quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Amor: à conta, ao peso e à medida


Nunca consegui encher um saco com o exacto quilo de morangos que me propusera comprar. Nem tão-pouco cozinhar a quantidade exacta de comida para uma refeição, de modo que sempre acabo por comer restos o resto da semana ou por ficar com um restinho por encher no estômago enquanto rapo o restito no tacho. Já em matéria de roupinha tenho mais olho para a e coisa e só de olhar o vestido já sei se me serve ou não. Mas deve esta a única excepção de sucesso na minha inabilidade para medidas, pesos, volumes, quantidades e distâncias. De modo que não surpreende que até hoje nunca tenha conseguido amar alguém na mesma dimensão em que o alguém me ama a mim. Nem mesmo numa medida aproximada.
O que não seria mau de todo se a balança dos sentimentos pendesse a meu favor. Na verdade a coisa já se desenrolou nestes termos e, caramba, que bom que era! O ego sempre em alta, autoconfiança absoluta, alguém para satisfazer os meus ínfimos e surreais desejos. Foi bom. Mas inconsequente, mas como os amores não correspondidos o são. E rapidamente voltei ao meu rumo habitual de me atirar de cabeça para piscinas vazias. Nem precisaria de dizer isto, mas digo na mesma: dói.
Looking back now vejo que o meu historial amoroso é uma parada de devoções incondicionais da minha parte, confrontadas com devoções altamente condicionadas da parte contrária. É que o meu coração tem este karma de bater por tipos bem menos impulsivos, apaixonados, quentes, do que eu. Em termos científicos diria: “indivíduos com dificuldades para se relacionarem emocionalmente”. Ou, provavelmente, esta é uma tolice que eu digo a mim própria para me sentir salvadora do mundo e, especialmente, deles. Para me sentir amada. O mais certo é eles nem gostarem assim tanto de mim. E neste ponto estamos. Resumindo: não é fácil ser eu.
Ora, a questão que se impõe é a seguinte: devemos escolher aquele que mais gostam de nós ou aquele de quem mais gostamos? Eu e as minhas “dúvidas pertinentes”…
Uma coisa é certa: todos temos neste mundo, pelo menos, uma ou duas pessoas que gostam muito de nós. Que fariam de tudo. Que nos adorariam. Que nos fariam felizes. Ou não? Será que a felicidade está em amar ou em ser amado? Claro que parto do pressuposto que estes dois binómios não se encontram na mesma trajectória. Haverá vezes em que conseguimos ter tudo. Mas a verdade é que, a para além dos filmes e dos livros do Nikolas Sparks, na vida real isso só acontece aos outros.
Como se a questão não fosse já complexa, vamos adicionar-lhe ainda outra condicionante: é que tudo muda. O “tudo fui” de Heráclito também se aplica ao amor. Eu hoje gosto, mas posso deixar de gostar a cada momento. Nesta coisa do sentimento não há certificado de garantia nem loja onde possa devolver um produto que já não me satisfaz. Ou a quem eu já não satisfaço. A solução é mesmo uma discussão daquelas de baba e ranho, fazer as malas e partir. Ou seja, os papéis invertem-se. Aquele que me ama muito pode amanhã cair de amores por outra loura qualquer. Mas então, o inverso também pode ocorrer, e quem sabe se um destes dias aquele que me gosta medianamente não cai em apaixonada loucura. Quererá isto dizer que vale a pena esperar que tal aconteça? Mas, por quanto tempo? E não haverá aqui um estudo de probabilidades, como acontece nas apostas de futebol e nas corridas de cavalos? Qualquer coisa do tipo: “as possibilidades estão de 1/10 em que ele se apaixone perdidamente no prazo de 3 anos…”. Tanta gente a ganhar prémios Nobel e nenhum estudo cientifico de jeito nesta matéria.
A verdade é que a matemática tem muito pouco uso neste ensejo. Se tivesse estaríamos perante uma rigorosa equação, e que tudo aquilo que eu gosto e dou de mim seria exactamente igual a tudo aquilo que ele gosta e dá dele. Mas não é. Um de nós vai estar sempre um milímetro, um passo, um metro, um quilómetro, um universo, mais longe no gostar. O que temos que escolher é quem queremos nós ser: o que ama de mais ou o que ama de menos?
Serão as relações humanas uma espécie de leilões, em que lançamos para a oferta aquilo que temos para dar – o nosso melhor e nosso pior também – e alguém atira para o ar uma oferta? “Eu dou amor medianamente sentido”. “Eu dou amor com sexo e paixão carnal, mas ressalvo o carinho”. “Eu dou amor, mas sem filhos nem compromisso”.
Vendido ao senhor lá do fundo que dá amor com devoção incondicional.

4 comentários:

  1. Se isso tudo fosse uma ciência exacta perderia certamente todo o seu charme... Exactamente como um religião com provas cientificas, sem fé, perderia a credibilidade.
    O factor de 1 por 10 de encontrar a pessoa certa jà não seria assim tão mal se não houvesse um monte de pormenores à mais. No caso de se encontrarem, passado o prazo inicial de um fulgurante amor incondicional, estarão dispostos a fazer as concessões necessárias ao dia a dia, in real life? por mais, quanto tempo pode isso durar?
    Talvez deveríamos nos deixar guiar um pouco mais pelo instinto que pela cabeça ;-)

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  2. Curiosamente, estou em crer caro Rui que aqueles que levam existências mais felizes são os que se guiaram pela cabeça e não pelo instinto ou pelo coração. Certamente que serão relações menos apaixonadas e vibrantes, mas também menos dolorosas. Será errado desejar a tranquilidade de um amor tranquilo ao invés da emoção de um amor fulgurante?

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  3. estou completamente de acordo com ti. no entanto, não estou certo que todas as situações calham bem com todas as pessoas, nem em todos os momentos da vida. Pol alem viver um amor tranquilo guiado pela cabeça as vezes te faz lamentar de não ser possível viver todos os dias uma nova emoção trepidante. Não digo que pode juntar os dois, digo...que é mais ocasional ;-)

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