por entre os caracóis, olhar para todo o lado como uma barata tonta parecendo que quero ver tudo e não vejo nada. Estava eu neste limbo comportamental, pensando de mim para mim o que fazer, quando decidi que era agora ou nunca. Aqueles minutos iriam decidir para sempre quem eu era e de que fibra era feita.
Tudo isto me faz lembrar a primeira vez que dormi sozinha no meu quarto sem qualquer luz de presença. Há que enfrentar os nossos medos, os nossos papões, ou seremos seus reféns para sempre.
Por mais que me apetecesse estender o meu dedinho de luz e sussurar “Elliot, go home”, não o fiz. Dirigi-me a ele. Lá vai ela, formosa, e muito segura. Segura de mim. Segura de quem sou eu hoje em dia, tão diferente daquela outra no último dia em que o vi. Passos firmes no salto alto, cabeça erguida, sorriso de Mona Lisa, aproximo-me e dou-lhe um beijo, como se dá a um desconhecido que acaba de nós ser apresentado e com quem queremos ser minimamente afáveis. “Olá, como estás, há quanto tempo?”. Não havia ali temor, nem rancor, nem amor. Não havia nada, a não ser a confirmação de que aquilo que era já não é. Ela, ao lado dele, deve ter pressentido que não era um encontro qualquer, e estendeu a mão, rapidamente, numa forma de marcar território. Nestas coisas as mulheres são como os animais, e gostam de espetar logo a sua bandeirinha como sinal de posse. E eu olhei-a. Como se olha alguém que está mas não está. Estendi a minha mão também.
Garanto que não houve ali ponta de ciúme, ou mágoa. De curiosidade sim. Estará ele bem? Será feliz? Em que pensa? Em que pensou como me viu? Será que ainda pensa em mim? Se os humanos pudessem ler pensamentos…
Acima de tudo, foi a minha forma de perdoar. De o deixar seguir em paz, e de me permitir a mesma faze-lo também. Um pouco como fazemos com as pessoas quando morrem e desaparecem para sempre das nossas vidas.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Contar ou não contar: eis a questão

Numa relação há que fazer escolhas. Nem sempre as mais sensatas. Vá lá… raramente as mais sensatas. Lingerie rendada ou shortinho do Snoopy? Jantar à luz das velas ou um Mac no Mac? Recebê-lo efusivamente ou fingindo que nem dar por ele? Atendemos o telefone ao 1.º toque ou ao 24.º? Contamos ou não contamos?
Em qualquer relação humana, especialmente na de casal, existe o “eu”, o “tu” e o “nós”. Tenho para mim que ainda que os dois primeiros denominadores não se possam aniquilar nunca, este “nós” tem que ser o mais importante. Caso contrário seremos sempre e apenas duas pessoas que, por acaso, respiram no mesmo metro quadrado. Acontece que o dito “nós” não pode sobrepor-se de tal forma que destrua por completo os entes individuais, sob pena de acabar apaixonada por mim própria. Mas tão-pouco pode a sua edificação conduzir à sua destruição. Passo a explicar: a construção do “nós” implica, entre outras coisas, que a vida de cada um seja, na maior medida possível, um livro aberto para o outro. O filmezinho do “homem misterioso” poderá ter algum interesse no inicio da relação para aguçar o apetite (sendo que a mim nem por isso), mas há medida que a intimidade entre nós se fortalece e tomamos a decisão de construir qualquer coisa que vá para lá de um castelo de areia eu tenho que saber coisas dele e ele coisas de mim.
É como se cada dia tivéssemos que saltar de um prédio e contássemos em que o outro estivesse cá em baixo com uma rede para nos amparar a queda. Ora, eu só posso ter esta confiança nele (que não direi cega, mas certamente míope. Muito míope. Mesmo legally blind) se souber a que horas exactamente é que ele estará lá em baixo. Se tiver a certeza absoluta que não se ausentará para ir fazer uma mijinha ou para tomar uma fresquinha. O que quero dizer com isto é que eu só posso estar com alguém se confiar, se não viver em sobressalto. Mas para isso tenho que saber o que se passa na sua vida, de tal forma que aquele reduto intransponível de privacidade se estreita para que eu possa entrar, sabendo o outro que entro só eu, e não o cortejo de família e de amigos, e que aquilo que ele me confidencia morre ali, naquele mesmo instante em que entra no meu ouvido.
Mas há momentos em que ponderamos seriamente se devemos ou não revelar um episódio da nossa vida, um pensamento que tivemos, um acontecimento da véspera. Ou porque sabemos que não agimos da melhor forma. Ou porque temos receio que isso mude a ideia que o outro tem de nós. Ou porque nossa intuição avisa-nos que a forma como compreendemos o tal episódio, pensamento ou acontecimento não coincidirá com a apreensão do outro, de forma que nos arriscamos a cair ali num incidente diplomático.
Eu sou naturalmente desbocada. Não apenas porque insisto em vomitar tudo o que me vai na alma, mas também porque nas relações humanas, sejam elas com quem forem, gosto daquela sensação de que contei o mais que me é permitido pela minha esfera de intimidade. Porque só assim me sinto à vontade com as pessoas. Ainda hoje mantenho o hábito de revelar aos meus amigos mais queridos os pensamentos pouco cor-de-rosa que tive acerca deles no momento em que os conheci. Estupidez? Provavelmente. Mas na minha cabeça insana parece-me que cometeria sempre uma traiçãozinha se não tivéssemos como ponto de partida uma verdade, ainda que não a mais doce.
Nas relações do “ela” com o “ele” confesso que pequei muitas vezes por actos, palavras, pensamentos e até omissões. Nem sempre contei tudo. Creio convictamente que aquilo que não contei não deveria ter contado. Não faria de mim mais feliz. Muito menos do outro. Não porque fosse necessariamente alguma deslealdade ou traição. Aliás, se há coisa de que gosto de pensar quando me olho ao espelho é que nunca fui desleal. Já magoei. Já fui má. Já fui mesquinha. Mas nunca desonesta ou traiçoeira. Falo de coisas pequeninas, de pequenos nadas que acontecem na nossa vida. O colequinha que alimenta uma paixão intensa por nós. Pensamentos mais libidinosos com o personal trainer. Telefonemas insistentes de ex-namorados que juram a pés juntos que não nos esqueceram. Ou mesmo um encontro com um ex-namorado que nos faz abanar.
Será isto relevante? Certamente que é. Eu, pela minha parte, gostaria de saber todos estes little details caso fosse ele o actor principal. O facto de contar fortalecerá o que existe entre nós? Depende. Nunca sabemos. É um risco, e daqueles não calculados. Devemos contar? Pois…. Não sei. Até ao presente tenho contado (quase) sempre porque esta estúpida ânsia de viver numa casa de vidro a isso me força. Verdade seja dita que nas raras vezes que não contei tão-pouco me arrependi, nem me senti por isso pior pessoa. Verdade seja igualmente dita que das vezes que contei nunca senti no outro especial gratidão por este rasgo de sinceridade e certo é que muitas das vezes este comportamento de elevadíssimo estatuto moral terminou em acesa discussão e num derrame de lágrimas.
Nem todos gostamos das verdades. E mesmo aquele de nós que a vivemos como uma religião temos momentos em que mudamos de crença e veneramos antes a mentira. Porque a mentira é sempre mais doce. Ou pelo menos a omissão. Que não sendo aquele açúcar amarelo da mentira funciona, pelo menos, como uma cápsula de adoçante.
Assim vivo eu neste dilema. Porventura também vocês. Não creio que exista uma directriz definida com absoluta validade para todas as situações. Existem guide lines, certamente. Mas, em última instância, tudo depende do ponto em que está a relação, da forma como eu lido com as coisas, da forma como o outro lida com as coisas, do tipo de informação em causa.
Da última vez que me deparei com esta dúvida existencial optei por contar. Nem consegui esperar por faze-lo frente a frente e desbobinei tudo ali mesmo, na linha telefónica. Bem sei que sou tonta até à quinta casa. No manual das mulheres inteligentes a 11.º lição é bem explícita na listagem de coisas que devem ser ditas cara a cara e nunca por telefone ou mail. Mas isto está no meu código genético. E não há manual ou teoria científica, por mais comprovada que seja, que nos faça ir contra o nosso ADN. Do outro lado da linha começou por se ouvir um silêncio que abafou todos os ruídos da noite, menos o do meu coração. Depois a conversa continuou, mais ou menos normalmente, ou melhor, menos normalmente que mais. Era um pormenor irrelevante. E que na minha cabeça só demonstrava como as coisas estavam bem entre nós. Mas a minha cabeça não é, felizmente, modelo para a cabeça de ninguém (ou o mundo estaria perdido), de modo que estou em crer que na cabeça dele este “pequeno nada” teve uma leitura bem diferente.
Arrependida? Nem por isso. Receosa? Um bocadinho. Percebe-se perfeitamente a angústia de Hamlet nas duas divagações existenciais com a caveira. E o resto é silêncio.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Difícil agradar às mulheres? Não se percebe porquê….


Têm-me chegado reiteradas queixas das hostes masculinas sobre a suposta dificuldade em manter com uma mulher (especialmente, a mulher de cada um, se é que me é permitido utilizar aqui este “de”, sendo que o faço sem remissão explicita ao direito de propriedade) um diálogo minimamente satisfatório para ela, leia-se, para nós. Ao que parece já se dão por satisfeitos com o facto de não terminarmos a conversa amuadas. Ora, este tipo de lamúrias - de gente fraca, obviamente – faz-me a mim revirar os olhos, porque é não se percebe a tamanha dificuldade em estar em sintonia com seres humanos lógicos, racionais, dóceis, pacientes e compreensivos, ou seja, as mulheres.

Ele: “Hoje estás muito bonita querida”
Ela: “Porquê? Nos outros dias não estou?”

Ele: “É impressão minha ou estás mais magra?”
Ela: “Mas eu estava gorda antes?”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Aquela tua amiga é muito simpática”.
Ela: “Reparei que gostaste muito dela. Especialmente do decote”

Ele: “Aquela tua amiga não é muito simpática.”
Ela: “Pois, já sei que só os teus amigos é que são simpáticos e interessantes”.

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Queres vir jantar comigo a casa dos meus pais?”
Ela: “É só para isso que te sirvo não é? Nunca me convidas para ir àqueles restaurantes onde vais com os teus amigos, mas para ir comer a comida ressequida da chata da tua mãe já queres a minha companhia”

Ele: “Hoje vou jantar a casa dos meus pais. Encontramo-nos depois”
Ela: “Não sou suficientemente boa para ser apresentada à tua mãe, é isso? Ela disse-te alguma coisa de mim? Acha que não sirvo para ti? Pois claro, a tua mãe gostava era que tivesse ficado com a …. (uma ex qualquer)”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Estou ansioso por chegar a casa e te despir todinha”
Ela: “Mas tu achas que eu sou o quê? Uma dessas ordinárias com quem costumavas andar enrolado? Eu quero uma relação a sério. Quero que me procures para conversar e para estabelecermos uma relação mais íntima que vá para além do sexo”

Ele: “Estou ansioso por chegar a casa e podermos sentar-nos no sofá a ver um bom filme”
Ela: “Mas tu achas que eu sou o quê? Tua tia? Não vês que sou uma mulher e que gosto de sexo como qualquer outra? Já não me desejas? Já não me achas sexy?”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Viste o meu sobrinho? Não é o máximo? Mal posso esperar para termos filhos”
Ela: “Deves pensar que sou uma parideira… Eu tenho uma carreira. Não penses que vou passar a minha vida a parir e a amamentar”.

Ele: “Viste o meu sobrinho? O puto é o máximo, mas não me imagino a ter filhos tão depressa”
Ela: “És um tipo imaturo e egoísta, que só pensa e si mesmo. Já devia ter desconfiado que não podia formar uma família contigo”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Essa saia ficava-te melhor se fosse mais curta”
Ela: “Deves pensar que ando por aí a bater as ruas…”

Ele: “Essa saia ficava-me melhor se fosse mais comprida”
Ela: “Deves pensar que sou a tua avó….”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “E que tal se este ano fossemos de férias com mais pessoas?”
Ela: “Já percebi que te aborreces de estar só comigo e que me achas entediante”

Ele: “E que tal se este ano fossemos de férias só os dois?”
Ela: “Já percebi que te sentes incomodar em levar-me para junto dos teus amigos. Não te preocupes, vamos só os dois e assim não te envergonho em público”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Ele: “Querida, hoje faço eu o jantar”
Ela: “Já podias ter dito que não gostavas dos meus cozinhados”

Ele: “Querida, fazes tu o jantar?”
Ela: “Se era para isto mais te valia teres arranjado uma empregada”

Nota: qualquer destas versões está condenada ao insucesso.

Difícil compreender as mulheres? É que não se percebe mesmo… Somos gente tão simplezinha.