sexta-feira, 23 de julho de 2010

Phone, SMS, mails e o direito a ser deixado em paz


No tempo dos nossos avós aqueles tipos irritantes que teimam em fazer parte das nossas vidas quando a hipótese disso acontecer é menor do que a da Académica ganhar um título intrometiam-se espiando os nossos actos por entre arbustos, enviando cartas e bilhetinhos, tocando a campainha para logo desatar a fugir.
As novas tecnologias vieram-nos facilitar muito a vida a nós mas, infelizmente, também a visitantes indesejados. Podem ser ex-namorados que ainda não se convenceram que tudo acabou, gente ressabiada com a falta de atenção que lhe dirigimos, amigos que foram alimentando uma paixão secreta ao longo dos tempos, prestes a roçar a insanidade, ou simples desconhecidos que nos viram passar um dia. Num mundo onde a vida de cada um é cada vez mais transparente ao mundo exterior (dados recolhidos pelo marketing empresarial, redes sociais, uma ânsia imensa de fazer contactos e de estar contactável e, claro está, a boa-vontade de amigos e conhecidos) parecem já não existir portas fechadas às intromissões alheias.
A mim já me aconteceu (praticamente) tudo. Fui acordada a meio da noite por chamadas de números anónimos em que do outro lado da linha alguém arfava e suspirava como se estivesse em pleno trabalho de parto ou, pelo menos, em aulas Lamaze. Já fui alvo de toques intermitentes, que me esgotaram a bateria e a paciência. Já liguei para as redes moveis na vã tentativa de descobrir a identidade da mosca zumbidora, para me dizerem passado uma hora que se tratava de um número privado, pelo que, ou me aguentava à bronca ou ia à policia fazer queixa de ofensas psicológicas pelo telemóvel, o que sem duvida daria lugar a uma boa risada do Ministério Público, sendo certo que a reforma do Código Penal foi sensível à devasse por telemóvel. Já recebi SMS de números que não conheço de lado nenhum, e de onde ninguém atende quando ligo de volta, ou que mantêm aquele número constantemente desligado, levando a pensar quão preenchida será a vida de uma pessoa que têm um telemóvel propositadamente para estes efeitos e que só para isso o liga. Já recebi toques constantes às horas mais despropositadas. Já recebi mensagem de amor por mail, umas mais obscenas, outras mais puras e doces.
É claro que o bom e velho stalking feito pelos meios clássicos, continua a existir. Já me encheram a casa de flores, com ursos de peluche à mistura, e outros presentes igualmente despropositados, na melhor tradição dos filmes de terror. Mas isso deixo para outro post, no qual prometo contar os detalhes escabrosos. Neste o que quero referir é que em todos os tempos e lugares existiram pessoas insistentes.
Ora, tenho para mim que há que deixar bem claros os limites da inconveniência. Desde logo, as mensagens de teor sexual apenas são legítimas em contextos especificamente determinados, e devem ser particularmente banidas no âmbito dos contactos com ex-namorados, ex-flirts, enfim, ex-qualquer-coisa-e-mais-alguma. Tão-pouco são aceites face a pessoas que não nos são próximas, nem nunca foram, e em face das quais não demonstramos vontade de o sermos. Existem horas apropriadas para ligar a alguém, ou mesmo para lhe enviar uma mensagem, sendo que as madrugadas estão fora desse leque temporal. Tudo aquilo que escrevemos deve ser assinado, excepto quando entre as partes exista suficientemente proximidade para sabermos que o outro sabe imediatamente quem somos. Sou totalmente alérgica a intromissões anónimas, por mais inocente que seja o seu conteúdo.
Todos temos o direito fundamental a ser deixados em paz. A que não importunem o nosso descanso. A que não ameacem a nossa tranquilidade.
Em regra tendo a ignorar este tipo de episódios, porque nutro alguma lástima pelo desgraçadinho que pensa que assim leva algum prémio para casa. Mas a minha impaciência é lendária, de modo que rapidamente chega o dia em que penso para com os meus sapatos que não há lei jurídica, natural, religiosa, moral ou ética que nos imponha que aturemos as frustraçõezinhas alheias e dou por mim a reagir de forma mais violenta. Bem sei que deveria ser mais tolerante na medida em que em regra falamos de criaturas inadaptadas, que vivem na sombra, e que provavelmente se masturbam a pensar em nós, sob a luz fosca de uma lâmpada poeirenta. Essa parte não podemos controlar porque já cabe no direito deles próprios serem deixados em paz com as suas taras e fantasias. Agora, se há coisa que podemos exigir é que essas aberrações ficam lá fechadas no tal cantinho escuro mal iluminado porque… guess what, never gonna happen

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