sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O fabuloso mundo das entrevistas de emprego


Quando o copo se enche com a última gota de água e deitamos às urtigas um emprego que nos torna mais infelizes e mais tontas há que ir à luta e procurar outro sitio onde picar o ponto, sob pena de amontoarmos contas na caixa de correio. E é assim que uma jovem inocente e incauta, praticamente virgem no mundo laboral, entra no fabuloso mundo das entrevistas de emprego.
O primeiro embate vem logo do momento em que os nossos olhitos passam por 345768 anúncios de emprego no jornal ou na net. Alguns dos requisitos colocam-nos logo fora do banco de convocados. Mais de 15 anos de experiência nesta área especifica? Please, eu nem há 15 sou licenciada. Disponibilidade para trabalhar em horários flexíveis? Claro, desde que não seja para trabalhar em posições flexíveis. Ambição e desejo de progressão na carreira? Tudo isso é muito bonito desde que o chefe não comece a pensar que a nossa ambição é sentarmo-nos no lugar onde ele se senta, porque se assim for o desejo de progredir depressa se transformará no mero desejo de manter o emprego.
Depois de encontrado o anúncio que satisfaz as nossas pretensões e nós as pretensões do dito – ou seja, a nossa meia-laranja na versão anúncio – cumpre enviar a respectiva carta de intenções. Meus amigos, aqui convém não inventar muito porque, basicamente, o trabalhador ideal é apenas criativo qb e já todos concluímos que o mundo gosta é de gente convencional e pouco dada a fazer ondas.
Ora, neste ponto não me coíbo de revelar o meu desânimo e frustração face às regras comummente aceites sobre redacção e formatação de currículos. A minha questão é a seguinte: quem decidiu quais as informações relevantes que devem constar dos CV’s? Formação académica, experiência profissional, publicações, blabla, blabla. E outros atributos importantes que se tenham? E os atributos pá? E os atributos? Suponhamos - um mero “suponhamos”, que a mim não se aplica – que o candidato em causa é um chef de cozinha de trazer por casa, que faz umas divinais bolachinhas de chocolate, e que quem o contratasse poderia lambuzar-se com chocolate todas as 2.º feiras porque o dito candidato levaria para o escritório o resultado das suas aventuras culinárias do fim de semana. Será este um requisito despiciendo? Ou suponhamos – de novo, uma suposição que a mim nada, mas nada, se aplica – que o candidato é o feliz proprietário de uma fabulástica colecção de sapatos, de modo que a sua contratação garantiria às coleguinhas co-workers a possibilidade de estarem sempre a par das últimas modas que reinam no reino dos pés e, eventualmente (mas mesmo muito, muito, muito) eventualmente, até poderiam ser emprestados um parzinho ou outro, mecanismo certo e seguro para manter felizes e produtivos os trabalhadores fashion victims? Ou que o candidato sabe dançar no varão? Ou tem contactos no mundo dos porteiros de discotecas? Ou é um menino com um rabiosque daqueles que deixa as meninas bem-dispostas pela manhã? Enfim, todos estes são requisitos relevantíssimos para qualquer profissão e para qualquer ambiente laboral. Todavia, nunca vi ninguém importar-se minimamente com eles, o que revela alguma pobreza de espírito. Por conseguinte, proponho uma moção de censura ao actual modelo convencionado de currículos e proponho que se aprove um novo modelo, do qual deverá contar uma rubrica designada “Atributos importantes e variados”, no qual se pudessem inscrever estes outros predicados, até hoje desprezados.
Finalmente a entrevista, supondo que até aqui ainda não morremos (falo de um processo longo e moroso, que pode chegar até nós muito depois de um qualquer ataque cardíaco provocado pela idade ou pelo stress de procurar trabalho) ou não desistimos de uma carreira brilhante em prol de um futurozinho mais fácil enroscada num qualquer pequeno magnata que nos possa sustentar. Eis-nos finalmente a postos para a entrevista.
Ora, esta coisa chamada “entrevista” está minada desde o seu início e em bom rigor não parece haver uma forma elegante de lidar com ela airosamente. Senão vejamos:
i) A marcação: quando a secretária nos pergunta ao telefone quando estaremos disponíveis há que demonstrar apenas uma disponibilidade relativa, ao invés de gritar ao telefone que é óbvio que estamos disponíveis sempre porque, afinal de contas, estamos desempregados… logo, a nossa agenda já esteve mais cheia;
ii) A roupa: já se sabe que nas entrevistas de emprego o truque é ir cinzenta, enfadonha e com ar de quem não tem sexo há anos e, melhor ainda, não gosta de sexo nem perde tempo com isso (excepto, porventura, com o superior hierárquico, se for caso disso). Claro que aqui os mais rebeldes se defrontarão com problemas para esconder piercings, tatuagens ou cortes de cabelo mais arrojados;
iii) Falar um pouco de nós: uma vez que estou em crer que o entrevistador está-se bem a lixar para os meus traumas de infância ou para os meus desaires sentimentais tento manter a coisa o mais profissional possível e apenas comento daquela parte de mim que vai a conferências e escreve artigos. E, caso sejam ninas em idade reprodutiva, nunca, mas nunca, nunquinha, demonstrem qualquer apetência pela maternidade, porque já me foi dito que ter bebés nunca foi veículo que garantisse a presença assídua em reuniões às 9h da manhã. Melhor mesmo será apresentar um certificado de infertilidade ou de uma laqueação de trompas. Já se forem meninos, podem ter filhos à vontade, que os patrões gostam de trabalhadores responsáveis que sejam bons pais de família;
iv) A pergunta do dinheiro: a tão temida questão do “quanto quer ganhar?” deixa-me sempre semi-incrédula. Talvez seja porque alguns ganham mesmo aquilo que querem ganhar (que não o que merecem) que este país está a braços com o FMI;
v) Os psico-técnicos: adoro aqueles com bolinhas e triangulozinhos porque a minha personalidade quasi-esquizofrénica consegue descortinar padrões absurdos que me permitem atingir pontuações dignas de génio, mas ultimamente trocaram-me às voltas e deixaram-me frente a frente com um teste para calcular percentagens e outras matematiquices que tal, de tal forma doloroso que quando a psicóloga me perguntou como correu lhe respondi cabisbaixa que me sentira como o Mourinho a levar 5-0.
Moral da história: as entrevistas de emprego nunca fizeram ninguém feliz, de modo que resta esperar que o emprego em si mesmo o faça.

1 comentário:

  1. do alto das minhas inúmeras entrevistas (fracassadas, uma ou duas em tanto), posso dizer: Bem vinda ao clube!!! e olha que já estive de ambos os lados da barricada. as minha entrevistas a candidatos eram sinceras, do género "preciso de alguém para trabalhar. Você serve?"; a maior parte das entrevistas a que fui eram tipo "quer mais um benefício fiscal, tanto me faz q seja você ou um burro qualquer" ou então"preciso de alguém, mas já está escolhido e isto é só um proforme". Coisas do género.

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