sábado, 31 de julho de 2010

Esse vírus chamado G.A.Y.


Antes das festas, das soirées, das mulheres e ex-mulheres de futebolistas semi-nuas em cocktaisl, a silly season deste ano iniciou-se com uma notícia bem menos ligeira, mas igualmente ridícula.
Ao que parece, o Ministério da Saúde prepara-se para manter a medida que vem afastando homossexuais do sexo masculino de darem sangue. Isto apesar de em Abril deste ano a Assembleia da República ter aprovado um diploma do Bloco de Esquerda que iria permitir que homossexuais e os bissexuais pudessem doar sangue. Mas agora, num pacóvio volte-face eis que se confirma que homens que tenham sexo com outros homens ficam impedidos de doar sangue logo na fase da triagem, uma vez que lhe será perguntado: “Se é homem, alguma vez teve relações sexuais com outro homem?” (curiosamente não está prevista a mesma questão para as mulheres, de modo que, lésbicas deste mundo , alegrai-vos, vós não sois pecadoras aos olhos do Senhor, logo, não sofrereis o castigo da SIDA).
Gays, não queremos o vosso sangue. O que se bem se compreende. Se há coisa que há por aí a rodos é sangue. Bem podemos todos ter acidentes e hemorragias e esvairmo-nos desse liquido precioso porque o país tem tanto sangue disponível que se dá ao luxo de recusar dadores de boa saúde. Fazer um teste para verificar se o sangue está ou não contaminado? Que disparate. Isso é para países civilizados. Bem… ou nem tanto. Na civilizadíssima América o presidente Bush também ordenou que os homossexuais fossem proibidos de doar esperma pelo mesmíssimo motivo. Claro que vindo a medida de quem vem já isto nos deveria fazer pensar na sua sensatez e inteligência, já para não falar na acuidade científica.
Não se culpe unicamente Ana Jorge. Afinal, anda por aí um senhor chamado Gabriel Olim, por sinal presidente do Instituto Português do Sangue, que diz para quem o quer ouvir que a homossexualidade é, em si mesma, um comportamento de risco. Será o senhor simplesmente obtuso, ou terá vivido adormecido nas últimas décadas (tipo Bela Adormecida, o que em si mesma tem qualquer coisa de gay), quando o resto do mundo chegou à conclusão que no que toca ao HIV não existem comportamentos de risco, ou, se preferirem, todos o são. Mas este espécime humano disse outra coisa ainda mais brilhante (se é que tal é possível….). E cito: “Quando uma pessoa se apresenta assumidamente como homossexual e quer dar sangue, eu interpreto como uma provocação. Quem quer vir dar sangue não vem com esta atitude”. E a cereja no topo do bolo: os homossexuais que pretendam dar sangue estão “deliberadamente [a] querer introduzir no circuito sangue contaminado”. Vou pôr as coisas nestes termos. Fosse eu um dos visados por um comentário de tal forma insultuoso e ter-lhe-ia posto um processozinho em cima por difamação. Já agora, se algum me está a ler neste momento fique sabendo que eu patrocinaria de bom grado uma acção destas.
Por conseguinte, que se lixem todos aqueles que cada dia lutam pelo fim da discriminação e da homofobia. Que se lixe a comunidade cientifica que incansavelmente assegura que “proibir totalmente os homens que fizeram sexo com homens de doar sangue é errado e em nada científico” (Dr. Mark Wainberg, ex-presidente da Sociedade Internacional de AIDA, professor universitário do Canadá e o primeiro a identificar o antiretroviral para o tratamento da doença).
Mas, e até para manter alguma congruência, eu sugiro que aos potenciais dadores de sangue se pergunte também se foram recentemente de férias para Ibiza (a capital do sexo não protegido), se o marido tem ido às putas ou a encorna com a colega do escritório (conhecem o número assustador de mulheres que são infectadas pelo marido?), ou se teve o azar de nascer hemofílico (é que nada garante que o escândalo dos anos 80 não se repetirá de novo, mau-grado as cada vez maiores cautelas).
E já agora, porque não perguntar também aos hipotéticos dadores comentar a vida dos outros, enfim, se não serão portadores daquele outro vírus chamado E.S.T.U.P.I.D.E.Z.? É que tenho para mim que também o perigo de este se transmitir por via sanguínea.

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