terça-feira, 17 de agosto de 2010

Até um dia, se Deus quiser

Lição n.º 1. Nunca, mas nunca, ter um namorado surfista.
Lição n.º 2. Nunca, mas nunca, nunca, nunquinha, ter um namorado carioca.
Lição n.º3. Jamais (na versão franciu, “jamais”) violar conjuntamente as regras n.º 1 e n.º 2
Nos meus anos dourados de namoradeira namorei com um surfista carioca, o que me retirou para sempre da lista das mulheres sensatas.
Tudo começou com uma espécie de brincadeira. Ele era um player. Eu era uma miúda sem attachments nem grande vontade de os ter. Nem me recordo ao certo como tudo começou. Sei que os nossos respectivos grupos de amigos se interpenetravam em algumas ocasiões, mas sou incapaz de citar o momento decisivo. Marcámos um café/jantar/qualquer coisa que não recordo para falar da minha viagem ao Brasil que se avizinhava, e de repente éramos um do outro todas as noites. Todos os fins-de-semana. Todas as ondas. Sim, durante uns tempos foi uma surf babe.
Muitos pormenores desta história estão nebulosos na minha memória. Mas há recordações inabaláveis pelo tempo. Como conduzir o meu Honda civic vermelho por uma Luanda quente e sedutora rumo à ilha, Cássia Eller no rádio (um dos grandes contributos que ele trouxe à minha vida):

“Estranho seria se eu não me apaixonasse por você
O sal viria doce para os novos lábios
Colombo procurou as índias mais a terra avisto em você
O som que eu ouço são as gírias do seu vocabulário
Estranho gostar tanto do seu All Star azul
Estranho pensar que o bairro das Laranjeiras
Satisfeito sorri, quando chego ali
E entro no elevador
Aperto o 12 que é o seu andar
Não vejo a hora de te encontrar
E continuar aquela conversa que não terminamos ontem
Ficou pra hoje”
(Cássia Eller, All Star)

Se eu tardava em chegar ele ligava-me. Perguntava-me porque motivo não entrava ali de rompante, assinando por “Vera Fisher” na recepção do hotel para que me sussurrasse coisa doce ao ouvido. E eu voava por aqueles escassos quilómetros, sabendo que aquilo se tornara mais sério do que os meus planos iniciais, mas engano-me dizendo que não passava de um jogo.
Veio a viagem. Uma ausência de um par de semanas. Mas um player não pode ficar sozinho tanto tempo. I should have known better. Mas que poderia eu fazer? Nunca sair para o poder controlar? Nunca me apaixonar para manter o desafio?
Ele tinha ficado de me ir buscar ao aeroporto quando regressasse. Não foi. Apanhou-me mais tarde em casa. Nessa noite disse-lhe que estava a começar a apaixonar-me por ele. Definitivamente, arredada da lista das mulheres sensatas. A partir daí tudo mudou.
A mim nem me incomoda propriamente que as pessoas percam o interesse, o que me mata é a inabilidade – que se lixe… a cobardia – para o dizer. Eu sabia. Nós sabemos sempre. Mas sou desprovida daquela capacidade de fechar os olhos e ignorar. Sou tão assertiva naquilo que digo como naquilo que exijo que os outros digam. Duas ou três noites após o meu regresso encostei-o às portas do carro e confrontei-o com a situação. Primeiro a negação. Depois a concessão. De seguida, a desculpa forjada. E finalmente a admissão de que chegara ao fim.

“Quem sabe eu ainda sou uma garotinha
Esperando onibus da escola sozinha
Cansada com minhas meias três quartos
Rezando baixo pelos cantos
Por ser uma menina má
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar”
(* Cássia Eller, Malandragem)

Passava da meia-noite, já tínhamos entrado no dia do meu aniversário. Poucas pessoas neste mundo se podem vangloriar de um tiro destes no dia de anos. Inicialmente a angustia e o desespero tomaram conta de mim. Mas rapidamente vieram a raiva e a vingança. Recompus-me. Limpei as marcas do rimmel. Abri a porta do jipe de onde ele tinha tanta pressa que eu saísse para ir ter com a outra (não estou a dramatizar, ele disse-me efectivamente que a outra estava à espera dele), atirei para fora do carro uma das pernas de modo a apoiar no chão o salto do meu sapato e, finalmente, olhei-o. Olhei-o como se olha um velho inimigo que ainda esperamos encontrar. E disse-lhe “Até um dia, se Deus quiser”. Isto porque na rádio tocava na altura aquele kizomba que tantas vezes tinha dançado sem perceber o sentimento subjacente.
No outro dia fiquei de cama até que a minha Teresa (um misto de empregada, mãe e irmã mais velha) me obrigou a deixar a auto-comiseração e a festejar a minha vida, mais um ano da minha vida.
Tardei a recompor-me. Especialmente porque nessa noite, quando saí para festejar a minha aparente felicidade, o encontrei já com a outra. Aliás, durante muitas semanas não via eu outra coisa senão a ele com uma das várias outras que se sucederam. Até ao dia em que foi para mim que ele voltou, deixando a outra sozinha. E eu fiz-me perseguir. Durante meses. Para finalmente lhe dizer que não tinha sido tão bom assim. E foi nesse dia que o tirei da cabeça. De facto, eu tinha-lhe prometido que até um dia. Se Deus quiser.

1 comentário:

  1. Não somos covardes por amar(?), gostar(?)... mas temos de dar a volta por cima quando apanhamos uma queda! leve o tempo que levar (quanto menos melhor) :D

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